TCU na UTI
*Por Circe Cunha
Uma coisa é certa: após a passagem da tormenta, provocada pelas
revelações dos inúmeros casos de corrupção no seio do Estado, será necessário
doravante refazer, por completo, o modelo de funcionamento da máquina pública,
sobretudo no que diz respeito ao aperfeiçoamento das instituições, de modo a
blindá-las do assédio de políticos inescrupulosos livrando, assim, o dinheiro
dos pagadores de impostos da sanha criminosa das aves de rapina.
O que ficou mais do que provado com o desenrolar desses tristes
episódios é que as instituições que compõem o Estado não possuem mecanismos
suficientemente adequados nem para prever, nem tampouco para deter a
dilapidação do patrimônio público. A prova é que, durante mais de uma década em
que ocorreram os desvios de bilhões de reais dos cofres públicos, com malas
recheadas de dinheiro voando de um lado para o outro, em nenhum momento os
órgãos de fiscalização e controle detectaram a revoada incomum dos recursos.
Mesmo as instâncias que suspeitaram da movimentação bizarra de numerário
pouco ou nada fizeram para deter a sangria. O pior é que alguns desses órgãos
que tinham como missão zelar pelo dinheiro público não raro foram lançados
também na fogueira comum em que ardiam os demais acusados de corrupção e outros
crimes contra o país. Um caso especial, que chamou a atenção de todos, não só
pela displicência e descaso com o bem público, como pelo fato de ter alguns de
seus responsáveis aparecido nas listas da corrupção, é o do Tribunal de Contas
da União (TCU).
Essa instituição, pelas importantes atribuições nesse quesito, jamais
poderia ter fechado os olhos para a pilhagem que correu solta por anos. Não é
por outra razão que volta a se ouvir agora, entre os especialistas e entre
membros da própria Corte, a voz dos que pretendem uma reforma significativa e
urgente na Instituição, principalmente quanto ao modelo de composição da corte.
Para Marcos Bemquerer, presidente da Associação Nacional dos Ministros e
Conselheiros-Substitutos dos Tribunais de Contas (Audicon), “não há como falar
em reforma do Tribunal de Contas sem falar em composição. Do contrário, seria
só perfumaria. Esse é o ponto central”. Em sua avaliação, novo desenho no
Tribunal traz uma proposta no sentido de aumento maior da participação técnica,
havendo quem defenda que os nove ministros do TCU e os sete dos Tribunais de
Contas sejam oriundos das áreas técnicas.
Alguns ministros entendem que a crise pode catalisar aprimoramentos há
muito pensados e nunca postos em prática. Para Júlio Marcelo de Oliveira,
procurador do Ministério Público de Contas e presidente da Associação Nacional
do Ministério Público de Contas (Ampcon), é preciso urgentemente qualificar a
composição dos Tribunais de Contas, tanto na formação técnica como na
idoneidade moral e na reputação ilibada de seus membros. Trata-se, na opinião
de muita gente, de missão quase impossível, já que muitos membros dessas Cortes
são oriundos justamente do Poder Legislativo, em que mais de um terço dos
componentes estão enrolados, até o pescoço, nos casos recentes de corrupção
descobertos pelas investigações policiais.
Por essa lógica, reformar os Tribunais de Contas, que consomem dos
contribuintes mais de R$ 10 bilhões por ano, só terá efetividade se antes for
reformado também o Poder Legislativo. Como ensina o filósofo de Mondubim, não
dá é para amarrar cachorro com linguiça esperando encontrá-la inteira.
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A frase que foi pronunciada
“É claro que os brasileiros vão compreender o aumento de impostos.
Desviam R$ 200 bilhões por ano praticando corrupção. Agora querem colocar a
conta disso tudo no nosso bolso.”
(Deltan Dallagnol, procurador que coordenada a força-tarefa da Lava-Jato
em primeira instância, ironizando o presidente Temer, no Facebook.)
(*) Circe Cunha – Coluna “Visto, lido e ouvido” – Ari Cunha – Correio
Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google