Por Guilherme Goulart
Fim da Asa Norte. Eita tarde quente e seca,
daquelas que o tempo, só de preguiça, passa mais devagar. O cerrado ao redor
queima ao sol. Ganha tons avermelhados. E as árvores se retorcem além do
normal. Ao fundo, abrem-se os prédios da Colina, conjunto de edifícios erguidos
especialmente para abrigar os professores da Universidade de Brasília (UnB). De
tão especial, a imaginação prega peças. Renato Russo, Fê e Flávio Lemos, André
Pretorius, Philippe Seabra, Dinho Ouro Preto, Loro Jones, a turma toda está lá,
no gramadão, como se fosse o fim dos anos 1970. Com um pouco de atenção, até dá
para ouvi-los: “Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio/Toda pintada de
preto, branco, cinza e vermelho...”
Mais à frente, outra surpresa. Aproximar-se dos
prédios da Colina arrefece o calorão do dia. Passear pelos baixos pilotis,
então, faz esquecer a estiagem. Como passe de mágica — ou de arte —, a
temperatura diminui ao redor do concreto, dos cobogós, das pedrinhas e da
vegetação. Com um pouco de boa vontade, o índice de 20% de umidade relativa do
ar, segundo os meteorologistas do Inmet, quase passa despercebido. O alívio
momentâneo devolve a energia sugada pela secura. E o espaço embaixo do bloco se
descerra às crianças e ao vento, que correm com liberdade por ali. É quando
gritos e assobios se confundem entre ecos.
O efeito climático parece de caso pensado. E é
mesmo. O anfitrião percebe o espanto do visitante e, imediatamente, explica:
“Isso aqui tudo é Lelé, é João Filgueiras Lima!”. O amigo de infância, também
mestre, doutor, viajante e ex-árbitro assistente de futebol, dá luz à
ignorância. O arquiteto carioca, parceiro de Oscar Niemeyer, Athos Bulcão e
Lucio Costa, emprestou aos prédios da Colina o talento sobre a técnica da
pré-fabricação. Projetou os edifícios em 1962 e cravou, a oeste do Câmpus Darcy
Ribeiro, a assinatura de um dos seus primeiros trabalhos autorais. Ali, aparece
o diferencial de Lelé: a exploração da iluminação e da ventilação naturais.
Mais tarde, reverenciada pelos hospitais da Rede Sarah.
Insinuar-se pelo apartamento universitário não
diminui o súbito. Ali, há espaço para circular, brincar, ouvir música,
trabalhar, cozinhar, relaxar e receber os amigos. A atmosfera toda se resume a
conforto, da sala de estar aos quartos, dos banheiros à área de serviço. Falta
exagero, sobra inteligência funcional. Também foge ao estigma da planta rígida
da maioria dos imóveis. E estabelece uma conexão diferente, incrementada pela
varanda erguida em adoração ao sol. A vista, até onde alcança, encontra o Lago
Paranoá. Mas parece que o olhar de vigília vem do espelho d’água. Coisa louca.
Estar ali é como ficar à parte. Nem o desgaste dos
55 anos das edificações abatem o encanto. Foi dito uma vez que paira sobre a
Colina o silêncio típico do campo, do sítio, da fazenda. É verdade. O lugar
parece esquecido, mas nunca abandonado. Mesmo assim, só lembra dele quem por
ali mora. No fim da tarde, é hora do adeus, da volta à realidade urbana de
Brasília. Mas não sem antes se despedir da Turma da Colina, que um dia esteve
“matando o tempo procurando uma briga/Sem ter dinheiro nem prum guaraná”, como
conta a letra de Anúncio de refrigerante, da Aborto Elétrico.
(*) Guilherme Goulart – Fotos: Daniel
Ferreira/CB/D.A Press – Ilustração - Blog – Google – Correio
Braziliense