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No Fusca do Tom Jobim

Tom Jobim e Vinícius de Morais no Catetinho - 1960 -  No Fusca do Tom Jobim

*Por Severino Francisco

No clássico Chega de saudade, Ruy Castro informa que Tom Jobim e Vinicius de Moraes vieram a Brasília, em setembro de 1960, no Fusquinha do maestro. Eles ficaram hospedados no Catetinho para escrever a Sinfonia da Alvorada, hino ou poema sinfônico modernista composto visando a festa do primeiro aniversário de Brasília em 1961.

Sempre fiquei intrigado com essa viagem épica, vencendo 1.300 km de estradas precárias em um Fusquinha. Em face da falta de informações seguras, resolvi imaginar a conversa entre Tom e Vinicius no périplo de volta ao Rio, depois de passar 10 dias no Catetinho, embrenharem-se na mata ou beberem água pura na fonte, impregnados de impressões hauridas no Planalto.

Vinicius: “Tonzinho, parece que essa estrada não acaba mais, não tem mais fim”. Tom cantando: “É pau, é pedra, é o fim do caminho, é um resto de toco, é um pouco sozinho...” Vinicius: “O que distorcerão ao relatar a nossa viagem não está no gibi! Vão dizer que reclamamos da falta de esquinas e achamos o cenário desolador”. Tom continua cantando: “É peroba no campo/É nó na madeira/É um mistério profundo/É um queira ou não queira/É a lama, é a lama...”

Vinicius: “Para evitar que propaguem versões mentirosas, vou escrever um texto para a contracapa do disco da Sinfonia da Alvorada dizendo que Brasília tem uma proximidade com o infinito. Aquele planalto é uma paisagem de oxigênio, silêncio e saudade da origens”. Tom: “Brasília é o lugar mais antigo da terra”. Vinicius: “Tonzinho, de onde é que tiraram essa história de que a Sinfonia da Alvorada era uma obra encomendada?”

Tom: “Sei lá, Vinicius, fico muito chateado, pois você sabe que, desde quando se consolidou a ideia da construção de Brasília, eu já havia começado a compor uma sinfonia para ritualizar com música essa passagem do Brasil atrasado para o Brasil moderno”. Vinicius: “Deixemos para lá as pragas dos grupos de ressentidos, que preferia governar o Brasil nas proximidades das boates”. Tom: “Brasília é uma nova civilização que se esboça. O Brasil aparece em toda a sua nostalgia e grandeza. Herdeiro de todas as culturas, de todas as raças, tem um sabor próprio.”

Vinicius: “Por que, durante o tempo em que a gente esteve no Catetinho, não saía da mata?” Tom: “Estava afinando o ouvido com o pio das perdizes. É uma conversa que parece vir do fim dos tempos.” Vinicius: “Você não fica com medo de ser mordido por uma cascavel?” Tom: “Que besteira! A cascavel avisa quando vai atacar. Eu tenho medo é do veneno da mentira e da maledicência de certas jararacas da imprensa do sudeste. As pessoas não entendem que eu entro no mato para caçar música.”  Vinicius: “Como assim?” Tom: “Quando eu entro nas florestas, me vem composições inteiras prontas ou quase prontas. A mata do Catetinho está cheia de música, é só afinar o ouvido.”

Vinicius: “Tonzinho, você tem medo da morte?” Tom: “Uma coisa é certa: Deus não criou o homem para depois destruí-lo. Há alguma coisa que não está bem explicada. Se Deus permite que se destruam milhões de árvores na Amazônia, assim sem mais nem menos, é porque as faz renascer em outro lugar, onde também deve haver macacos, florestas e pássaros. É pra lá que eu vou.”

Tom e Vinícius  - Riacho do Catetinho


(*) Severino Francisco – Jornalista, colunista do Correio Braziliense – Fotos/Ilustração: Blog - Google


2 Comentários

  1. Bonita ficção de como pode ter sido essa épica viagem.

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  2. Interessante. Lembro de fotos deles por lá e no Country Club ao lado, antiga fazenda Gama, salvo engano!!!👏👏👏

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