Liberdade acadêmica
plena
*Por Cristovam Buarque
Ao manifestar preocupação com a disciplina “O Golpe
de 2016 e o futuro da Democracia no Brasil”, prevista para a Universidade de
Brasília (UnB), o ministro da Educação comete graves erros. Primeiro, porque
seu papel é zelar pela liberdade acadêmica e sua intervenção não consideraria
isso. Cabe aos órgãos colegiados alertar para os casos em que algum curso seja
usado para a promoção de crime ou preconceitos. No caso dessa disciplina,
trata-se de uma interpretação que o professor tem direito de oferecer ao definir
os impeachments como golpe.
Errou também ao não perceber que, de fato, é
possível essa categorização. Apesar de todo o rigoroso rito jurídico que foi
seguido ao longo de 180 dias de julgamento dentro das normas constitucionais,
há possibilidade acadêmica de dar essa interpretação. No caso do impeachment
contra o Collor, a denominação de golpe é ainda mais plausível, porque ele não
foi acusado de crime contra a Constituição.
Já Dilma foi acusada de ferir o artigo 85 da Carta
Magna que define o crime de responsabilidade. Além disso, no caso do Collor,
ele teve seus direitos políticos cassados por oito anos, enquanto a
ex-presidente manteve seus direitos integrais e pode ser candidata para voltar
ao cargo de presidente ou a qualquer outro, em 2018, com o eleitor tendo na
memória que ela teria sido vítima de golpe.
Mesmo assim, a expressão golpe pode ser usada nos
casos de 2016 e de 1992. Muitos consideram que a Proclamação da República foi
um golpe, porque dissolveu o Parlamento, rasgou a Constituição imperial e
destituiu o imperador, acabando com a dinastia. A própria Lei Aurea, embora
tenha seguido rigorosamente o processo legislativo, foi considerada como golpe
por diversos parlamentares escravocratas, porque Joaquim Nabuco teria usado
mecanismos para apressar o debate.
Da mesma forma, qualquer professor deve ter o
direito de chamar de golpe a manifestação do processo eleitoral de 2014, que
caracterizou um verdadeiro estelionato ao manipular preço de combustível, taxa
de juros, subsídios para empresários. O mensalão do governo Lula ou do Temer
também podem ser chamados de golpes. A corrupção é um golpe, sobretudo, no
nível antipatriótico como foi feito com a Petrobras, a Eletrobras; os roubos de
dinheiro dos fundos de pensão podem ser chamados de golpes contra a democracia
e contra o povo e a nação.
O terceiro erro do ministro é não reconhecer que
essa disciplina pode ser útil para esclarecer se a expressão é correta para
definir o que se passou em 1992 e em 2016, ou se ela vem sendo usada como um
instrumento mitológico a serviço de marketing partidário. A oferta da
disciplina “O Golpe de 2016 e o Futuro da democracia Brasileira” deve ser
defendida por todos aqueles que respeitam a liberdade acadêmica e também porque
essa ideia merece ser analisada como possibilidade. Mas, se a liberdade
acadêmica for plena, essa hipótese deve ser investigada com base em fatos, não
com o propósito de usar a universidade como veículo de marketing partidário.
Caso seja dada, seria conveniente que algumas
perguntas fossem respondidas durante a disciplina: 1) Assumindo o conceito de
golpe para 1992 e 2016, como chamar o golpe de 1964, quando a ordem
constitucional foi suspensa por 26 anos, milhares foram presos e o presidente
deposto só voltou 17 anos depois dentro de seu caixão fúnebre?; 2) Faz sentido
chamar de golpistas os senadores que votaram para manter os direitos políticos
integrais da presidente deposta, que até hoje mantêm todos os privilégios de
qualquer ex-presidente?; 3) Se houve um golpe, por que a presidente deposta não
se apresenta como candidata a presidente, para que os eleitores repudiem os
golpistas?; 4) Quais foram as falhas jurídicas nos impeachments do Collor e da
Dilma que permitiriam dizer que a constituição não foi respeitada?; e 5)
Pode-se chamar de golpe os movimentos em que os presidentes depostos são
substituídos pelos vices que eles escolheram, como no caso Itamar, escolhido
por Collor, e Temer, escolhido duas vezes por Dilma?
Devemos cobrar que a UnB colabore com a verdade
oferecendo disciplinas como “Onde a democracia errou ao manter a esquerda por
13 anos no governo sem uma única reforma estrutural na sociedade e na economia
do país, sem erradicar o analfabetismo, sem elevar a consciência política da
população e envolvendo-se no mais escandaloso período de corrupção da
história?”. A disciplina será um bom teste para ver se o professor zela também
pela liberdade acadêmica plena, aceitando a opinião de seus alunos.
(*) Cristovam Buarque
- Senador pelo PPS-DF e professor emérito da Universidade de Brasília
(UnB) – Foto/Ilustração: Blog - Google