Ministros
do Supremo contrariaram a orientação da maioria dos integrantes da própria
corte em pelo menos um quinto dos casos de pessoas condenadas em segunda
instância que recorreram ao tribunal para se livrar da prisão nos últimos dois
anos. Análise feita pela Folha em 390 pedidos de habeas corpus examinados pelo
STF no período mostra que ministros suspenderam ordens de prisão ou mandaram
soltar condenados em 91 casos, equivalentes a 23% do total.
Foram
beneficiadas pessoas condenadas por corrupção, tráfico e crimes contra a vida e
patrimônio, entre outros. As decisões foram tomadas individualmente, antes do
julgamento dos habeas corpus nas duas turmas em que os integrantes da corte se
reúnem. As liminares tiveram efeito imediato e refletem a divisão profunda que
a questão das prisões criou no tribunal.
MUITAS PRESSÕES – A presidente do STF, Cármen Lúcia, tem
sofrido pressões de colegas para reabrir o debate sobre o assunto. Eles querem
que ela submeta ao plenário ações que questionam a legalidade das prisões
efetuadas após condenação em tribunais de segundo grau.
O
julgamento poderia mudar de novo a orientação da corte sobre o tema e influir
no destino do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que foi condenado
pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em janeiro e poderá ter sua prisão
decretada em breve.
Em
2016, ao julgar um habeas corpus de um condenado por roubo em São Paulo, o STF
fixou o entendimento de que tribunais de segunda instância podem executar a
pena mesmo quando o condenado tem o direito de recorrer a tribunais superiores
para rediscutir sua sentença.
6 VOTOS A 5 – A decisão, tomada com margem apertada
de 6 votos a 5, representou uma guinada no Supremo. Até então, era pacífico na
corte o entendimento de que ninguém poderia ser declarado culpado e ter sua
pena executada antes de esgotadas todas as possibilidades de recurso a outras
instâncias do Judiciário.
Apesar
da mudança, ministros que foram vencidos no julgamento, como Marco Aurélio
Mello e Ricardo Lewandowski, continuaram tomando medidas em sentido contrário.
Os dois foram responsáveis por 72 das 91 liminares que favoreceram os
condenados, conforme o levantamento feito pela Folha.
Em
geral, as decisões de Marco Aurélio sobre o assunto têm sido derrubadas mais
tarde na turma à qual ele pertence, onde a maioria é a favor das prisões. Na
turma de Lewandowski, o equilíbrio pende para a direção oposta.
IMPUNIDADE – Para os defensores da orientação
favorável às prisões, como o ministro Luís Roberto Barroso, esperar pelo
esgotamento de todos os recursos é uma forma de alongar desnecessariamente os
processos, contribuindo para a impunidade de muitos crimes.
Marco
Aurélio e Lewandowski argumentam que os recursos permitem corrigir injustiças e
por isso a execução da pena deveria esperar pelo seu exame. Nos casos em que
concederam habeas corpus, os dois têm justificado suas decisões apontando a
ausência de motivação para as ordens de prisão dos tribunais inferiores e
falhas processuais, entre outras razões.
“O
problema principal é que muitas decisões dos magistrados dessas instâncias são ruins
tecnicamente”, diz Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio. “Os recursos
aos outros tribunais são importantes para reparar isso.”
EXCEÇÕES – Outros ministros que foram vencidos há
dois anos, como Celso de Mello e Rosa Weber, têm negado a maioria dos habeas
corpus para não contrariar a opinião da maioria, mas abriram exceções em alguns
casos. Gilmar Mendes votou a favor das prisões em 2016 e anunciou no ano
passado que mudou de ideia.
Ele
expressou simpatia pela tese lançada por Dias Toffoli, que permitiria as
prisões após o esgotamento dos recursos numa terceira instância, o STJ
(Superior Tribunal de Justiça). Um estudo conduzido no STJ pelo ministro
Rogério Schietti mostrou que as chances de um condenado ser absolvido ou se
livrar da cadeia recorrendo ao STJ são mínimas. Mas o levantamento mostrou que
em muitos casos os recursos permitem reduzir penas e abrandar o regime em que
são cumpridas.
O
próprio Barroso deu habeas corpus em caso recente. Sem abrir mão da posição a
favor das prisões, determinou que um homem pego com R$ 250 em cédulas falsas
cumpra pena em regime aberto.
Nota da redação do Blog– Tribuna da Internet – O ponto mais
interessante da matéria é o final. Em que país do mundo a Suprema Corte tem
decidir processo de porte de pequeno valor em cédulas falsas? É mais uma
jabuticaba jurídica brasileira.(C.N.)
Tribuna da Internet - Charge
do Duke (dukechargista.com.br)