Marcelo e Thaís: ele a sequestrou no câmpus da UnB,
a asfixiou com clorofórmio e, por fim, a matou a facadas
Hoje com 53 anos, o gaúcho vai cumprir no país europeu, onde tem
cidadania, a pena imposta pelo Tribunal do DF pelo homicídio qualificado
cometido em 1987 contra a ex-namorada Thaís Mendonça. Ambos estudavam na UnB,
onde ela a sequestrou para matá-la
*Por Renato Alves
Brasília esperava, havia 31 anos, a punição do
assassino de Thaís Muniz Mendonça, sequestrada e morta aos 19 anos com um tiro
e 19 facadas, em 1987. Ela veio em abril, mas só ontem foi comunicada às
autoridades brasileiras. O Ministério Público Federal (MPF) recebeu a
informação oficial de que Marcelo Bauer está preso, na Alemanha, onde será
executada a pena de 14 anos de reclusão pelo homicídio qualificado da estudante
brasiliense.
Aos 53 anos, Bauer está no Centro Penitenciário de
Bayreuth desde 25 de abril. Por ter cidadania alemã, cumprirá a pena naquele
país, para onde fugiu. Deve ganhar a liberdade em abril de 2032. A efetivação
da prisão foi informada em reunião entre integrantes da Secretaria de
Cooperação Internacional (SCI/MPF) e da adidância policial alemã, segundo nota
divulgada pela assessoria de comunicação do MPF.
Condenação
O Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT)
condenou Marcelo Bauer à revelia em abril de 2012. O júri impôs uma pena de 18
anos de prisão pelo sequestro, asfixia por substância tóxica e assassinato de
Thaís. Após o julgamento de apelação criminal, a pena foi reduzida para 14 anos
de reclusão, em 12 de abril de 2012. O crime foi motivado por ciúmes.
O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a condenação,
em maio de 2014. A Procuradoria-Geral da República (PGR) fez o pedido inicial à
Alemanha em 2011, quando o Brasil enviou a cópia do processo e a transmissão do
caso para a Justiça alemã, diante da inviabilidade da extradição de Bauer, por
causa da dupla nacionalidade.
O judiciário daquele país pediu a localização e a
oitiva de testemunhas, além do perfil do DNA da vítima. A partir de então, o
juízo da Vara de Execuções Penais do DF autorizou a transmissão do caso ao país
europeu e solicitou a homologação da decisão condenatória. O pedido para
homologação da sentença estrangeira foi encaminhada à SCI em 2013. Desde então,
houve constantes contatos entre as autoridades dos dois países, que culminaram
no início da execução da pena na Alemanha.
Pai de Marcelo, Rudi trabalhava no Serviço de
Inteligência da PMDF
Ajuda de militares
Encontrar o acusado de sequestrar e matar a jovem
se tornou tarefa complicada, segundo investigadores da Polícia Civil, por causa
do pai dele. O coronel Rudi Ernesto Bauer trabalhava no Serviço de Inteligência
da Polícia Militar do DF. Segundo os investigadores, ele planejou a fuga do
filho com a ajuda de colegas de corporação e do Exército.
Com Bauer foragido, promotores de Justiça do DF
concluíram que ele sequestrou Thaís no câmpus da UnB “e, após asfixiá-la com
substância tóxica e deixá-la desmaiada, puxou-a para o seu carro, um Passat
amarelo, ano 1978, e de maneira cruel desferiu contra ela 19 facadas na região
mamária e carotidianas. Não contente, conduziu-a a local ermo, nas proximidades
da 415 Norte, em direção ao Lago Norte, para ocultar o cadáver, arrastando-a
para o mato, onde, à queima-roupa, a matou”.
Bombeiros encontraram o corpo de Thaís por volta do
meio-dia de 12 de julho de 1987, quando uma equipe apagava um incêndio em meio
ao cerrado. O Boletim de Ocorrência nº 2856, registrado na 1ª Delegacia de
Polícia (Asa Sul) dois dias antes pelo professor e assessor do Ministério da Educação
Hamilton Muniz Mendonça, 48 anos, dava conta do desaparecimento da filha dele.
Thaís Mendonça sumira logo após a aula matutina no câmpus da UnB, em 10 de
julho.
O pai a descreveu como morena, magra, com 1,65m de
altura, olhos e cabelos castanhos. Mesmas características do corpo localizado
na 415 Norte, vestindo calça jeans azul Ellus, tênis brancos Nike, meias
soquetes azuis, camiseta branca com um broche escrito “Sindicato já! Servidores
públicos.”, relógio Ferrari branco, brincos de plástico marrom, aliança de ouro
e quatro anéis, um deles quebrado.
Sempre armado
A confirmação do trágico fim de Thaís, aluna do 6º
semestre de letras da UnB, veio em 14 de julho, com o laudo do Instituto de
Criminalística. Ele trazia o resultado do exame das impressões digitais da
vítima. Os investigadores da 2ªDP (Asa Norte) tinham um suspeito. Aluno de
sociologia da UnB, o gaúcho Marcelo Bauer, 21 anos, havia namorado Thaís de
julho de 1984 a fevereiro de 1987. Parentes e colegas de faculdade e de
trabalho da moça contaram aos policiais histórias de perseguição e de agressão
dele à ex-namorada, durante e após o relacionamento. Ele costumava andar
armado.
Thaís morava com a mãe e os irmãos, de 20 e 14
anos, no Bloco A da 307 Sul. Os pais estavam separados. Marcelo ficou proibido
de entrar no prédio após tentar sequestrar a garota na madrugada de 20 de junho
de 1987. Ele a abordou no pilotis, após ela chegar de um encontro com o novo
namorado, um jovem de 26 anos, morador da 405 Norte. Marcelo ameaçou
levá-la à força para Pirenópolis (GO), a 140km de Brasília. Mas ela reagiu com
berros, o que fez o agressor soltá-la. Com medo, Thaís revelou aos pais as
ameaças e as agressões. Marcelo fazia plantões nas salas de aula na UnB, no
curso de inglês, no trabalho e na academia de ginástica dela.
A estudante conheceu o último namorado em 3 de
fevereiro de 1987, primeiro dia de trabalho dela no INPS, o atual INSS. Eles
trabalhavam na mesma seção e, após alguns encontros, começaram a namorar em
maio, quando ele deixou o INPS para assumir a função de assistente de gerente
em uma cervejaria.
Marcelo morava no Bloco C da 315 Sul com os pais e
o irmão, de 19 anos, estudante de engenharia elétrica da UnB. Marcelo estudava
de manhã e trabalhava à tarde como auxiliar de administração da
Procuradoria-Geral de Justiça do Trabalho do DF. Ele tinha um Passat modelo
Surf, amarelo, ano 1978, em nome do pai, de quem ganhou um revólver calibre
.22, em 11 de abril de 1987, de aniversário. Rudi Bauer tinha oito armas de
fogo em casa.
"Estou passando por uma
situação muito traumatizante com o fim do meu namoro. Ele (Marcelo) não se
conforma. Já falou até em suicídio e o caramba. Eu não sei como agir. Estou há
três meses nessa situação. Estou gostando de outro cara. E esse cara está sendo
ameaçado pelo Marcelo também” - (Thaís, em
carta escrita a um amigo de SP, em 15 de junho de 1987)
Nomes trocados
A Polícia Civil do DF só encontrou Marcelo Bauer 13
anos após a fuga. Ele estava em Aarhus, na Dinamarca, onde morava havia oito
anos. A polícia brasiliense recorreu à Interpol, que prendeu Bauer. Enquanto o
governo brasileiro esperava a análise do pedido de extradição do acusado, a
Corte de Justiça de Aarhus o soltou, oito meses após sua prisão. O governo
brasileiro apelou à Suprema Corte da Dinamarca, que autorizou a extradição.
Nesse meio tempo, Marcelo Bauer deu entrada no pedido de cidadania alemã. Quando
a Justiça dinamarquesa acatou a extradição do brasileiro, a Interpol descobriu
que o acusado não estava mais na Dinamarca.
A Interpol localizou Bauer na Alemanha. Em 2002, o
governo alemão negou a extradição pedida pelo Brasil. Em seguida, o acusado conseguiu
a cidadania e mudou o sobrenome. Passou a se chamar Marcelo Nielsen, o mesmo de
uma das suas mulheres — ele se casou duas vezes na Europa. Agora, segundo os
documentos enviados pelo MP alemão, ele usa também o sobrenome Funke.
Apesar de tanto tempo, o crime atribuído a Marcelo
Bauer não prescreveu após os 20 anos previstos em lei. Graças à atuação do MP
do DF e de uma decisão do TJDFT. Em maio de 2009, dois meses antes do prazo
para o acusado ser julgado, desembargadores decidiram que ele deveria ir a júri
popular, mesmo se não fosse notificado pessoalmente nem aparecesse na
audiência. Com essa decisão, foi interrompida a prescrição. A partir de então,
o crime prescreveria só em 2029, 20 anos após a decisão do TJDFT.
O advogado de Bauer não quis dar entrevista,
alegando nunca falar à imprensa sobre os casos em que atua. Nenhum parente da
vítima e do acusado foi encontrado pela reportagem. Os familiares dos dois
também nunca falaram com a imprensa.
(*) Renato Alves – Foto: Jorge
Cardoso/CB/D.A.Press – Acácio Pinheiro-Reprodução/C.B.D.A.Press – Correio
Braziliense