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Pedais contra a inércia coletiva - (Competição entre carros e bicicletas é acirrada)

Ciclistas do 1º passeio da Rodas da Paz passam pela Ponte JK
Competição entre carros e bicicletas é acirrada. Com a quantidade de veículos na casa do milhão — são 200 novos automóveis por dia na cidade —, os mais frágeis perdem a batalha. O total de acidentes fatais sobre duas rodas chega a 69 em 2003, a taxa mais alta da década (veja Vulneráveis). Uma dessas vítimas é Luís Henrique Barros Meireles, 29 anos. Na manhã de 9 de fevereiro, Lula — como era conhecido — treina no acostamento da QI 27 do Lago Sul, quando um Monza o atropela. O atleta não resiste e morre no hospital.

*Por Jéssica Eufrásio – Guilherme Goulart

O caso vira símbolo da luta por mais segurança ao pedal. Uma semana depois, a ONG Rodas da Paz ergue a bandeira do respeito aos ciclistas. Beth Veloso é a primeira presidente da entidade. Em 1996, ela atua na campanha Paz no Trânsito como repórter do Correio Braziliense. Sete anos depois, em 2003, um fato na família da jornalista intensifica o sentimento de que algo precisa ser feito. “O meu ex-marido é ciclista, e eu percebia o risco que ele corria a cada pedalada. Um dia, ele chegou em casa bem machucado. Contou-me que havia sido atropelado. Aquilo foi um choque muito grande”, relembra.

A ONG surge dias depois, por iniciativa de Beth, em parceria com um grupo de amigos. “Ali, nasceu uma perspectiva de mobilidade e de uma convivência pacífica no trânsito. A proposta não era proteger apenas as bicicletas. Era uma campanha de mobilização e conscientização”, detalha. O primeiro protesto ocorre no cemitério, no enterro de Lula. O ato consolida a organização como entidade de defesa da paz. “Foi um despertar de uma inércia coletiva, porque a violência no trânsito não escolhe vítimas”, completa.

Em resposta à cobrança, o governo cria, em 2005, o Programa Cicloviário do Distrito Federal. São construídas quatro ciclovias. A primeira liga o Lago Norte ao Varjão por 12,4km. As demais ficam em Samambaia, no Itapoã e entre São Sebastião e Jardim Botânico. A década termina com 400 mil ciclistas e 1,1 milhão de automóveis. Mais opções de transporte pedem passagem. Nos próximos anos, a tecnologia auxiliará a locomoção. Bicicletas compartilhadas, horários de ônibus ao alcance dos dedos, além de aplicativos de mapas, caronas e transporte individual, oferecem alternativas ecológicas, baratas e eficientes.

Conexão Brasília: Sete décadas em movimento » Na rota da pirataria

Mal da década: entre os anos 2000 e 2007, as vans irregulares chegaram a 6 mil no Distrito Federal, com serviço marcado pela irresponsabilidade e imprudência


Brasília vira o milênio carente de transporte sustentável. O metrô e a bicicleta se apresentam como alternativas, enquanto a frota ultrapassa 1 milhão. Na brecha da ineficiência, abrigam-se vans piratas. É o sexto capítulo da série sobre mobilidade

O Distrito Federal abriga 2 milhões de habitantes nos anos 2000. Há 30 regiões administrativas. Centenas de condomínios irregulares avançam sem controle, a ponto de pressionar o Estado pela regularização e por infraestrutura básica. Um dos primeiros setores sufocados é o transporte público. O sistema, deficiente para atender à demanda diária de mais de 200 mil passageiros, entra em colapso, apesar da recém-estabelecida operação do metrô. A falta de investimentos incentiva a proliferação de um mal que persistirá pela década: as vans piratas.

O problema é antigo. Arrasta-se desde 1998, com a campanha de Joaquim Roriz para o Palácio do Buriti. Uma das promessas do futuro governador é regulamentar o serviço alternativo. Com a vitória nas urnas, 2,3 mil motoristas e cobradores na clandestinidade — o mesmo número de ônibus do sistema convencional — cobram o apoio eleitoral. A operação informal exige de Roriz a legalidade. A pressão surte efeito em junho de 2001. Lei aprovada na Câmara Legislativa prevê 476 permissões para as vans atenderem os condomínios.

Farra clandestina
A liberação provoca a ira dos donos das empresas de ônibus, que reclamam de prejuízos milionários e dão início a uma guerra de ações judiciais. Em setembro de 2003, há 4,5 mil vans piratas, responsáveis pelo vaivém de mais de 230 mil pessoas — 30% dos passageiros da capital. Aos condutores alternativos autorizados a rodar, misturam-se milhares de oportunistas. A ascensão dos ilegais vira farra, e eles perdem o aval da população.

Até então, tolerava-se o serviço pelas falhas do transporte público — em 2006, dos 2.331 coletivos, 65% (1,5 mil) são velharias com mais de sete anos de uso. Mas denúncias de trabalho infantil, corrupção, clonagem de permissões e desrespeito às leis de trânsito, como excesso de velocidade e superlotação, queimam o filme dos agora 6 mil clandestinos. Fiscaliza-se. Multa-se. Apreende-se. Nada os afeta. São necessárias uma mudança de governo e uma tragédia para se chegar à solução. Em 20 de abril de 2007, seis morrem e 11 ficam feridos em acidente na Barragem do Paranoá. É o fim das vans, substituídas por micro-ônibus.

Para saber mais - Sobre Águas Claras
Um dos pontos mais sensíveis da mobilidade urbana no DF é Águas Claras. O projeto da cidade fincada entre Guará e Taguatinga, de autoria do arquiteto e urbanista Paulo Zimbres, é de 1991. O plano para a localidade deixava de lado as superquadras para abrigar áreas mistas e um setor de indústria.

A prática, porém, desvirtuou a ideia original. A previsão de prédios com 12 pavimentos foi alterada para 30. Isso atingiu gravemente a densidade populacional da região criada em 2003. Desde então, ela acumula problemas de tráfego, com pistas estreitas e quantidade excessiva de semáforos. Em contrapartida, tem quatro estações de metrô para 148,9 mil habitantes.

Linha do Tempo: 2.000 - 2.009 
Em 3 de julho de 2002, cria-se o Serviço de Transporte Público Alternativo de Condomínio (STPAC) - Inaugurada, em 15 de dezembro de 2002, a Ponte JK - É criada, em fevereiro de 2003, a ONG Rodas da Paz. Em maio, cerca de 1,6 mil pessoas participam do 1º Passeio Ciclístico Rodas da Paz - Em 2005, o Detran elenca seis pontos críticos no DF, com retenções e congestionamentos frequentes - Em junho de 2006, cerca de 50 mil brasilienses usam o metrô - Em setembro de 2007, é aprovado o Brasília Integrada, projeto que prevê terminais, viadutos e quatro corredores viários, além de catracas eletrônicas nos ônibus - Em 2008, Brasília tem 1,04 milhão de veículos emplacados - Em 19 de junho de 2008, a lei seca é incorporada ao Código de Trânsito Brasileiro - Após duas décadas, é concluída, em 2008, a duplicação da BR-060 - Em vigor, em agosto de 2009, a lei do Sistema Cicloviário do DF- Em 2009, lei distrital obriga a instalação de bicicletários em pontos de grande circulação

Fontes: Cedoc do Correio Braziliense e Detran

Aprendizagem significativa
Quando o assunto é mobilidade urbana, o modelo pedagógico da formação de condutores, as ações educativas e o planejamento de transportes requerem reflexão. Inicialmente, indaga-se: o modelo de formação para o trânsito, tendo em vista competências, habilidades e respectivos mecanismos avaliativos, tem formado ou retroalimentado um tráfego inseguro? Os educadores de trânsito estão familiarizados com as teorias da aprendizagem e do conhecimento adequadas ao educando adulto? Na formação teórica, treina-se ou forma-se?

A preocupação justifica-se, pois, em processos educativos cujos sujeitos são adultos, há a necessidade da adequação das abordagens, considerando-se o ciclo de vida. Consorte, os mecanismos de aprendizagem devem contemplar as experiências pregressas e a lógica do vivente valorizando o seu cotidiano. A sensibilidade do educador no que tange a essas variáveis corroboram a aprendizagem significativa. Supõe-se que falhas no processo de formação ou requalificação retroalimentam um trânsito inseguro.

Perscrutando as ações educativas dos órgãos de trânsito, é inevitável o questionamento: tornamo-nos peritos em colorir os meses, ou essas iniciativas, de fato, têm logrado êxito na redução de acidentes? Ressalta-se a diferença entre comunicar e formar. O questionamento dá-se em razão de certo incômodo durante o mês de maio (amarelo), marcado por uma overdose de distribuição de panfletos e kits, ações em pontos centrais e tradicional veiculação da epidemiologia do trânsito.

Advoga-se pela descentralização dessas ações, priorizando contextos de maior vulnerabilidade social cuja prevalência é de pedestres e ciclistas, assim como a realização de ações de fluxo contínuo fundamentadas nos pressupostos da aprendizagem significativa. No entanto, a responsabilidade por um trânsito seguro deve ser extensiva à sociedade. Nesse sentido, chama-se a atenção para a tentativa da Universidade de Brasília (UnB) em resgatar o seu protagonismo no que se convencionou como movimento Paz no Trânsito, realizando, nos dois últimos anos, mobilizações de conscientização voltadas para o segmento acadêmico. Faz-se o adendo de que a maior prevalência nos acidentes é de jovens.

Finalmente, acredita-se que o planejamento de transportes deve ser norteado por uma abordagem holística. Nesse sentido, destaca-se o engajamento da UnB, por meio do Centro Interdisciplinar de Estudos em Transportes (Ceftru), ao conferir protagonismo a segmentos sociais negligenciados a partir da realização de seminários e a edição dos livros Acessibilidade e mobilidade urbana na perspectiva da pessoa surda e Acessibilidade e mobilidade urbana na perspectiva da equidade e inclusão social, na esperança de sensibilizar os gestores públicos quanto ao atendimento da integralidade das demandas sociais inerentes à mobilidade.


(*) Jéssica Eufrásio – Guilherme Goulart - Adriana Modesto, doutoranda em Transportes pela Universidade de Brasília (UnB) – Fotos: Arquivo Pessoal – Ronaldo de Oliveira/CB/D.A.Press – Kleber Lima/CB/D.A.Press - Correio Braziliense





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