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Cerrado: cuide com carinho enquanto há tempo - (»Maria Liz Cunha, gerontóloga, diz que, em 2060, serão dois idosos para cada jovem no DF. A diferença entre a vida do idoso em Brasília e no Rio de Janeiro é gritante...)

Cerrado: cuide com carinho enquanto há tempo

*Por Circe Cunha

Depois do exaustivo trabalho de mapeamento da região central do Brasil, feito pela Missão  Cruls, entre 1892 a 1894 e que, ao fim, resultaria na demarcação dos 14,4 mil km² onde seria fixada a nova capital, um aspecto naquelas paragens chamou muito a atenção dos desbravadores: a exuberância e a diversidade da fauna e da flora da região e a abundância de águas límpidas que corriam pelos inúmeros rios e riachos do Planalto Central. Os aspectos naturais foram decisivos para a recomendação e o aceite para estabelecer, naquele sítio, o quadrilátero do futuro Distrito Federal. Passados 130 anos dessa epopeia e quase 70 da construção da capital, o ambiente visto por aqueles pioneiros cientistas se mostra totalmente diverso do encontrado em nossos dias.

É possível afirmar, inclusive, que, se pudesse regressar pelos mesmos caminhos percorridos, a Missão Cruls não reconheceria os sítios. Possivelmente, a visão que teriam dessa região na atualidade causaria espanto e decepção em todos, dada a enorme degradação ambiental sofrida ao longo do tempo, principalmente após a expansão agrícola e pecuária caracterizada pelo intenso processo do agronegócio.

De lá para cá, extensas regiões de mata e flora foram dizimadas para dar lugar à monocultura de exportação e à criação extensiva de gado. Como resultado desse avanço do progresso, feito a qualquer custo e de forma indiscriminada em toda a região, o cerrado exibe, hoje, uma pálida imagem do que foi no passado recente. Quem se der ao trabalho de ler o livro O piar da Juriti Pepena – Narrativa da Ocupação Humana no Cerrado, do arqueólogo Altair Sales Barbosa, publicado pela Editora PUC-Goiás, em 2014, poderá ter uma visão mais abrangente e com base científica sobre o futuro dessa imensa e complexa região, responsável direta pelo abastecimento das mais importantes bacias hidrográficas do país.

Em alguns trechos da obra, um futuro sombrio é apresentado, caso persista a degradação da região pela ação humana. “Com o desaparecimento do lençol freático, seguido da diminuição drástica da reserva dos aquíferos, os rios iniciarão um processo de diminuição da perenidade, oscilando sempre para menos, entre uma estação chuvosa e outra, e desaparecendo quase que por completo na estação seca. Esse fato afetará primeiro os pequenos cursos d’água, depois, os de médio porte e, em seguida, os grandes rios”, afirma o autor.

Esses efeitos, ocorridos nos chapadões, diz, afetarão várias partes do Continente, tocando, inclusive, a calha do rio Amazonas. A floresta equatorial deixará de existir, sendo substituída por uma vegetação do tipo caatinga. O Vale do Parnaíba será invadido por dunas arenosas secas. O grande Rio São Francisco, com a ausência de alimentação constante, desaparecerá. Com isso, a caatinga avançará em direção ao Norte. O mesmo ocorrerá com a Bacia Hidrográfica do Paraná, que será invadida pela areia e por erosões colossais, desfigurando toda a região. Efeitos semelhantes ocorrerão na sub-bacia do rio Paraguai, onde a pouca alimentação do aquífero Guarani transformará o Pantanal Mato-grossense numa extensa área de deserto arenoso, conforme foi no período Pleistoceno Superior.

Com isso, a agroindústria, paulatinamente, perderá seus níveis de produção. Efeitos parecidos ocorrerão com os núcleos urbanos formados por essa atividade. Com a diminuição da produtividade, ondas de carência se seguirão. Não haverá água suficiente nem para a agricultura nem para o abastecimento da população. A redução do plantio e dos rebanhos, provocadas pelo ressecamento das terras, afetará sobremaneira os núcleos urbanos, com o racionamento de água e de energia elétrica. O aumento de pessoas ociosas, vivendo na periferia das grandes cidades provocará a intensificação da criminalidade, trazendo à decadência essas cidades, inclusive da capital.

Diz o cientista: “Grande parte dos campos agrícolas abandonados, sem a cobertura vegetal necessária para fixar o solo, passará, durante algumas épocas do ano, a ser assolada por ventos e tempestades fortes, em extensões quilométricas, que criarão uma atmosfera escura carregada de grãos finos de poeira, restos de adubos e outros produtos insalubres e nocivos à saúde.” Altair Sales Barbosa alerta ainda que todo esse ambiente distópico sofrerá com diversas epidemias, que provocarão índices alarmantes de mortalidade. Trata-se aqui de uma visão científica do problema. Não é mera ficção.

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A frase que foi pronunciada
“Nem tudo o que é torto é errado. Veja as pernas do Garrincha e as árvores do cerrado.” 
(Nicolas Behr, poeta)

Em 42 anos
»Maria Liz Cunha, gerontóloga, diz que, em 2060, serão dois idosos para cada jovem no DF. A diferença entre a vida do idoso em Brasília e no Rio de Janeiro é gritante. Por lá, na beira da praia, senhoras e senhores fazem exercícios diários. Nas padarias e lanchonetes grupos se reúnem com alegria. Pela necessidade de carro para locomoção em Brasília, os idosos se isolam. Faltam políticas públicas.


(*) Circe Cunha – Coluna “Visto, lido e ouvido” – Ari Cunha – Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google



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