Cerrado: cuide com carinho enquanto há tempo
*Por Circe Cunha
Depois do exaustivo trabalho de mapeamento da região central do Brasil,
feito pela Missão Cruls, entre 1892 a 1894 e que, ao fim, resultaria na
demarcação dos 14,4 mil km² onde seria fixada a nova capital, um aspecto
naquelas paragens chamou muito a atenção dos desbravadores: a exuberância e a
diversidade da fauna e da flora da região e a abundância de águas límpidas que
corriam pelos inúmeros rios e riachos do Planalto Central. Os aspectos naturais
foram decisivos para a recomendação e o aceite para estabelecer, naquele sítio,
o quadrilátero do futuro Distrito Federal. Passados 130 anos dessa epopeia e
quase 70 da construção da capital, o ambiente visto por aqueles pioneiros
cientistas se mostra totalmente diverso do encontrado em nossos dias.
É possível afirmar, inclusive, que, se pudesse regressar pelos mesmos
caminhos percorridos, a Missão Cruls não reconheceria os sítios. Possivelmente,
a visão que teriam dessa região na atualidade causaria espanto e decepção em
todos, dada a enorme degradação ambiental sofrida ao longo do tempo,
principalmente após a expansão agrícola e pecuária caracterizada pelo intenso
processo do agronegócio.
De lá para cá, extensas regiões de mata e flora foram dizimadas para dar
lugar à monocultura de exportação e à criação extensiva de gado. Como resultado
desse avanço do progresso, feito a qualquer custo e de forma indiscriminada em
toda a região, o cerrado exibe, hoje, uma pálida imagem do que foi no passado
recente. Quem se der ao trabalho de ler o livro O piar da Juriti Pepena –
Narrativa da Ocupação Humana no Cerrado, do arqueólogo Altair Sales Barbosa,
publicado pela Editora PUC-Goiás, em 2014, poderá ter uma visão mais abrangente
e com base científica sobre o futuro dessa imensa e complexa região,
responsável direta pelo abastecimento das mais importantes bacias hidrográficas
do país.
Em alguns trechos da obra, um futuro sombrio é apresentado, caso
persista a degradação da região pela ação humana. “Com o desaparecimento do
lençol freático, seguido da diminuição drástica da reserva dos aquíferos, os
rios iniciarão um processo de diminuição da perenidade, oscilando sempre para
menos, entre uma estação chuvosa e outra, e desaparecendo quase que por
completo na estação seca. Esse fato afetará primeiro os pequenos cursos d’água,
depois, os de médio porte e, em seguida, os grandes rios”, afirma o autor.
Esses efeitos, ocorridos nos chapadões, diz, afetarão várias partes do
Continente, tocando, inclusive, a calha do rio Amazonas. A floresta equatorial
deixará de existir, sendo substituída por uma vegetação do tipo caatinga. O
Vale do Parnaíba será invadido por dunas arenosas secas. O grande Rio São
Francisco, com a ausência de alimentação constante, desaparecerá. Com isso, a
caatinga avançará em direção ao Norte. O mesmo ocorrerá com a Bacia
Hidrográfica do Paraná, que será invadida pela areia e por erosões colossais,
desfigurando toda a região. Efeitos semelhantes ocorrerão na sub-bacia do rio
Paraguai, onde a pouca alimentação do aquífero Guarani transformará o Pantanal
Mato-grossense numa extensa área de deserto arenoso, conforme foi no período
Pleistoceno Superior.
Com isso, a agroindústria, paulatinamente, perderá seus níveis de
produção. Efeitos parecidos ocorrerão com os núcleos urbanos formados por essa
atividade. Com a diminuição da produtividade, ondas de carência se seguirão.
Não haverá água suficiente nem para a agricultura nem para o abastecimento da
população. A redução do plantio e dos rebanhos, provocadas pelo ressecamento
das terras, afetará sobremaneira os núcleos urbanos, com o racionamento de água
e de energia elétrica. O aumento de pessoas ociosas, vivendo na periferia das
grandes cidades provocará a intensificação da criminalidade, trazendo à
decadência essas cidades, inclusive da capital.
Diz o cientista: “Grande parte dos campos agrícolas abandonados, sem a
cobertura vegetal necessária para fixar o solo, passará, durante algumas épocas
do ano, a ser assolada por ventos e tempestades fortes, em extensões
quilométricas, que criarão uma atmosfera escura carregada de grãos finos de
poeira, restos de adubos e outros produtos insalubres e nocivos à saúde.”
Altair Sales Barbosa alerta ainda que todo esse ambiente distópico sofrerá com
diversas epidemias, que provocarão índices alarmantes de mortalidade. Trata-se
aqui de uma visão científica do problema. Não é mera ficção.
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A frase que foi pronunciada
“Nem tudo o que é torto é errado. Veja as pernas do Garrincha e as
árvores do cerrado.”
(Nicolas Behr, poeta)
Em 42 anos
»Maria Liz Cunha, gerontóloga, diz que, em 2060, serão dois idosos para
cada jovem no DF. A diferença entre a vida do idoso em Brasília e no Rio de
Janeiro é gritante. Por lá, na beira da praia, senhoras e senhores fazem
exercícios diários. Nas padarias e lanchonetes grupos se reúnem com alegria.
Pela necessidade de carro para locomoção em Brasília, os idosos se isolam.
Faltam políticas públicas.
(*) Circe Cunha – Coluna “Visto, lido e ouvido” – Ari Cunha – Correio
Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google