O
alto custo da negligência
Quando o poder público se diz “perplexo” diante do incêndio, na noite de domingo, que calcinou o acervo do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, estupefatos ficamos todos nós ante a confissão de irresponsabilidade, indiferença e negligência do Estado frente às demandas de instituições culturais e a preservação dos próprios bens públicos. O Museu Nacional não era mais um museu entre os mais de 3 mil existentes no país. Era o mais importante, com 20 milhões de itens, entre os quais relíquias raras e singulares, de valor imensurável, além de estudos científicos concluídos ou ainda em andamento. Era reconhecido como o mais importante centro de referência da antropologia do país e da América Latina.
Criado em 1818, por dom João VI, na Quinta da Boa
Vista, o Museu Nacional, havia décadas pedia socorro à União. Era visível a
precariedade das instalações da obra edificada 200 anos atrás , completados em
6 de junho último. Só a indiferença do Estado não enxergava o risco das
instalações elétricas e das paredes carcomidas pelo tempo. O alerta para o
risco de incêndio estava presente a cada solicitação dos dirigentes para
justificar a necessidade de reformas no prédio. O orçamento minguado da
instituição, entre 2008 e 2017, sempre foi insuficiente para fazer os reparos
necessários. Em 2010, o Museu contou com o maior orçamento da sua história: R$
1,618 milhão. A partir daí, os recursos foram diminuindo. No ano passado,
contou só com R$ 669.481.
Em contrapartida, em 14 anos, o Maracanã passou por
três reformas que somaram R$ 1,2 bilhão. A Copa de 2014, segundo o Tribunal de
Contas da União, custou aos cofres públicos R$ 25,5 bilhões, grande parte
desperdiçada com a construção de estádios que se transformaram em megaelefantes
brancos, sem qualquer utilidade à população. Com o Mundial de Futebol e as
Olimpíadas de 2016, a União investiu R$ 39,5 bilhões dos R$ 66 bilhões
consumidos pelos eventos esportivos que, ao fim, não implicaram ganhos
significativos à sociedade.
No ano passado, o Museu Nacional recebeu 197 mil
visitantes. No mesmo período, 289 mil brasileiros passaram pelo Louvre,
em Paris. Entre as muitas razões dessa diferença está a violência urbana, que
inibe o desejo de os brasileiros de irem a locais onde a criminalidade forjou
um Estado paralelo e tornou a população refém da violência. A diferença
evidencia que o brasileiro gosta de cultura, mas prima, sobretudo, pela
segurança.
O sentimento de perplexidade cabe quando algo,
absolutamente inesperado, infelicita uma comunidade ou uma nação. Não foi o
caso do Museu Nacional do Rio de Janeiro. A tragédia, que consternou o país,
estava anunciada. Falta ao Brasil um mínimo de senso de responsabilidade dos
gestores com a coisa pública. Se ela existisse, hoje o país não estaria de luto
por tamanha perda causada ao patrimônio cultural e científico brasileiro, com
ampla repercussão nacional e internacional, qualificada, inclusive, de crime de
lesa-humanidade. Uma vergonha, pela qual o país não precisaria passar.
Visão do Correio Braziliense – Foto/Ilustração:
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