Praça do Relógio renasce com arte - Artistas de
diversos segmentos animam, uma vez por mês, o espaço público que é símbolo de
Taguatinga. Iniciativa ajudou a fortalecer a antiga feira de artesanato, antes
esvaziada pela violência
*Por Mariana Machado
Tereza, organizadora da feira de artesanato: "A música e a poesia
trazem alegria, uma outra vida"
Principal ponto de referência de Taguatinga, a
Praça do Relógio é frequentada diariamente por uma gente apressada, moradores
de rua, comerciantes e curiosos. Mas, na última década, usuários de droga,
prostitutas e criminosos dominaram a área. Pensando em reivindicar o espaço
público e estimular o contato da população com a praça, foi criada a Cesta
Cultural, evento mensal que leva esse nome por reunir diversos artistas e
artesãos, normalmente em uma sexta-feira.
A ideia surgiu no ano passado, de algumas pessoas,
como o médico Júlio Carneiro, 62, do grupo Oficina pelas Cidades Fraternas, e o
poeta Ronaldo Mousinho, 66, um dos coordenadores do Celeiro Literário
Brasiliense. Inicialmente, o encontro era realizado na Praça 5 de Junho, mais
conhecida como Praça do Coreto, no Pistão Norte. “No aniversário de 59 anos de
Taguatinga, ela passou por revitalização e nós não queríamos deixar cair no
abandono”, lembra Júlio.
Em cada Cesta Cultural na Praça do Coreto, havia
uma atração diferente. Poetas, artistas plásticos, músicos e dançarinos que se
apresentam voluntariamente durante toda a tarde. Foram sete encontros até que,
para o aniversário de 60 anos da cidade, comemorado em junho, a Administração Regional
de Taguatinga convidou os organizadores a levar o evento à Praça do Relógio.
“Vamos tentar manter essa ocupação positiva desse espaço. A cultura é um
instrumento de aproximação”, defende Júlio.
Artesanato
No novo local, o grupo ganhou mais um apoio: a
Feira de Artesanato, que há oito anos ocupa a Praça do Relógio. Para a
organizadora da feira, Tereza de Jesus Pereira, 76, o lugar ganhou uma nova
vida com a Cesta Cultural. “Estou muito orgulhosa. Melhorou 70% da praça, que
antes era o terror. Tinha dias de feira com apenas oito artesãos, por causa do
medo”, conta Tereza, que trabalha como artesã há 19 anos.
“Voltamos ao abraço (a ocupar todo o redor) da
praça e eu sonhava com isso. Agora vem muita gente. Elas param, olham, compram.
O pessoal da droga se afastou. A música e a poesia trazem alegria, uma outra
vida”, completa a feirante. Segundo ela, cerca de 45 colegas exibem os
produtos, que incluem roupas, bonecas, acessórios, entre outros artigos.
Neste ano, houve três encontros na praça que é o
coração de Taguatinga. O próximo está marcado para a tarde de 5 de outubro. O
evento é gratuito e procura abordar temas diferentes a cada edição. Na próxima,
a temática será a criança. Em edições passadas, escolas foram convidadas e
alunos do ensino fundamental fizeram apresentações diversificadas. A lista de
performances de outubro ainda será confirmada.
Júlio Carneiro, Eloy Barbosa e Ronaldo Mousinho: moradores à frente do
projeto Cesta Cultural
A melhor idade presente
Entre os mais empolgados na hora de mostrar talento
está a comunidade de idosos de Taguatinga. Quem encontra e convida os artistas
é o engenheiro aposentado Eloy Barbosa, 72 anos. Morador da cidade desde 1971,
ele conta que conhece todos. “Nós temos cegos que declamam poemas,
instrumentistas e um coral”, ressalta.
Segundo Eloy, todo mundo quer mostrar a sua arte e
há uma fila de espera para as próximas datas. Ele faz parte do coral regido
pelo maestro Célio de Oliveira. “O que está faltando para nós é um lugar para
ensaiar. O nosso maior sonho era trazer aqui para Taguatinga a orquestra
nacional para se apresentar conosco”, contou o aposentado que está animado em
cantar as músicas de Villa-Lobos.
Alguns idosos também fazem parte do Celeiro
Literário, que conta com mais de 100 artistas, entre poetas, cordelistas e
artistas plásticos. “Mesmo com esse nome, toda a comunidade pode fazer parte do
coletivo, estamos sempre abertos”, explicou Ronaldo Mousinho.
Para ele, a Cesta Cultural tem sido uma grande
experiência de troca com a comunidade, onde os artistas podem expor seus
trabalhos e a população consegue participar e interagir. “A Praça do Relógio
tem tradição, sempre foi ponto de referência e encontro da população, mas
infelizmente está cheia de pessoas que caíram no mundo das drogas. Queremos
colaborar com a arte, porque ela pode nos libertar”, destaca o poeta.
"A Praça do Relógio tem tradição, sempre foi
ponto de referência e encontro da população (...) Queremos colaborar com a
arte, porque ela pode nos libertar” - (Ronaldo Mousinho, poeta)
(*)
Mariana Machado – Fotos: Ana Rayssa/CB/D.A.Press – Correio Braziliense