Resista, tolere e deixe as crianças cantarem livres
*Por Ana Dubeux
Ser resistência, em tempos bicudos, é também ser
tolerância. Não se curvar ao ódio, embora ele pareça preponderante agora, é não
cegar à razão, porque precisaremos dela. E muito. Não importa o resultado desta
eleição presidencial, sobreviverá a ela quem enxergar ainda luz em meio às
sombras de um processo político que vem nos corroendo há anos. Esperança se
cultiva. Vamos semear.
Pode parecer que estamos entre extremos. Na
verdade, estamos na trincheira, acuados entre um passado difícil de engolir e
um futuro que ameaça ser pior. Cabe ao povo brasileiro não apenas escolher um
lado, dar um voto. Cabe a nós ser o meio, o equilíbrio, a ponte, o dedo em
riste que manda parar, a mão que convida a caminhar junto. Isso não significa
ficar em silêncio. Significa apenas aprender o que não sabemos: ouvir,
argumentar, convencer, mas com respeito. Ser resistência é também ser diálogo.
Um povo conflagrado é um convite à desordem e à
violência. Nem o Brasil nem nós mereceremos viver em guerra permanente. Faço
uma provocação: você briga com a família, discute com vizinhos, agride alguém
na rua e acha que está mudando o mundo, o país ou, ao menos, o seu quintal? Não
está.
As armas mudaram. A palavra tem mais poder do que
imaginamos. Não podemos calar nossa voz interna, mas não devemos apenas
vociferar. A besta presa dentro de nós vai rugir, rugir e só. O ativismo
virtual apenas reforça a tese da bolha de cada um. Saia e tente ouvir as
pessoas. O anjo sapiente que reside lá no fundo da nossa alma vai cantar bonito
e, talvez, quem sabe, despertar no outro a beleza de uma escolha consciente.
Há uma canção de que me lembrei na sexta-feira, Dia
das Crianças, e ouvi durante toda a minha infância: E que as crianças cantem
livres, de Taiguara. Eu nem fazia ideia, mas o som que saía da vitrola de meu
irmão mais velho que ouvia, aos 10 anos, enquanto brincava no quintal da
paupérrima Peixinhos, no subúrbio de Olinda, era o que sobrou das garras da
censura da ditadura militar.
O refrão é assim: “E que as crianças cantem livres
sobre os muros/E ensinem sonho ao que não pode amar sem dor/E que o passado
abra os presentes pro futuro/Que não dormiu e preparou o amanhecer...”. Desejo
e ainda acredito em um amanhecer livre de ódio e violência. Mais do que isso,
deposito minha fé na liberdade e na democracia. Sejamos vigilantes para
proteger as nossas conquistas.
(*) Ana Dubeux – Editora – Chefe do Correio Braziliense –
Foto/Ilustração: Blog - Google
Tags
Editorial