Adrian Barber se casou com uma farmacêutica brasileira
Integrante do Mais Médicos por
quase três anos, o médico cubano Adrian Estrada Barber disse
à Folha que se sentia explorado pelo programa e acha que muitos
colegas irão abandoná-lo para ficar no Brasil até o final do ano.
Barber lamentou o fim da
parceria com Cuba, mas atribuiu a decisão a uma “estratégia política” do regime
cubano, e não às exigências do presidente eleito Jair Bolsonaro
(PSL), que pediu a realização de testes de capacidade, o envio do salário
integral aos profissionais (hoje, eles recebem apenas parte do subsídio, que é
retido por Cuba) e a possibilidade de que eles trouxessem suas famílias ao
Brasil. “Eu concordo totalmente [com as exigências]. A maioria se sentia
explorada”, disse.
Quanto tempo o sr. ficou no Mais Médicos?
Fiquei um pouco menos de três anos. Eu recebia R$ 2.976 por mês de Cuba,
mais a ajuda do município [em Arapoti, interior do Paraná], de moradia e
alimentação, de R$ 2.500. O resto do pagamento ia todo para o governo
de Cuba. Era suficiente [para pagar as contas]. Era só a minha mulher e eu, não
tínhamos criança, nada. Não dava para comprar um carro bom, uma casa, mas dava
para as continhas, sim. Mas, para um padrão de um médico, no Brasil, está muito
fora da realidade.
O sr. se sentia explorado?
Explorado, acho que todo cubano se sente. Com certeza. A gente saiu de
Cuba com o objetivo de economizar uma grana para continuar o estudo por lá,
depois. Para a gente, era muito bom esse dinheiro, porque era muito mais do que
conseguíamos ganhar em Cuba. E também ter outra experiência, sair, olhar a
realidade do mundo. Mas quando a gente chega aqui e vê como funciona o mundo,
aí, para mim, ficou decidido que não dava mais para voltar. Eu acho que a
maioria dos médicos se sente reprimida pelo sistema de Cuba. A gente não
tem liberdade de fazer as coisas. Por exemplo, agora, eu não consigo entrar no
meu país durante oito anos [por ter deixado o Mais Médicos]. Tive a minha
liberdade completamente limitada. Aqui no Brasil, ainda foi muito mais
tranquilo do que na Venezuela [que também mantém um programa de intercâmbio com
médicos de Cuba]. Eu não cheguei a ir para lá, mas tenho colegas que foram.
Tinham que dar uma preliminar do que iriam fazer durante o dia, não podiam sair
depois das 18h. Foi uma perseguição terrível.
Mas o sr. tinha alguma restrição em sua rotina no Brasil?
Não, aqui não tinha regra. Mas, por exemplo, na hora do casamento, eu
estava com medo. Segundo o contrato, eu tinha que pedir autorização ao governo
cubano, tinha que falar que ia casar. Eu acho um absurdo isso. Não preciso
falar com ninguém do governo. Eu sou livre para casar ou não. Eu lembro que
vocês fizeram uma reportagem. No dia 23, vocês foram a Arapoti. No dia 24, o
coordenador do programa [que era cubano] me ligou. Queria saber o que estava
acontecendo, por que eu estava dando entrevista. Me questionando. Aí eu falei
para a minha esposa: vamos casar logo, porque eu não sei o que vai acontecer.
Aí casamos dia 25, com medo de que me falassem para voltar para Cuba.
Por que o sr. decidiu deixar o Mais Médicos?
Eu fiz o Revalida com o objetivo de ficar no Brasil, porque eu
havia casado, minha esposa estava grávida. Tinha que fazer para ter uma
estabilidade profissional e econômica no Brasil. Eu não sabia o que ia
acontecer. E se me mandam embora para Cuba? Não tinha como. Eu não ia deixar
minha família aqui. Aí, fiz o Revalida. Passei [em 2016] no exame
teórico, depois no prático e na prova de proficiência em português. Apresentei
minha documentação na universidade e pronto, me deram o CRM [registro do Conselho
Regional de Medicina]. Aí, pedi para me descredenciarem do programa. Mas
[representantes de Brasil e Cuba] foram enrolando. Eu era livre, tinha
permanência legal no país, tinha CRM. Mas me questionaram, falaram que eu não
podia me desligar, que eu não estava indo mais. Eu realmente não estava, porque
não queria mais estar no programa. Eu pedi para me liberarem, mas não
queriam. Disseram que eu tinha um consultório particular. Pô, mas eu tenho CRM.
Eu posso ter um consultório.
Como o sr. avalia o fim da parceria com Cuba?
Eu acho que foi uma grande estratégia política. O governo do PT era
afim ao governo de Cuba. Eram dois governos de esquerda. Para mim, eles
disseram: ‘Fala para o governo de Cuba mandar todo mundo embora’. Para começar
o governo do Bolsonaro de um jeito ruim.
Então, o sr. atribui a responsabilidade pelo rompimento do programa ao
governo cubano, e não ao brasileiro?
Com certeza. Não foi o governo brasileiro que mandou os médicos embora.
Ele colocou algumas exigências, mas não exigiu o fim. E o governo cubano
decidiu mandar todo mundo embora. Porque vai perder. Não vão mais mandar grana
para lá.
O sr. concorda com as exigências que o governo Bolsonaro fez?
Lógico. Porque não tem por que duvidar da nossa capacidade. Por que
não fazer o teste? Que faça, sim. O Mais Médicos está funcionando errado,
atualmente. A prioridade [para contratação no programa] eram os médicos
brasileiros. Depois, os brasileiros que não têm CRM. Uma terceira opção seriam
os médicos estrangeiros. E, como última opção, os médicos conveniados pela
OPAS, que são os cubanos. A gente acabou virando a prioridade, mas éramos a
quarta escolha. Não está correto. Meu país também está precisando de médico. E
por que mandou todo mundo para cá? É tirar a roupa de um santo e vestir em
outro. Foi uma opção política, com certeza. Eles achavam que iam mudar a ideia
do povo brasileiro, para continuar com um governo de esquerda. Espalharam
médicos cubanos por todo o país. Mas por quê? No Norte, Nordeste, onde ninguém
queria trabalhar, beleza, eu acho ótimo. Que vão lá trabalhar. Mas, por
exemplo, tem uma cidade bem próxima aqui, Ponta Grossa, que fica a 100 km de
Curitiba. Por que Ponta Grossa tem que ter 60 médicos cubanos? A prefeitura fez
um concurso público recentemente, e teve um monte de médico brasileiro que se
alistou para fazer. Não tem médico interessado? Tem, sim. Mas o prefeito
prefere pagar um valor muito baixo e justificar dizendo que não há médico
brasileiro.
O sr. acha que os municípios se aproveitaram do programa?
Tem muito município que se aproveitou, sim. Muitos tiraram o médico
brasileiro do posto de saúde para colocar um cubano. Está errado. Em Wenceslau
Braz [no interior do Paraná], tinha um dermatologista que trabalhava no
posto e foi retirado para colocarem um médico cubano. Em Arapoti, conheci
um médico que tinha CRM e queria entrar no programa, e não deixaram entrar,
porque disseram que só tinha vaga para cubanos. o mais médicos é um programa
bom, porque prioriza as áreas carentes, dá atendimento à população. Mas não é
tão bom para o médico. O objetivo final dele foi político. Para Cuba, era bom,
porque recebia muito dinheiro do Brasil. E, para o governo brasileiro, era bom
porque estavam fazendo a cabeça de todo mundo.
O sr. acha que os municípios se aproveitaram do programa?
Tem muito município que se aproveitou, sim. Muitos tiraram o médico
brasileiro do posto de saúde para colocar um cubano. Está errado. Em Wenceslau
Braz [no interior do Paraná], tinha um dermatologista que trabalhava no
posto e foi retirado para colocarem um médico cubano. Em Arapoti, conheci
um médico que tinha CRM e queria entrar no programa, e não deixaram entrar,
porque disseram que só tinha vaga para cubanos. O Mais Médicos é um programa
bom, porque prioriza as áreas carentes, dá atendimento à população. Mas não é
tão bom para o médico. O objetivo final dele foi político. Para Cuba, era bom,
porque recebia muito dinheiro do Brasil. E, para o governo brasileiro, era bom
porque estavam fazendo a cabeça de todo mundo.
Mas e a população? Muitos municípios vão ficar sem médicos em função do
fim da parceria com Cuba.
Tem município que vai ficar sem cobertura, sim, por um tempinho. Mas eu
acredito que há médicos suficientes no Brasil para fazer essa cobertura. Você
consegue estimular isso por meio de programas sociais. Por exemplo, há muito
financiamento público de faculdade. “Olha, você vai ter dois anos para pagar
isso, trabalhando lá no Xingu”, por exemplo. E se ele gosta do trabalho? E se
ele casa por lá? Tem muita chance de que esse médico fique trabalhando por
lá.
Bolsonaro chegou a dizer que os médicos cubanos desempenham um “trabalho
análogo à escravidão”. O sr. concorda?
Concordo plenamente. E não é só aqui no Brasil. Acontece no meu país,
também. Em Cuba, um funcionário da rede de hotéis Meliá recebe US$ 2.000 por
mês. Mas isso não chega na mão dele, não. Vai para o governo, que converte isso
em pesos cubanos, e manda para o funcionário o equivalente a US$ 80 por mês. E
fica co
Depois que o sr. deixou o Mais Médicos, como ficou sua situação?
O governo cubano me qualifica agora como desertor. É um termo usado no
Exército. As pessoas são condenadas por isso. É como se eu fosse propriedade do
Estado. Mas eu não sou militar, eu sou médico. Eu não pertenço ao Estado. Eu
sou meu. Não posso voltar a Cuba durante oito anos. Eles [o governo]
queriam que eu voltasse para lá, para então me desligar do programa. Para mim,
tinha uma chance bem alta de me deixarem lá. Já aconteceu com muitos colegas
meus: ficaram cinco anos esperando para voltar para o país em que trabalhavam.
Gente casada com um estrangeiro, com filho. Aí eu, com esposa grávida, vou
voltar para Cuba, e arriscar ficar cinco anos longe? Jamais.
O sr. ainda tem família em Cuba?
Sim, meus pais e irmão ainda estão em Cuba. Não sofreram represália. Eles
podem vir me visitar, mas é toda uma burocracia, demora três meses para
liberar, é caro. Só a documentação dá cerca de R$ 1.000. E a gente tem que
pagar, porque o salário do meu pai é de cerca de R$ 15 por mês. Daí, imagina.
Atualmente, eu ganho mais do que na época do Mais Médicos, mas trabalho mais,
também. Faço plantão, trabalho em posto. Mas valeu a pena. Hoje, eu sustento
minha família aqui e minha família em Cuba. São três famílias: a minha, a do
meu pai e do meu irmão.
O que o sr. acha que vai acontecer com seus colegas cubanos agora? Acha
que muitos irão desertar?
Com certeza. Tomara que fiquem. Porque a probabilidade de um médico
cubano passar no Revalida é muito alta. Eu escuto muito comentário, que tem
cubano que não é médico, que vieram socorristas… Eu duvido muito. Todos são
médicos, tenho certeza absoluta. E são competentes. Por exemplo, recentemente,
houve outra prova do Revalida aqui no Paraná. 15% dos que passaram na prova
teórica eram cubanos. Tem muitos que querem ficar, não querem ir embora. Vai
ter muito cubano fazendo o Revalida. E passando.
Estelita Hass Carazzai
Folha
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