Área de preservação é grilada - Invasão iniciada em 28 de dezembro atraiu mais de 1,2 mil pessoas
a uma área pública no Núcleo Rural Córrego do Bálsamo, unidade de conservação
federal. Pastor evangélico é apontado como apoiador do grupo
*Por Isa Stacciarini
Homem ergue barraco na invasão que surgiu em área
pública, perto do Paranoá: olheiros usam facões e foice
Ao menos 250 pessoas invadiram uma área pública no
Núcleo Rural Córrego do Bálsamo, entre o Itapoã e o Paranoá, no fim do ano
passado. Parte do grupo ocupou a unidade de conservação federal em 28 de
dezembro, última sexta-feira de 2018. Chegou, limpou parte do terreno, demarcou
lotes, ergueu barracos de lona e determinou o espaço de cada um. Um dos
incentivadores do movimento, segundo os ocupantes, seria o pastor de uma igreja
do Itapoã, que fica às margens da rodovia, do lado inverso à invasão.
Mais gente se mudou para a área no último dia do
ano. Desde então, aproximadamente 1,2 mil pessoas engrossam a ocupação ilegal,
segundo integrantes do movimento. Placas sinalizam a posse dos barracos com os
nomes de quem chegou primeiro. Entre outros, trazem os dizeres “não entre”,
“tem dono” e “não mecha” (sic), expostos em frente às demarcações.
Os invasores se articulam para contratar um trator
por R$ 2 mil para abrir uma rua e dividir os loteamentos. Enquanto isso, na
estrada de terra que dá acesso a invasão, homens se revezam como olheiros,
armados com facões e foice. Sentados ou deitados em redes, repassam informação
em dois grupos de aplicativo de mensagem eletrônica.
O Correio teve acesso a ambos. O denominado
Condomínio Terra Prometida tem 198 participantes e surgiu em 1º de janeiro. O
outro recebeu o nome de Amigos do Loteamento e tem 22 integrantes. Por meio dos
contatos, ocupantes trocam informação de tudo o que acontece na área, inclusive
da presença da reportagem. “O Correio Braziliense está na área”, repassou um
homem, em áudio.
Policiais civis estiveram na ocupação ontem e
levaram dois para depor - Com discurso alinhado, a maioria nega haver
líder. “Cheguei, pedi informação, procurei saber como funcionava, perguntei se
podia me instalar e comecei a levantar meu barraco. Queremos uma moradia”,
disse um vigilante de 38 anos que se instalou no terreno em 28 de dezembro.
“Sou nascido e criado em Brasília, cadastrado na Codhab (Companhia Habitacional
do DF) desde 2000 e nunca recebi um lote. Preciso sair do aluguel e a nossa
perspectiva é ganhar um lote”, contou o pai de quatro filhos. O mais novo, de 1
ano.
O movimento na ocupação é menor durante a semana.
Famílias se revezam na vigília dos lotes, para fazer necessidades básicas, como
tomar banho e se alimentar. Por meio de carros de passeio, chegam estacas,
arames e lonas. Entre os veículos, Gol, Santana e Citroën Xsara. “Domingo está
todo mundo aqui. São quase 1,5 mil pessoas. O problema é que, durante a semana,
as pessoas trabalham e não podem ficar aqui”, contou um ambulante de 51 anos.
Ele construiu dois barracos e está prestes a
levantar o terceiro. “Fiz um para mim, outro, para a minha ex-mulher, para ela
não me perturbar depois, e estou levantando o terceiro para o meu filho. Morava
de aluguel. Hoje vivo de favor. Por isso, preciso de uma casa”, alegou. A maior
parte dos ocupantes mora no Itapoã, no Paranoá e em chácaras próximas à região.
Pagam de R$ 350 a R$ 700 pelo aluguel.
Um dos únicos ocupantes que quis se identificar foi
o promotor de vendas Manoel Silva dos Santos, 31 anos. Ele se diz representante
de parte dos moradores. Contou que a área era um depósito de lixo a céu aberto.
“Era um espaço jogado que servia como depósito de entulho. Tomamos conta e
loteamos para tentarmos sair do aluguel. A maioria das pessoas está
desempregada e não tem condições de pagar R$ 600 de aluguel”, explicou.
Monitoramento: O principal apoiador, no entanto, identificado como
pastor Luiz, não estava no local. Por um dos grupos de WhatsApp, orientou os
ocupantes: “Tem de ter cuidado com os repórteres para saber o que eles querem.
Se perguntarem se têm líder, é para dizer que não tem líder aí não”, disse, ao
saber que a equipe do Correio estava no local.
E continuou: “Se perguntar por que invadiram, é
para dizer que aqui era um lixão, como vocês estão vendo aí, e a população está
cansada de ver esse lixão aí. Além da luta pela moradia. Se quiser dar uma
entrevista tem que dar uma entrevista coerente para não falar besteira. Se não
é melhor nem dar”, reforçou, por áudio.
Em conversa com a reportagem por telefone, contudo,
o religioso não se identificou. Negou que fosse representante, disse que “é
cada um por si ali” e contou: “Sou invasor como qualquer um. Tenho um lote lá.
A invasão começou dia 28 de dezembro e o objetivo é ocupar aquela área para a
gente que paga aluguel, para o pessoal que não tem moradia, e acabar com aquele
lixão que todo mundo sabe quem joga entulho ali, tanto moradores da Asa Norte,
da Asa Sul quanto do Paranoá dos condomínios”, alegou.
O pastor ainda reclamou de os moradores citarem o
nome dele. “Não sou responsável. A gente apenas sugeriu organizar aquilo ali
para não ser um negócio bagunçado. Não tem liderança. Falam outros nomes também
lá. Não é só o meu”, disse, sem comentar sobre outras identidades de supostos
apoiadores.
Investigação
Na tarde de ontem, agentes da Delegacia Especial de
Proteção ao Meio Ambiente e à Ordem Urbanística (Dema) estiveram na ocupação,
fizeram fotos e levaram dois homens para prestar depoimento. Investigadores
apuram se a ação tem algum vínculo com movimento social e tentam descobrir quem
está à frente dele. Eles apuram a relação de um pastor e de outro homem.
O Governo do Distrito Federal disse, por meio de
nota, que a equipe de monitoramento da antiga Agência de Fiscalização do DF
(Agefis) foi acionada para realizar vistoria do local. “Após o levantamento das
informações no local será avaliada a estratégia de remoção da invasão”,
informou.
Ainda segundo o Executivo, para garantir a
segurança dos moradores próximos da ocupação, o 24º Batalhão da Polícia Militar
(Lago Norte) monitora a área todos os dias. Em caso de ameaça ou qualquer tipo
de intimidação, a corporação orienta a população a acionar uma equipe policial
pelo 190.
(*) Isa Stacciarini – Fotos: Marcelo
Ferreira/CB/D.A.Press – Arte/Metrópoles - Correio Braziliense