“Vamos voltar a atender 100% do DF com água tratada e coleta
de esgoto” - De volta à Presidência da Caesb, Fernando Leite tem como desafio ajustar o
abastecimento no Distrito Federal, enquanto prepara projeto que dará bônus a
quem não descartar óleo de cozinha queimado no meio ambiente
Como é a qualidade da água que vem da rua e chega na torneira da casa do
brasiliense? O novo presidente da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito
Federal (Caesb), Fernando Leite, responde de pronto e com precisão: “Excelente,
inclusive para consumo!” Com a experiência de três mandatos consecutivos à
frente da empresa (entre 1999 e 2011), o engenheiro comemora o fato de o
Distrito Federal estar além de outros entes federativos quando o assunto é
água. Seu retorno à companhia tem, entre outros desafios, o de cumprir um
dos propósitos do governador Ibaneis Rocha: voltar a atender 100% da população
com água tratada e saneamento básico. Atualmente esses índices são de,
aproximadamente, 90% e 80%, respectivamente. Um dos obstáculos identificados
pelo Governo do Distrito Federal é o lixo descartado no meio ambiente, o que
compromete os lençóis freáticos e afeta diretamente a natureza. Além do óleo de
cozinha jogado na pia depois de usado, o que dificulta o tratamento da
água e encarece o serviço prestado pela empresa.
Nesta entrevista à Agência Brasília,
Fernando Leite fala dos projetos da companhia em prol do consumidor, das ações
para que o DF não enfrente de novo uma crise de racionamento, das obras do
sistema Corumbá, da ampliação do laboratório de análise para atendimento à
comunidade e do projeto que bonificará quem ajudar a companhia a economizar no
processo de tratamento da água.
O que muda na sua volta à presidência da Caesb depois de 12 anos no
comando da empresa?
A experiência talvez seja o fator mais importante, de ter passado,
conhecido os problemas e estar voltando. Hoje há muita diferença, porque as
soluções passam mais por tecnologia do que naquela época. Todo o aspecto que a
gente discute para implementar, a gente busca uma solução tecnológica, digital.
A nossa grande preocupação no ponto do desenvolvimento é essa transformação
digital: na execução, na medição de diversos serviços, na gestão, na
realização, no controle e na supervisão de obras; na operação de sistemas, no
controle de perdas… Abre-se uma porta com muitas opções de tecnologia, para
aumentar a eficiência da companhia.
De forma prática, como essa tecnologia interfere na vida do consumidor?
Uma coisa que afeta o nosso dia a dia: a eficiência no fornecimento de
água. A qualidade da água pode ser gerenciada instantaneamente em vários pontos
do sistema por meio de sensores. Da produção ao tratamento, até os
reservatórios, têm-se sensores que atestam essa qualidade. Há sensores também
que mostram onde se está perdendo água. Isso afeta diretamente a vida de todo
mundo quando há um vazamento que impede a água de chegar com pressão na sua
residência. Estamos atrás desses sistemas modernos e de soluções para essas
tecnologias. Uma coisa muito importante pra nós – e na qual já estamos
trabalhando – são os sistemas automatizados. As grandes estações são operadas
por funcionários que, muitas vezes, gastam seu tempo à noite, em finais de
semana, em que poderiam estar em lazer ou se dedicando a atividades mais nobres.
As empresas no mundo inteiro hoje já estão partindo para isso.
Isso já está sendo aplicado aqui no Distrito Federal?
Já. Temos um centro de operação na Caesb que monitora com precisão
várias partes do sistema, faz manobras… o futuro vai ser totalmente automatizado.
Quantas grandes estações de água tem o DF?
Nós temos a principal estação elevatória de água do DF em operação,
atualmente, que é a do Lago do Descoberto. Além dessa, temos a de Santa Maria,
a do Torto, o sistema Pipiripau em Planaltina, o Gama recentemente inaugurado,
e a estrela da companhia que será o sistema produtor de Corumbá. Se você me
perguntar qual a prioridade da Caesb hoje, eu vou dizer que é o sistema
Corumbá. Temos lá uma obra gigantesca feita em parceria com a Companhia de Saneamento
de Goiás (Saneago). Retomamos essa obra e estamos corrigindo todos os problemas
que encontramos e fazendo um esforço tremendo para que entre em operação o mais
rápido possível.
O que seria esse tempo?
A expectativa é este ano, mas temos pouco mais de 30 dias à frente da
empresa. E essa obra é muito grande. Estamos buscando a solução de todos os
problemas que encontramos – e são muitos. As linhas de transmissão de 138
quilovolts não estão prontas ainda. Muitas torres de transmissão grandes ainda
estão no papel. Estamos nos esforçando, mas dependemos de elementos
fundamentais da operação, como as válvulas, fabricadas nos Estados Unidos, e
que a entrega precisa ser negociada com as empresas. Já temos representantes na
fábrica fazendo inspeções, testes, portanto, estamos fazendo nossa parte para
acelerar, mas há fatores que não dependem somente de nós.
Corumbá deverá ser a maior estação de água do DF?
Será a maior estação do sistema. Ela tem possibilidade de produzir 5,8
mil litros por segundo. Sua capacidade final é ainda maior. Para se comparar, a
Caesb produz atualmente, com todos os sistemas produtores, 10 mil litros por
segundo. Então, Corumbá já entrará com a metade, mas tem uma vazão de 120 mil
litros por segundo. Ou seja, daí já teremos água por muito tempo.
Corumbá virá, então, como solução para o problema da falta d’água no DF?
Sem dúvida! É a solução definitiva. Nós vamos também implantar um grande
sistema produtor para atender a região norte (do DF). Hoje temos um pequeno
sistema que capta água do Paranoá de 700 litros por segundo. E vamos construir
nos próximos anos um sistema para 2,2 mil litros por segundo. Isso visa
abastecer e dar segurança hídrica para toda aquela região do Paranoá, dos
condomínios, de Sobradinho…
Quais outras medidas de prevenção estão sendo tomadas para manter
elevados os índices dos reservatórios de água e evitar o racionamento vivido no
último ano?
O que regula os reservatórios são a alimentação dos rios e o que sai
(para consumo). Têm outros fatores como evaporação. A grande preocupação da
empresa é ter oferta de água dimensionada para atender os períodos mais
críticos. E a companhia tem uma grande preocupação com a educação ambiental das
pessoas. Ensiná-las, das crianças aos mais velhos, a não consumir água em
excesso, evitar desperdícios na hora de lavar a louça, não lavando carros com
água…
Essa reeducação conseguiu ser emplacada e mantida após o fim do
racionamento?
Eu diria que foi um trabalho importante. Houve uma redução substancial
no consumo. Mas isso tem que ser uma atitude permanente.
Novas campanhas educativas devem ser feitas?
Estão sendo feitas e vamos intensificá-las. Estamos há pouco mais de um
mês de gestão. As campanhas devem ser permanentes e não feitas só em cima de
problemas. O melhor lugar para se fazer campanhas educativas é nas escolas.
As crianças são os grandes agentes das campanhas educativas.
Grandes agentes, os grandes educadores. Elas educam os próprios pais a
não consumirem água em excesso. Isso é importante para a Caesb. A produção de
água é muito cara para o governo. Super dimensionar sistemas para atender consumos
elevados não é bom para ninguém. Vamos fazer disso uma atividade rotineira da
empresa. Mas há outras formas também de economizar água que é combatendo as
perdas. A principal forma de perda são as ligações clandestinas, os chamados
gatos. Isso ocorre de uma maneira geral em todo o território, mas de uma forma
bem considerável e exagerada nos assentamentos pioneiros, nas invasões. Nós
temos uma invasão chamada Santa Luzia que furta a água do abastecimento normal
da Cidade Estrutural. Lá, hoje, as perdas de água são de 80%. Um problema que
vai além com o furto de energia elétrica, com o impedimento do Serviço de
Limpeza Urbana de recolher o lixo… E isso pode trazer outros sérios problemas,
como contaminação no Parque Nacional dos lençóis freáticos. Nós temos
conversado e o governador está muito preocupado e a qualquer instante deve
anunciar medidas para regularização onde for possível regularizar, desativação
onde não for possível…
Como é a qualidade na água que chega à casa dos brasilienses?
A qualidade é excelente. Ela sempre foi objeto de elogios. Nós temos um
esmero muito grande com a qualidade da nossa água. Temos laboratórios bem
equipados para aferir essa qualidade e há um rigor técnico muito grande das
administrações em manter essa qualidade em alta.
Isso significa que essa água que sai da torneira pode ser consumida?
Sim. Ela sai da estação pronta para ser consumida da torneira. Existe
uma preocupação do governo federal em padronizar a qualidade da água. O
Ministério da Saúde define os padrões, então as empresas são obrigadas a
cumprir sob pena de sofrer as sanções. O que a gente sempre orienta para o
consumidor é que muitas vezes a água que passa pela caixa d’água é de pior
qualidade do que a água que chega direto da rua. Por falta de limpeza e cuidado
com a caixa d’água. É preciso cumprir uma rotina de limpeza da caixa. É muito
comum ver algumas sem tampa. Imagina a contaminação que não tem em casos assim.
Essa atenção – e inspeção – deve ser feita, inclusive, por moradores de
condomínios e prédios residenciais, que predominam nas áreas residenciais do
Plano Piloto, não é isso?
Essa sua pergunta enseja uma colocação importante: a Caesb está
concluindo os trabalhos para equiparação do laboratório de análise da água
capaz de oferecer esse serviço à toda a comunidade. Se você mora em um
condomínio horizontal ou vertical e quer saber a qualidade da sua água, é só
cumprir as exigências da Caesb, ter um recipiente próprio para se fazer a
coleta que a Caesb fará a análise dessa água. Inclusive água de poços cartesianos.
Esse laboratório, chamado de R1, fica logo atrás do Palácio do Buriti, próximo
à sede do Governo do Distrito Federal, ao DER. É um serviço que terá um custo e
que será oferecido à comunidade. Estamos ampliando os equipamentos, pois o
serviço existe, mas para análise interna. A nossa expectativa é que isso possa
ser iniciado até o final do semestre.
Qual o grande desafio da sua gestão nestes quatro anos de governo que se
tem pela frente?
Nessa volta à Caesb, nós temos muitos planos que são exatamente os
planos do governador Ibaneis. Ele tem uma proposta, e nós vamos cumpri-la, que
é deixar o DF com 100% de cobertura de água e 100% de coleta e tratamento de
esgoto. Isso significa uma ação muito intensa, especialmente na periferia. O
nosso programa de universalização contempla atingir, especialmente, o segmento
mais pobre da sociedade que não tem esse serviço e que sofre mais por estar
sujeito a doenças, por exemplo. É uma ação ousada, mas possível. Hoje a
cobertura de água está em torno de 90% da população. E a de esgoto, que já foi
de 100%, está em 80%, especialmente por causa desse crescimento desordenado na
periferia. A nossa agenda positiva está focada nisso. Demandará muito
investimento e muita obra.
Que orientação deve ser dada ao consumidor de Brasília para colaborar
com o tratamento da água?
A primeira coisa é fazendo um descarte adequado do lixo. Nunca jogar
lixo nas ruas porque isso vai ser levado para um lago ou rio. E ter todo o
cuidado do mundo com o óleo de cozinha. As pessoas acabam o descartando na pia
da cozinha. Isso não pode porque vai para a estação de tratamento de esgoto e
compromete o tratamento da água. Nosso tratamento é biológico, então quando se
joga o óleo queimado na água, ele mata as bactérias que fazem o trabalho de depuração
nas estações de tratamento de esgoto. Daí o cuidado com o lixo é fundamental.
O que deve ser feito com esse óleo usado na cozinha para fritura de
alimentos e que precisa ser jogado fora?
Deve ser guardado em vasilhames próprios e entregues em empresas que
fazem esse tipo de coleta. Mas a Caesb tem um programa sensacional. Nós
construímos uma planta que é capaz de produzir até 2 mil litros de óleo
biodiesel por dia, dependendo dos turnos de trabalho, por meio do óleo de
cozinha. Nós estamos relançando um projeto, chamado Projeto Biguá (que é o nome
de uma ave). O objeto é retirar o óleo de cozinha do sistema de esgoto e levar
para a Caesb onde temos uma planta que irá produzir o óleo biodiesel.
Como o consumidor deverá fazer?
Nós vamos montar um sistema de coleta desse óleo e vamos dar um bônus
(como desconto na conta) para quem fizer essa coleta e entregar na Caesb. É um
plano que já está pronto e brevemente nós relançaremos o Projeto Biguá. Vamos
estabelecer um valor por litro. É uma operação de ganha ganha. Outro subproduto
desse tratamento do óleo de cozinha é uma glicerina que se usa para produzir
sabão. Então temos aí dois produtos importantes.
Por que esse óleo descartado na água é um problema?
O óleo de cozinha queimado, quando lançado na rede, traz um estrago
grande à estação de tratamento, porque isso tem custo. Vai demandar mais
energia elétrica, mais tempo, para tratar a água. Se for evitado esse dano, se
estará economizando recursos. E essa economia volta para o cidadão. Outras
coisas também não devem ser descartadas pois retardam esse tratamento, como
borra de café. No vaso sanitário também não deve ser descartado lixos de
nenhuma espécie. Em algumas tubulações até o papel é um problema porque causa
entupimento. Vaso sanitário é água e dejetos. O restante é no lixo.
Por Hédio Ferreira Júnior Agência
Brasília