Pegue a
estrada e vá conhecer a capital do art déco, Goiânia
Crônicas urbanas,
crônicas de afeto e do viver - (Conceição Freitas)
Domingo é dia de
cidade nua; é o melhor dia e modo de se apreciar a arquitetura e o urbanismo de
um lugar. Na capital dos goianos, domingo é ainda mais domingo, dado o caos que
é o trânsito por lá nos dias de semana.
Esqueça o sertanejo universitário, as caminhonetes Hilux e suas parentes
próximas. Pegue a BR-060, passe pelo Núcleo Bandeirante,
coma um pamonha no Jerivá e siga até um dos maiores, senão o maior sítio de
arquitetura art déco do Brasil. Não apenas na arquitetura institucional, mas
nas pequenas casas dos bairros antigos. Há delas que resistiram aos muros
estilo penitenciária. Mantêm muretas decorativas como nos tempos idílicos não
tão distantes.
Planejada duas décadas antes de Brasília, Goiânia
também é filha dos princípios modernistas. Irradia-se a partir de um ponto
seminal, a Praça Cívica, e tem um cruzamento de vias, das avenidas Anhanguera e
Goiás.
A arquitetura moderna está para
Brasília como o art déco está para Goiânia, embora a
primeira abarque a segunda. O art déco foi um jeito de ser moderno com
alguma bossa; moderno e sofisticado. Um modo de se diferenciar da arquitetura
racionalista, tão econômica nas linhas. Era preciso ser moderno e exuberante;
tecnológico, mas luxuoso.
O Lucio Costa de
Goiânia se chama Atílio Corrêa Lima. Formado na França, voltou ao Brasil no
começo da década de 1930 e trouxe no bolso o urbanismo moderno e o art déco.
Toda a Praça Cívica, a Praça dos Três Poderes dos goianos, é em art déco.
Arquitetura moderna coberta de glacê e confeitos. Formas geométricas,
circulares, recortes na fachada, formas femininas estilizadas, tudo para tirar
a insipidez da arquitetura moderna e diferenciá-la das edificações destinadas
às classes trabalhadoras.
Era preciso ser moderno e
chique.
São 22 as edificações art
déco tombadas pelo (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em
Goiânia. Entre elas, uma paisagem que fez parte de minha adolescência, a
Estação Ferroviária. Ela faz contraponto com a Praça Cívica, do mesmo modo que
a antiga Rodoferroviária de Brasília se opõe à Praça dos Três Poderes.
Antes de ser engolida pelo
comércio de roupas, a Estação Ferroviária erguia-se solitária, indicando que
ali terminava a cidade. Depois dela, a zona rural. Mas o tombamento a protegeu
de vizinhança mais próxima e abusiva. Mesmo em reforma, ainda mantém as linhas
graciosas, femininas, decorativas, tímidas – do jeitinho goiano.
As obras art déco de Goiânia são compactas, como
se coubessem na mão de quem as observa. Estão numa escala que não nos distancia
delas. É um corpo para outro corpo, sem a distância intimidadora de certa
arquitetura monumental. É uma arquitetura que nos convida a se aproximar, a
observar um a um os detalhes – como quando se está diante de uma arquitetura
gótica, sem, é claro, os excessos excessivos do gótico.
Não são apenas a geografia e a concepção urbanística e
arquitetônica que aproximam Brasília e Goiânia. Há na alma brasiliense,
queira-se ou não, goste-se ou não, um cadinho de goianidade. Não fossem os
goianos, dificilmente Juscelino teria tido peito e
tempo para construir Brasília.
Não fossem os caipiras que se sentavam sobre as próprias
pernas, acocorados, pitando cigarro de palha, assuntando a hora certa para se
aproximar, não fossem eles, talvez não houvesse ninguém para dar início às
obras da nova capital e com elas atrair os nordestinos. O mapa do Brasil não
nos deixa mentir. Estamos rodeados de goianos por todos
os lados. E goianos art déco, olha que chique!
Conceição Freitas – Fotos:
Rejane Agra – Metrópoles