Análise:
decisão do STF abre a porteira para a “lavagem” de crimes Ainda sem estrutura,
Justiça Eleitoral vai julgar casos que envolvem corrupção, evasão de divisas e
dinheiro ilegal ligado a campanhas
Com tanta turbulência e corrupção na política
brasileira, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão com potencial
para facilitar a vida dos enrolados. O envio para a Justiça Eleitoral
dos processos sobre crimes conexos ao caixa 2 cria uma situação
nova no meio jurídico, ambiente propício para questionamentos legais,
postergações e mudanças nas condenações.
Algumas
dúvidas surgiram ainda no julgamento que tratou do assunto, encerrado na
quinta-feira (14/3). O ministro Luís Roberto Barroso, por exemplo, considerou a
Justiça Eleitoral não “vocacionada” para deliberar sobre processos criminais.
Também chamou a atenção para a estrutura menor, comparada com a Justiça
Federal.
Depois do julgamento, o ministro Marco Aurélio
Mello esclareceu que, em caso de condenações por caixa 2 por juiz
federal, pode haver anulação de sentenças na esfera eleitoral. As
investigações e as provas serão consideradas, mas o entendimento jurídico, em
tese, pode ser outro.
Como se
trata de uma nova realidade, restam lacunas sobre como será a atuação da
Justiça Eleitoral nesse campo. Para quem sofreu condenação em cortes federais,
a possibilidade de recorrer a mais uma instância representa um alento a ser
explorado pelos advogados da área.
Pelo que
se vê na história recente do Brasil, os corruptos são criativos na procura de
brechas na legislação para desviar dinheiro público. Desde o mensalão e, mais
ainda, depois da deflagração da Lava Jato, a Justiça Federal demonstrou
disposição para mandar políticos, altos funcionários e empresários para a
cadeia.
O
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), última instância desse braço da Justiça, tem
sete ministros, quatro a menos do que o STF. Três são integrantes do Supremo,
dois do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dois advogados indicados pelo STF
e nomeados pelo presidente da República.
Outra
característica do TSE é a maior rotatividade dos ministros. Com mandatos de
dois anos, os titulares podem obter apenas uma recondução. Ao mesmo tempo em
que dificulta o controle político por apenas um magistrado – ou grupo –, esse
mecanismo pode facilitar a formação ocasional de maiorias para criar ou mudar
jurisprudências.
Nesse movimento, abre-se uma fresta a mais para a
ação dos usurpadores dos cofres públicos. Se a compreensão das cortes
eleitorais em relação aos crimes conexos ao caixa 2 (lavagem de dinheiro,
evasão de divisas e corrupção, por exemplo) for mais permissiva do que se
revelou na Justiça Federal, o mundo do crime ganhará novos contornos. Os procuradores ligados à Lava Jato alertaram para os efeitos do
julgamento.
Novas
demandas
Os
enrolados com a Justiça têm, então, duas razões para acreditar que podem se
beneficiar da decisão do STF. Primeiro, apostam na morosidade e na falta de
vocação de uma estrutura que ainda será adaptada para as novas demandas.
Se
levarmos em consideração que a estrutura atual do tribunal, muitas vezes,
mostra-se ineficiente para as atribuições antigas, imagina-se um quadro ainda
mais preocupante a partir de agora. Lembremos, por exemplo, o fracasso do TSE
no combate às fake news na última campanha.
A partir
de agora, caberá também ao tribunal zelar pelas diligências e instruções dos
processos criminais ligados a eleições. Envolve missões complexas e
gigantescas, como enfrentar o crime organizado. Essas circunstâncias, no
mínimo, ajudam os envolvidos a ganhar tempo.
Em outra
vertente, os interessados em driblar as leis vislumbram a formação de maiorias
no TSE que assegurem interpretações mais generosas do que as das cortes
federais no julgamento dos delitos que tenham relação com caixa 2.
Se isso
acontecer, a Justiça Eleitoral pode funcionar como uma espécie de “lavanderia”
dos crimes conexos. Como visto nas operações policiais, boa parte da corrupção
do país gira em torno de candidatos e campanhas, mesmo que não seja em anos
eleitorais.
Dinheiro
sujo
Nesse
meio de dinheiro sujo, ficará fácil forjar ligações políticas em qualquer
prática ilegal. Sem limites claros para o que são os crimes conexos, abre-se
mais uma avenida para as negociatas.
Mudanças
como a promovida pelo STF, no mínimo, colaboram para a instabilidade política e
jurídica do país. Criminosos enxergam longe e usam esse tipo de indefinição
para montar suas operações com menos riscos de serem pegos.
Essas são
algumas das questões suscitadas pelo julgamento do STF. Como tem acontecido nos
últimos tempos, o futuro do país vai depender do entendimento, muitas vezes
ocasional, que os magistrados têm sobre a legislação brasileira. Nada impede
que, a qualquer momento, novas decisões afetem o processo político e jurídico
do país.
Nessa
direção, causa espanto que, somente trinta anos depois da promulgação da
Constituição, a Justiça indique as cortes competentes para julgar crimes
associados a caixa 2. Os malfeitores gostam desse tipo de indefinição. Ajuda a
caminhar nas sombras.
Por
Eumano Silva – Metrópoles
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JUSTIÇA