A Igrejinha é quase miragem. Arte sacra em escala
urbana, ato de fé
Crônicas
urbanas, crônicas de afeto e do viver (Conceição Freitas)
Não sei rezar, acendo velas em casa e me enamoro a
cada vez que a Igrejinha surge diante de mim. Se for um domingo, como
hoje, ela fica mais linda, é a arquitetura em oração. Se for cedinho, sem
carro, sem gente, só ela, é uma aparição sagrada no promontório da 307/308 Sul. Galeno do lado de dentro, Athos do lado
de fora, tudo é lindo, mas a mim o que soa sublime é a arquitetura em si mesma, nua de arte, nua de contornos.
A
Igrejinha é uma imagem sagrada desenhada na escala das capelas coloniais
brasileiras.
Quando
subo a rua, o que vejo – nunca revejo, sempre é a primeira vez –, o que vejo é
um corpo único protegido por um véu, uma aparição etérea, miragem divina.
Há quem
veja nela um chapéu de freira; outros, a Santíssima Trindade. Arquitetos
identificam sinais da Capela de Ronchamp, na França, obra de Le Corbusier, de
1955.
Se assim foi, eu me permito imaginar que Niemeyer olhou para a obra do franco-suíço e
disse: “Vou fazer uma igual a essa, porém muito mais bonita, diáfana, arte
sacra em escala arquitetônica”.
A capela
de Le Corbusier é rotunda, pesada, como se gorda de pecados.
A Igrejinha é quase miragem. Arte sacra em escala
urbana, ato de fé
A Igrejinha de Fátima não
carrega as dores do erro. Ela se perdoa e nos perdoa com a leveza esvoaçante da
laje que se sustenta, com a ponta dos dedos, em três pilares, um em
cada vértice do triângulo que cobre toda a estrutura e avança para a
paisagem, como quem vai voar. A Igrejinha está no chão, mas flutua. Mesmo
quando fechada com o portão de treliça branca, parece pairar sobre nossas
dores, protegendo-nos do confronto direto com o real da vida.
Todo o
contorno do terreno reverencia a Igrejinha. Tudo se aquieta, silencia, perde o
sentido, tudo se prepara para receber a arquitetura santa. A escadaria
suave como as ondas dos rios se desdobra em 11 degraus largos e
baixos. Os bancos, ao mesmo tempo imponentes e discretos, são de Burle
Marx. A textura bruta do concreto aparente é milagrosamente delicada e,
diária e insistentemente, se oferece para o descanso de moradores de rua. Nada
mais cristão.
A Igrejinha aponta para o leste, para o Eixão, para
o Lago Paranoá, para o Sol, aponta para o renascer nosso de cada dia. Foi
projetada por um comunista para cumprir promessa de Sarah Kubitschek a Nossa
Senhora de Fátima. Tem azulejos (em fundo azul!) de Athos Bulcão e tinha afrescos de Volpi. Muito tempo depois que um frade cobriu a
arte interna com várias demãos de tinta, Galeno foi convidado para fazer novos
painéis.
Quem o
convidou não sabia que o nome completo do artista é Francisco de Fátima Galeno
e que nasceu em 13 de maio, dia de Nossa Senhora de Fátima.
Eu, que
pouco creio, me deixo levar pelo mistério, como quem descansa antes do fim.
*Esta crônica é dedicada ao
fotógrafo Gervásio Baptista, que soube dar o devido valor ao lugar onde
viveu e ao tempo que testemunhou.
Conceição
Freitas – Fotos: Felipe Menezes - Daniel Ferreira – Metrópoles