Ao CB.Poder, o chefe do Buriti lamenta dívida de R$
10 bilhões, reconhece que terá de fazer cortes, mas lista investimentos
*Por Ana Viriato
O governador Ibaneis Rocha (MDB) chegou aos 100
dias de gestão, ontem, com o orçamento da capital combalido. O chefe do Palácio
do Buriti adiantou que realizará uma série de “tesouradas” caso não consiga
reverter a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que imputou uma dívida
de R$ 10 bilhões ao DF, além da perda de R$ 700 milhões na arrecadação anual.
Segundo o chefe do Palácio do Buriti, o Executivo local pode “reduzir a marcha”
do pagamento de fornecedores e prestadores de serviço, suspender negociações
relativas à quitação de horas extras e rediscutir o pagamento da terceira
parcela do funcionalismo, pendente desde 2015. “Vou ajustar tudo de modo a
caber no Orçamento”, disse ao CB.Poder, parceria entre o Correio e a TV
Brasília.
Mesmo com as contas no vermelho, Ibaneis assegurou
a articulação pelo pagamento da paridade da Polícia Civil com a Federal —
reajuste de 37%, dividido em seis parcelas. “Esses R$ 700 milhões não saem do
Fundo Constitucional do DF (custeia os salários das forças de segurança do DF).
Saem do orçamento, porque são provenientes de impostos. Então, o Fundo ainda
comporta o aumento”, afirmou, ao indicar que os salário das polícias Civil e
Militar e o Corpo de Bombeiros estão defasados.
Com a receita congelada, os investimentos na
capital serão provenientes, em grande maioria, de emendas de deputados federais
e senadores, além de parcerias público-privadas. Ibaneis voltou a levantar a
possibilidade de privatizar a Companhia do Metropolitano (Metrô-DF). “Estamos
fazendo um trabalho de conscientização com funcionários sobre os custos do
sistema.”
O governador deu nota 7 para a equipe nos três
primeiros meses de gestão e frisou que Brasília precisa “acelerar” na área de
educação.
"O que vi no TCU é um
preconceito muito grande no que diz respeito ao Fundo Constitucional. Como
muitos dos ministros, mesmo morando aqui, não são da cidade, sempre trazem
dados das dificuldades dos outros estados e querem colocar o DF numa condição
de privilégio, o que não é verdade"
Se o senhor não conseguir reverter a decisão
do TCU, como fica a situação dos cofres do DF?
A decisão nos pegou de surpresa. O erro parte do
mérito. Se o servidor é do DF e a União nos repassa os recursos para o
pagamento, o montante é do DF. Caso contrário, que levem os servidores para lá.
É tanto que, em outras despesas com esses funcionários, quem tem de arcar com
os custos é o DF. No caso dos precatórios, por exemplo, o valor sai do
orçamento do DF, e não do Fundo Constitucional. A Justiça precisa definir se o
profissional é nosso ou deles. Vou ao Supremo. Se conseguirmos a liminar,
colocamos o Estado em condições de sobreviver neste ano e durante o período que
perdurar. Mas teremos de fazer ajustes pensando no futuro.
Se daria para sobreviver apenas neste ano,
de qualquer forma, o senhor terá de fazer cortes, certo?
Nós teremos de decidir o mérito da questão no STF.
Parto do ponto de vista de que a decisão do TCU é equivocada em vários
princípios: no mérito e na competência. Não compete ao Tribunal de Contas
dirimir conflitos federativos. O TCU atuou de forma a confrontar a
Constituição. No que diz respeito ao mérito, esperamos que o Supremo tenha um
pouco mais de responsabilidade ao enfrentar o questionamento. O que vi no TCU é
um preconceito muito grande no que diz respeito ao Fundo Constitucional. Como
muitos dos ministros, mesmo morando aqui, não são da cidade, sempre trazem
dados das dificuldades dos outros estados e querem colocar o DF numa condição
de privilégio, o que não é verdade.
Mas o conflito não poderia ser resolvido
politicamente pelo presidente Jair Bolsonaro?
É algo judicializado, que não compete a ele.
Trata-se de uma briga antiga, que dista de 2003, à época da composição do
Fundo.
Por que essa decisão demorou tanto? A questão é
tratada há 10 anos e a bomba caiu no seu colo…
A irresponsabilidade nesse ponto vai muito longe. A
União deixou de recolher os valores devido a uma liminar do próprio TCU. Quer
dizer, eles não respeitam nem suas próprias decisões. Se não houve o pagamento,
foi por culpa deles e, agora, fica tudo para o Estado. Eu disse na minha posse
que Deus dá a carga do tamanho do burro. Quebrou nas minhas costas, e eu vou
arrumar uma solução.
De qualquer forma, o senhor terá de cortar.
Onde vai cortar?
Venho pagando muitas dívidas antigas. Por exemplo,
R$ 250 milhões de débitos com hospitais da rede privada do DF por conta de
decisões judiciais. Teria de reduzir a marcha desses pagamentos. Tenho em torno
de R$ 182 milhões na Saúde com outros fornecedores. Vou reduzir a marcha de
pagamento. Em relação aos servidores da área, existia uma dívida pelas horas
extras de setembro a dezembro, as quais eu quitei. Mas há outras parcelas que
estavam sendo negociadas — eu teria de suspender. Vou ajustar tudo de modo a
caber no orçamento. Além disso, terei de rediscutir com servidores a minha
promessa de campanha de pagar a terceira parcela ainda neste ano. Preciso dar
preferência ao pagamento de salários, aposentadoria e pensão, em vez de pagar
pendências de governos anteriores.
E quanto à paridade da Polícia Civil, que
prevê um reajuste de 37% em seis parcelas? A decisão do TCU a
inviabiliza?
Todas as categorias do DF foram beneficiadas, mesmo
que com apenas duas parcelas do aumento. Mas, como PM, Polícia Civil e Corpo de
Bombeiros dependem de uma mensagem com a proposta de reajuste e medida
provisória para o aumento, estão com defasagem muito grande. Esses R$ 700
milhões não saem do Fundo. Saem do orçamento, porque são provenientes de
impostos. O Fundo não fica impactado. Então, comporta o pagamento do reajuste.
Está mantido meu compromisso.
Nesta semana, houve vários problemas no
DFTrans. Quem usa reclama muito. O senhor, de fato, vai acabar
com o órgão?
Tentei, de várias maneiras, entender por que o
DFTrans procura não funcionar. Acho que ficou entranhado pelas empresas que
passaram, pelos roubos, pelas diversas operações policiais. Eles não conseguem
dar um projeto de futuro. Então, vou apresentar o meu. Vamos levar a bilhetagem
para o BRB. E existe uma subsecretaria de fiscalização na Secretaria de
Mobilidade. Estamos preparando, até a próxima semana, um projeto de lei que
prevê a extinção do DFTrans e vamos encaminhá-lo à Câmara. Só não acabará se os
distritais decidirem mantê-lo. Mas aí, pelo menos, a culpa sai das minhas
costas.
Nesses 100 dias, outra questão muito polêmica foi a
transferência do Marcola, líder do PCC, para a Penitenciária Federal
de Brasília. Como está a questão?
Tentei convencer as autoridades, inclusive o ministro
Sérgio Moro, sobre a inviabilidade desse presídio no DF. São vários os motivos.
A unidade está às margens de uma rodovia e a 6km do Palácio do Planalto. O
ministro Sérgio Moro só olha para a parte de dentro do presídio. Ele está
preocupado com quem está preso, mas estou preocupado com quem está solto. Veja
o que ocorreu em Fortaleza no fim do ano passado. Eles transformaram Fortaleza
em caos. A partir de uma ordem do PCC, podem transformar o Plano Piloto em uma
verdadeira praça de guerra. Sabemos que pessoal, armamento e dinheiro para isso
eles têm. Faço tudo na base do diálogo. Mas, como não teve jeito, fui à
Justiça. Primeiro, quero saber as razões que embasaram a decisão. Tendo acesso
aos dados, vou entrar com uma ação para tirar esses presos daqui e transferir o
presídio para o DF.
"Terei
de rediscutir com servidores a minha promessa de campanha de pagar a terceira
parcela ainda neste ano. Preciso dar preferência ao pagamento de salários,
aposentadoria e pensão, em vez de pagar pendências de governos anteriores"
O senhor é novo na política. Diante de tantos
problemas, se arrependeu?
De maneira nenhuma. Estou vivendo um dos momentos
mais felizes da minha vida. Diante de todos os problemas, eu faria tudo de
novo.
O senhor disse não ser afeito à reeleição. Contudo, está muito próximo da cúpula do MDB. Vai mesmo presidir o partido?
Estou trabalhando para que a gente mude o MDB no DF
e quero presidir o nacional. Não faço nem questão de participar do diretório
daqui. Acho que, para que haja mudança e eu possa fazer um discurso de
renovação nacionalmente, o atual presidente do MDB (Tadeu Filippelli) não
deveria participar da Executiva. Acho que o presidente do MDB-DF deve ser o
comandante da Câmara Legislativa, Rafael Prudente. Há outros integrantes que
podem vir fortes, como a própria Ericka Filippelli, que está fazendo um
excelente trabalho.
O senhor falou que o MDB precisa se renovar e
que políticos que se envolveram em escândalos de corrupção devam
se afastar. É por esse motivo que o senhor acha que o partido precisa
de uma cara nova?
O MDB precisa se renovar porque é um grande
partido. É a sigla com maior capilaridade do Brasil, tem 1.050 prefeitos pelo
país e muita história. Mas precisamos separar as coisas. Eu não posso
permanecer em um partido com presos como Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima,
que, comprovadamente, se envolveram em crimes. Responder processos não é
problema. Filippelli responde aos processos dele, mas não há condenação.
Mas quando o senhor entrou no partido, eles já
estavam presos. Por que escolheu o MDB?
Entrei no MDB pela capilaridade, pelo tempo de tevê
e pela capacidade de renovação. Está na hora de exercer essa última. Se não
quiserem seguir por esse caminho, tchau: vou para outro partido ou crio um.
O senhor, no balanço de 100 dias, deu nota 7
para a sua equipe. Algumas áreas do governo também
precisam de renovação?
Não pretendo mudar. Estou muito satisfeito, mas não
poderia dar uma nota 10 ou acima de 7 para um secretariado que, assim como eu,
está começando a máquina agora. A nota tem variáveis: ambiente de trabalho,
participação, efetividade, vontade de desenvolver projetos. Dei 7, porque eles
têm direito de melhorar e quero que melhorem.
Diante de tantas dificuldades
orçamentárias, quando o cidadão do DF vai ver investimentos?
Temos vários recursos que não foram usados pelos
governos anteriores e estão parados. Estamos organizando todos os processos de
licitação. Há R$ 300 milhões de verbas que não foram utilizadas. Junto à Caixa
Econômica Federal, temos mais de R$ 1 bi para investimentos que aguardavam
projetos. Estamos concluindo, por exemplo, o Hospital do Câncer. Temos outras
emendas, tanto de distritais quanto de parlamentares federais, que dizem
respeito a viadutos no Itapoã, Recanto das Emas, Riacho Fundo I. E, em breve,
vamos lançar a licitação que completa o BRT entre Taguatinga e o Setor
Policial. Do lado privado, temos a previsão de várias obras por meio de PPPs.
No caso do VLT, nove empresas demonstraram interesse em fazer os estudos — é
uma obra que muda todo o eixo do DF entre o aeroporto e o Noroeste. Em relação
ao metrô, existem recursos federais, e a licitação de Samambaia sai neste
semestre. Além do que, podemos chegar até a privatização do sistema.
O senhor sempre disse que delega as funções,
mas cobra bastante. Em uma avaliação, há alguma área que
precisa melhorar bastante?
Temos um problema seriíssimo na educação, apesar da
competência do secretário Rafael Parente e de sua equipe. A educação no DF
ficou abandonada por muitos anos. Temos uma rede sucateada. Precisamos
construir escolas e creches. É uma área em que teremos de acelerar um pouco
mais.
(*) Ana Viriato – Fotos: Ed Alves/CB/D.A.Press – CB.Poder - Correio Braziliense