Danny Glover visitou a Ilê Odé Axé Opô Inle, casa de candomblé em
Planaltina: o sacerdote Paulo Aurélio esteve com o astro
Brasília em dias de HollywoodDesde o início, a cidade recebe astros do
cinema mundial, como Rita Hayworth, Kirk Douglas e Jean-Paul Belmondo.
Moradores guardam boas lembranças e fotografias com eles
*Por Augusto Fernandes
A capital projetada por Lucio Costa, que faz cinema de alta qualidade,
serve de cenário para produções nacionais e estrangeiras, e conviveu com
algumas estrelas de Hollywood. Em 1962, por exemplo, a norte-americana Rita
Hayworth desembarcou em Brasília durante o carnaval e curtiu a folia ao lado do
então prefeito, José Sette Câmara (cargo máximo na administração pública,
vinculada ao governo federal). No ano seguinte, foi a vez de o francês
Jean-Paul Belmondo desfilar pelo cerrado e em alguns dos prédios desenhados por
Oscar Niemeyer, durante as gravações do filme O Homem do Rio.
Também em 1963, a convite de Harry Stone — maior embaixador do cinema
dos EUA no Brasil —, Kirk Douglas visitou Brasília. O protagonista de obras
como Spartacus, Glória Feita de Sangue e A Montanha dos Sete Abutres chegou ao
Distrito Federal em 22 de fevereiro. Assim como Rita Hayworth, Kirk curtiu a
festa de Momo no Baile da Cidade, evento organizado pela Prefeitura do DF nos
anos 1960, no Hotel Nacional. Na ocasião, ele conheceu Sílvio Pedroza, à época
subchefe da Casa Civil no governo de João Goulart.
“Como já havia morado na Inglaterra, meu pai não teve problemas
para se comunicar com o Kirk. Os dois se deram muito bem, tanto que o meu pai o
convidou para um passeio de lancha no Lago Paranoá no dia seguinte. O Kirk
aceitou sem titubear”, lembra o advogado Luiz Eduardo Pedroza, 68 anos.
Então com 12 anos, o advogado Luiz Eduardo Pedroza passeou de barco com
Kirk Douglas, no Lago Paranoá
O ponto de encontro foi o recém-inaugurado Iate Clube, que teve Sílvio
como um dos fundadores. “Enquanto o Kirk estava todo arrumado e chique, eu
estava descalço e suado, pois havia brincado a manhã inteira. Não sabia quem
era ele. Meu pai pediu para que eu o acompanhasse. ‘É um ator de Hollywood’,
ele disse pra mim”, conta Luiz Eduardo, que tinha 12 anos quando conheceu a
estrela do cinema.
Sabendo de quem se tratava, Luiz Eduardo não saiu mais do encalço do
norte-americano e da mulher dele, Anne Buydens. “Mesmo sem que eu soubesse
falar inglês, a gente conseguiu se entender. O Kirk foi bastante atencioso
comigo. Passei a admirá-lo, pois era uma pessoa simples e educada”, ressalta o
advogado.
O passeio pelo Lago Paranoá terminou no deque da mansão onde Luiz
Eduardo morava com os pais e os irmãos, na ML 1 do Lago Norte. Quando chegaram
lá, Kirk já não suportava mais o forte calor do verão brasiliense. “Foi a hora
mais engraçada. Ele tirou toda a roupa comprida e ficou só de short. Nunca vi
uma pessoa tão branca na minha vida!”, brinca Luiz Eduardo. Após uma curta
pescaria, a família Pedroza foi de carro com Kirk até a Barragem do Paranoá.
Rita Hayworth no baile do Teatro Nacional
Em 1962, o prefeito de Brasília, José Sette Câmara, decidiu fazer um
grande baile de carnaval nos moldes dos realizados no Teatro Municipal do Rio
de Janeiro. O lugar escolhido foi o Teatro Nacional, cujas obras estavam
paralisadas. Athos Bulcão fez a decoração e a prefeitura pagou a vinda da atriz
de Hollywood Rita Hayworth especialmente para o evento. No dia do baile, que
contou com 4 mil pessoas, a mesa de Hayworth foi a mais concorrida. Ao seu
lado, algumas das figuras mais importantes da política: além do prefeito,
estavam o primeiro-ministro Tancredo Neves e o ministro da Saúde Estácio Souto
Maior (pai de Nelson Piquet, que tinha 10 anos).
Luiz Eduardo guarda as fotografias da experiência e sempre dá um jeito
de compartilhar com os amigos os momentos na companhia da estrela
hollywoodiana. “Em outubro, viajarei à Califórnia para visitar um dos meus
filhos. Caso o Kirk more perto, tentarei ir até a casa dele. Já que ele veio
até a minha, nada mais justo do que eu retribuir o favor, não é mesmo? Hoje,
ele tem 102 anos, mas acho que se lembraria de mim. Seria maravilhoso. Ele
virou um dos meus maiores ídolos”, destaca o advogado.
Acarajé, abará e vatapá
Há três anos, quem também pisou em solo brasiliense foi Danny Glover,
astro do filme A Cor Púrpura e da série Máquina Mortífera. Apesar de a sua
visita à capital ter sido motivada por questões políticas, por influência da
mulher, a ex-professora da Universidade de Brasília (UnB) Eliane Cavalleiro,
ele foi ao Ilê Odé Axé Opô Inle, casa de candomblé em Planaltina. “O Danny é
uma pessoa muito humilde. Apesar de estar cansado por conta das 12 horas de
viagem, ele chegou aqui bastante animado. Nos tratou muito bem”, comenta o
sacerdote da instituição religiosa, Paulo Aurélio Carvalho.
Jean-Paul Belmondo brilha no cerrado
Em 1963, o ator gravou cenas do filme O Homem do Rio, que seria lançado
no ano seguinte, em diferentes pontos de Brasília: a Plataforma da Rodoviária
do Plano Piloto, o Palácio do Planalto, a Esplanada dos Ministérios, o Setor
Bancário Sul e até o Lago Paranoá. Filmada também no Rio de Janeiro e na
Floresta Amazônica, a película conta a história do piloto Adrien Dufourquet,
que tem a namorada Agnès raptada por índios sul-americanos. Na tentativa de
resgatá-la, Adrien passa pela jovem capital, que estava tomada pela terra
vermelha do cerrado.
A ida do norte-americano à cidade mais antiga do DF aconteceu em 21 de
junho de 2016. Danny foi recebido com os sons dos grupos de percussão do
terreiro, que entoaram melodias em alusão a Oxóssi — entidade que Danny tem
como orixá. “Ele ficou muito agradecido e maravilhado com o nosso ritual. No
fim, dei a ele um fio de contas de Oxóssi, para que ele o usasse como uma guia
de proteção. Durante toda a sua estadia no Brasil, ele não tirou o cordão do
pescoço”, destaca Paulo Aurélio.
Danny experimentou da culinária candomblecista: comeu acarajé, abará e
vatapá. Atendeu aos pedidos de quem queria uma foto com ele, em especial, as
crianças. “A simplicidade e o carisma dele foram o que mais nos marcou. Abrir
as nossas portas e ver o reconhecimento dele foi muito gratificante”, elogia o
sacerdote.
Paulo Aurélio mantém contato com Eliane e espera reencontrar Danny. “De
vez em quando, mando um ‘hello’ ao Danny por intermédio da Eliane. Como ela é
filha da nossa casa, tenho certeza de que voltará aqui um dia com ele. Quando
isso acontecer, faremos o que uma casa de candomblé faz de melhor: abraçá-lo”,
garante.
(*) Augusto Fernandes - Fotos: C.B/D.A./Press -
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