Uma só Brasília
A vida dá voltas no Parque da Cidade. Brinca de ciranda no Ana Lídia. Passeia na roda-gigante do Nicolândia. Pedala o camelo nos caminhos cíclicos ou o pedalinho sobre o espelho d'água. Deixa uma jura de amor sobre a ponte. Refresca a sede com água de coco. Saca os problemas e corta a tensão numa quadra de vôlei.
A vida pega carona nas asas do plano. Exibe a beleza pela passarela da Esplanada. Esbanja cerrado pelos canteiros de Ozanan e nos braços não menos candangos de operários dedicados de sol a sol. Exala elegância nos traços livres de Niemeyer. Organiza-se entre os eixos de Lucio Costa.
A vida mergulha num lago artificial. E encanta-se com sua beleza natural. É crepúsculo na Ermida e Alvorada sobre a Terceira Ponte. Derrete-se no brilho mágico dos amantes que reflete sobre a água. Diverte, exercita e renova energias nessa imensidão do Paranoá.
A vida faz preces na Catedral, sob os anjos de Ceschiatti e o azul intenso de Marianne Peretti. Casa-se com o primeiro namorado na Igrejinha. Pede bençãos na Praça dos Orixás. Sai em procissão com tapetes e velas. Regojiza-se com pôr do sol na Praça do Cruzeiro.
A vida se rebela com Renato Russo. Canta a Legião Urbana na calçada. Faz fila do Karim à 106 Sul. Sintoniza o rádio na estreia do Drive-in. Assombra o Teatro Nacional. Escandaliza o público no Mané. Monta picadeiro no ginásio. Toma café da manhã na Torre e embarca no museu-aeronave do Complexo Cultural da República. Viaja galáxias e desvenda buracos negros no Planetário.
A vida se perde entre as quadras geométricas da Octogonal. Encontra história e samba no Cruzeiro. Bronzeia-se nos clubes. Brinda nos bares. Desfaz esquinas. Perverte a lógica na matemática do Plano Piloto. Invade as agulhinhas e pula carnaval nas tesourinhas.
A vida escorre pelas mãos. Embarca num voo no aeroporto e respira novos ares. Vira turista. Inebria-se. Transforma choro em estrela cadente. Grita forte, do alto, para todo mundo ouvir. E diz que é feliz.
A vida explora encanto e luta em Ceilândia, Taguatinga, Itapoã, Samambaia ou perto de Goiás. Encontra verdades periféricas. Desmascara injustiças. Sofre. É muitas vezes esquecida. Mas vira haikai e não perde a poesia. Ergue-se do barro. Constrói. Realiza sonhos. E então completa uma só Brasília.
Por Mariana Niederauer - Correio Braziliense - Foto/Ilustração: Blog - Google
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BRASÍLIA - DF