Conic, um labirinto de cultura jovem no centro
urbano de Brasília
Crônicas urbanas, crônicas de afeto e do viver (Conceição Freitas)
Nenhum outro território é mais
representativo das múltiplas expressões da cultura
brasiliense que o Conic,
especialmente da cultura jovem, underground, hip hop. O Conic não é um só, são
13. Oito edifícios colados uns nos outros, num retângulo de 240 m x 90 m, todos
com as fachadas para o lado de fora, e cinco espalhados do lado de dentro.
Conic é o nome de um dos prédios, o que fica na extremidade norte, de frente
para a Esplanada. É mais uma das desobediências
urbanas de Brasília. Lucio Costa imaginou alguma coisa parecida com um Pontão
modernista, mas não rolou. O Setor de Diversões Sul não quis ser espelho do
Setor de Diversões Norte, o Conjunto Nacional, e resolveu tentar a vida de
outro jeito.
Os prédios
grudados uns aos outros, com outros prédios espalhados pelo vão interno, o
subsolo, as muitas escadas, as muitas portarias fizeram do Conic um labirinto
de acontecimentos impublicáveis. Ao largo, a insipidez monumental da
Esplanada. No SDS, a vida pública e a clandestina, legal e ilegal,
hétero e homo, de teatro, cinema e música.
Bem no comecinho, até parecia que o SDS ia ser tão
comportado quanto o SDN. Foi no tempo em que as embaixadas ainda estavam sendo
construídas e as representações estrangeiras ocuparam os edifícios
recém-construídos do Setor de Diversões Sul. Parecia que a vocação do Conic era
a da cultura ilustrada.
Ali pelo final dos anos 1960 até o começo dos anos
1980, o Conic era o mais importante centro cultural brasiliense – 10 livrarias,
oito cinemas, seis boates, duas saunas e muitos bares, botecos, restaurantes,
lanchonetes, escondidinhos. Era como se Machado, Hemingway, Godard, Buñuel,
Jean Genet, Madame Satã e a turma do Pasquim frequentassem o mesmo lugar.
Às livrarias,
cinemas e boates, juntou-se um teatro. Atraída pelo poder de sedução de
Juscelino e pela esperança de abrir no Cerrado um clarão de dramaturgia, a
atriz Dulcina de Moraes montou o seu palco no centro de Brasília. Oscar Niemeyer fez o projeto e
com muita dificuldade a casa foi inaugurada em 1980, um ano antes de o Teatro
Nacional ficar pronto.
Mas havia uma sombra no meio do caminho, e ela se
chamava shopping center e grandes redes de livrarias. Os dois fenômenos de
consumo de massa derreteram as pequenas livrarias e seus livreiros
inesquecíveis – Victor Alegria, Wilson Hargreaves, Ivan da Presença. E
esvaziaram as salas de cinema. Tudo passou a se resolver na insipidez dos
shoppings. O Cine Atlântida, com seus 1.200 lugares, fechou e mais tarde virou
igreja evangélica. Assim como os demais; exceto um, o Ritz, que virou cine
pornô, mas nem assim resistiu. Hoje ele é… uma igreja evangélica.
O pensamento cult
foi embora, mas um outro modo de interpretar as coisas do mundo foi ocupando o
quadradinho mais incrível de Brasília: a cultura hip hop, as manifestações de
matriz africana, os bailes de charme, os encontros de RPG, as feiras de vinil e
de fanzines, os encontros de b-boys e b-girls, batalhas de MCs. As lojas de
peruca, de vinil, de camisetas punk, rock, de afirmação brasiliense,
étnicas, os sex shops, as lojas de umbanda e candomblé, os grafites, os
partidos de esquerda, os protestos de esquerda, os compradores de ouro, os
vendedores de testes de demissão e admissão, os michês da madrugada, os
vendedores de fruta do dia claro.
O Conic foi o primeiro território LGBT do Plano
Piloto.
Mesmo tão
misturado, o Conic anda desolado. A crise fechou lojas, uma reforma demorada
interditou parte da área central interna (o chapéu de concreto, parte
inequívoca da obra de Niemeyer, igual ao do posto da Candanga, foi parcialmente
demolido!). Só a calçada em frente à fachada principal continua fervendo. É o
caminho que leva do Setor Comercial Sul para a Rodoviária, da Asa
Sul para a Asa Norte.
Lucio queria uma
mistura de Piccadilly Circus, Times Square e Champs-Élysées, mas o Conic virou
um mix da cultura jovem das satélites. Bem
melhor assim.
Esta crônica
agradece a Eduarda Aun, que fez o belíssimo manual colaborativo de ocupação do
Conic. Chama-se O avesso de Brasília ao Avesso.
Foi seu trabalho de conclusão do curso de arquitetura na UnB.
Por Conceição Freitas – Fotos: Giovanna Bembom –
Filipe Cardoso – Daniel Ferreira - Metrópoles