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Entrevista: Nicolas Behr » O menino que humanizou a maquete


O menino que humanizou a maquete. Nicolas Behr autografa na próxima terça-feira antologia que faz conexão entre a infância cuiabana e Brasília

*Por Severino Francisco

“Quantos meninos correm dentro de mim?”, indaga Nicolas Behr em um dos poemas. Behr, o poeta mais famoso e mais representativo de Brasília, tem 60 anos, mas é um menino nato, não importa a idade que tenha. Em O menino que engoliu Brasília (Ed. Entrelinhas), a editora e autora da seleção de textos Maria Tereza Carrión Carracedo estabelece uma conexão entre as três idades de Behr: a infância diamantina, a adolescência cuiabana e a fase adulta brasiliana.

Behr nasceu em Cuiabá, viveu em Diamantino e mudou-se para Brasília quando tinha 15 anos. O livro marca os 300 anos de Cuiabá e os 25 da editora Entrelinhas. Traz 69 poemas inéditos sobre a capital matogrossense e uma ampla seleção dos textos de Brasília. Além disso, tem apresentação do escritor Milton Hatoum e perfil assinado pelo jornalista e escritor Carlos Marcelo.




É, ao mesmo tempo, uma antologia, uma fotobiografia e uma homenagem. Pela primeira vez, fez um livro que se sustenta em pé. A edição é caprichada e enseja novas leituras sobre a poesia de Behr. Ele autografa o livro, na próxima terça-feira, a partir das 18h, no Beirute (109 Sul).

E nesta entrevista, Behr fala de Brasília, das relações entre as cidades pelas quais passou e não foge da polêmica. Responde com o mesmo humor que impregna a sua poesia: “Eu acho bom ser questionado. Toda unanimidade é burra. Alguns me chamam de poeta marqueteiro, mas tenho uma obra que sustenta a minha caminhada. Sou parado na rua para falar de poesia”.
O menino do mato que engoliu Brasília » De Nicolas Behr/Ed. Entrelinhas. 288 páginas/R$ 60. Lançamento na terça-feira, a partir de 18h, no Beirute (109 Sul) - Entrevista:

Qual a conexão entre o mato e a maquete? 
Eu nasci em Cuiabá, que era uma cidade orgânica, e, aos 15 anos, cai numa maquete, em uma cidade artificial, que era Brasília. Mas não é mais. Se não fosse Diamantino e Cuiabá, eu não escreveria poesia. A poesia era a tentativa de resolver esse conflito psíquico.

Por que você diz que “engoliu Brasília?”
Esse é um título de um poema que escrevi. Porque eu incorporei Brasília, degluti e fiz a digestão da cidade.

Qual a percepção que tem de Brasília depois de degluti-la?
A cidade me deu muito, gerou muitos conflitos internos e devolvi algo em forma de palavra. É uma cidade que virou minha obsessão poética. Tenho vários livros inéditos sobre a cidade.

Você ajudou a humanizar Brasília?
Brasília precisa de mim, porque é muito incompreendia, tem o estigma do poder. É uma cidade que o Brasil não vê ou vê de maneira enviesada, errada. O que os artistas brasilienses querem é dissociar Brasília de poder. É a arte que vai humanizar a maquete. Ando pelo Brasil em um projeto do Sesc. As pessoas dizem: “Ei, você é de Brasília, da terra da Legião Urbana”. Ela tem arte, tem várias manifestações. Paris não foi construída para ser capital, virou capital. Brasília foi construída para ser sede do poder. Então, isso faz a diferença.

Como a piada ou o humor podem ser transformados em poesia?
O humor na poesia é o óleo lubrificante. Só que o poema-piada cansa. Mas ela traz a surpresa, o desafio é fazer novas associações. Transformei o Lago Paranoá em Lago Mediterrâneo. A poesia entra para quebrar a linha, o traçado e a racionalidade. Foi fácil até aqui, mas está ficando difícil. A piada se esgota, se se repete. Fora da linguagem não há salvação. O humor é uma arma poderosa, fala não falando, mostra não mostrando. Mas se abusa, cansa. É um desafio para mim.

Você afirmou que Francisco Alvim alfabetizou a poesia marginal. Por favor, explique melhor a frase.
Olha, o Francisco Alvim é o maior poeta de Brasília. Sou só o que mais aparece, sou um poeta público, levo os livros para as escolas, debato, agito. O Chico fez o link entre a poesia modernista e os marginais. Trouxe o Mário e Oswald, alfabetizou e influenciou. A gente era muito antiliterário e antilivresco. Mas a tradição é alimentada pela rebeldia e pela ruptura. O modernismo de Oswald de Andrade e Mário de Andrade era o descobrimento do Brasil, de uma maneira idílica, no entanto, nós redescobrimos o Brasil com uma visão mais ácida. Mas nós também influenciamos o Chico.

Por que você entrou em vias de fato com a maquete de Lucio Costa e Oscar Niemeyer?
Porque me senti agredido pela maquete. A maquete disse para mim: “aqui você vai morar, aqui vai trabalhar e aqui vai se divertir, aqui vai rezar”. Rebelei-me muito contra essa imposição. Dizer que Lucio Costa foi gênio é pouco, mas o plano dele criou uma relação conflituosa. É difícil e assim permanece. Se fosse fácil, acabava a minha poesia. Quanto mais Brasília me provoca, melhor. Ela se alimenta desse conflito. Somos cobaias do projeto modernista. Brasília simboliza muita coisa que a gente quer; a inserção do Brasil na modernidade. E outra coisa em todos os lugares: as pessoas se esquecem de que Brasília é a maior realização do Brasil. Sempre que vou a outras cidades para falar, eu digo isso.

Afinal, você ama ou odeia Brasília?
Amo, se odiasse eu a ignoraria. Eu amo, mas é um amor crítico, no sentido de querer melhorar. Dizer que o céu é belo, que o gramado é bonito não é nada. Gosto desse embate com Brasília, ele abre os caminhos. Não gosto é do poder. O poder não merece Brasília, não conhece, não vive e não valoriza a cidade.

Algumas pessoas dizem que você é uma mistificação. Afinal, você se considera um poeta de verdade ou uma mistificação poética?
Olha, toda a unanimidade é burra, dizia Nelson Rodrigues. Eu acho bom que as pessoas me questionem. Alguns poetas criam o próprio sistema solar: Carlos Drummond, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira. Mas cada poeta tem de se rebelar e criar a própria voz. Cada poeta tem de brigar pela própria linguagem, tem de tentar se diferenciar. Não digo que seja um poeta de verdade. Digo que, algumas vezes, acerto a mão.

Ao mesmo tempo, você tem recebido crescente reconhecimento de escritores e intelectuais importantes, tais como Milton Hatoum. O reconhecimento te ajuda ou te prejudica na poesia?
Sou mais reconhecido do que mereço.  É bom porque uso para causas socais, para recitar poesia nas escolas. Adoro ir às escolas falar com os jovens. Se os poetas soubessem como é bom ir à escola! Dou a cara a tapa, ouço críticas, debato. O que o poeta quer é legitimação. É uma busca desesperada. Sou chamado por alguns de marqueteiro, mas tenho uma obra. Param-me na rua para comentar a minha poesia. Busco legitimação, mas é  com os leitores.  Não quero aparecer, quero ser encontrado. O maior inimigo do escritor é o ego.

(*) Severino Francisco – Foto: Daniel Ferreira/CB/D.A.Press – Correio Braziliense


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