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União de forças contra o Feminicídio - (Mancham de sangue as páginas da história do Distrito Federal.)


União de forças contra o feminicídio. Diante de um cenário preocupante, cresce a importância da educação no combate à violência doméstica, que é complementada pelo trabalho da Justiça e da polícia na punição e na investigação dos crimes

*Por Jéssica Eufrásio 

Relacionamentos que deveriam ser afetivos e respeituosos, mas terminam de maneira brutal. Mês a mês, os casos de feminicídio mancham de sangue as páginas da história do Distrito Federal. No domingo de Páscoa, a vítima mais recente: Eliane Maria Sousa de Lima, 49. A moradora do Gama foi assassinada por Josué Pereira da Silva Filho, 47, enquanto tentava proteger a irmã das agressões do cunhado. O caso é uma das nove ocorrências desse crime registradas apenas em 2019 — média de uma a cada duas semanas.

O assunto é alvo de debates na educação pública do DF. O combate à violência doméstica, ao preconceito de gênero, à misoginia e ao sexismo entrou nas salas de aula como parte dos temas transversais do currículo da educação básica. Na visão de especialistas, o trabalho desse setor é um dos principais caminhos para incentivar o respeito às mulheres desde cedo e uma das maneiras de fazer as famílias se tornarem parte do processo de mudança.

Com a taxa alarmante de tentativas de feminicídio e de casos consumados, além das ocorrências de violência doméstica, a Secretaria de Educação percebeu a necessidade de aumentar as discussões acerca do tema. Por meio de parcerias com órgãos dos três Poderes no DF, a pasta pretende ampliar projetos em andamento e investir em novos. Neste ano, a partir de amanhã até sexta-feira, por exemplo, promoverá atividades com a comunidade de todas as regionais de ensino durante a Semana de Educação para a Vida. Na programação do evento anual, há um Dia D nas escolas para tratar do combate ao feminicídio.

Há 23 anos na rede pública e secretária executiva da pasta, Janaína Almeida considera que o primeiro desafio enfrentado na hora de se pensar na abordagem desses temas é se colocar no lugar dos professores que levarão o conteúdo para a sala. “Como educadores, não temos só a função de desenvolver a atividade. Precisamos trabalhar a função social da escola. Tratar de machismo, feminicídio e LGBTfobia ainda é muito difícil, porque esbarramos no acesso pessoal de cada um. No nosso universo de professores, também temos colegas que não vão querer abordar o tema. É necessário que o profissional sinta segurança e tenha conhecimento para falar do assunto”, analisa.

Para alcançar a comunidade escolar, ela relembra a necessidade de entender a realidade ao redor dos muros da escola. “O que o estudante leva, se for importante, será multiplicado na família. Queremos que ele seja agente e possa encorajar mais mulheres a buscarem seus direitos.”

O lado judicial
Uma vez que as investigações da Polícia Civil sobre o feminicídio terminam, o inquérito serve como base para uma denúncia apresentada pelo Ministério Público ao Tribunal de Justiça. Lá, os casos são julgados no âmbito da Vara do Tribunal do Júri. Até o último dia 15, 115 ações envolvendo ocorrências de feminicídio tramitavam na primeira instância do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). As etapas são variadas e incluem desde processos na fase de denúncia até aqueles em que há recursos pendentes de julgamento.

O prazo para julgamento desses processos leva, geralmente, de quatro a cinco meses, de acordo com o juiz de direito e presidente da Vara do Tribunal do Júri de Taguatinga, João Marcos Guimarães da Silva. Ele considera um tempo rápido e afirma que a taxa de condenação dos réus é quase plena. “Em casos de homicídio, você já tem a materialidade do fato. Se houver autoria, a não ser que seja algo justificado, como uma legítima defesa claríssima, é difícil haver absolvição”, explica.

O magistrado avalia como fundamental o trabalho das varas de Violência Doméstica para evitar novos casos de feminicídio. “Se há uma tentativa de homicídio, o réu não vai responder ao processo em liberdade. Ele pode colocar uma tornozeleira eletrônica, mas é raro. Muitos agressores respondem presos. O trabalho nas varas de Violência Doméstica é rápido e tem medidas protetivas eficazes”, ressalta o juiz.

Denúncias
No Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), o Núcleo do Tribunal do Júri e de Defesa da Vida efetuou um levantamento do número de ações apresentadas pelo órgão desde a criação da Lei do Feminicídio, em 9 de março de 2015, até 8 de março de 2018. De 21 processos relacionados ao crime consumado, em 71,4% deles o réu foi condenado. Os demais casos ainda tramitam na Justiça. A pena média dos que cumprem prisão é de 19 anos.

Apesar dos números serem passíveis de contabilização, o fato de o setor ser novo ainda impede o acompanhamento de alguns casos, segundo o coordenador do núcleo, o promotor de Justiça Raoni Parreira. “Ocorrências envolvendo menores de 18 anos não aparecem, porque são pessoas inimputáveis. Mas veremos como melhorar a contabilização”, destacou.

Mesmo assim, Parreira ressalta que todos os réus julgados foram condenados. Diante disso, o promotor lembra que a aplicação de penas por si só é um passo essencial, mas não resolve o problema como um todo. “A Justiça do DF tem atuado com extremo rigor, de forma rápida e as penas têm sido compatíveis com a gravidade desse crime. No entanto, ainda temos de evoluir na prevenção, com monitoramento dos casos em que não há denúncias anteriores ao crime e estimulando vizinhos e conhecidos a denunciarem. Aí, entramos na questão da educação e da cultura. Há todo um complexo de ações públicas que precisam ser tomadas para combater isso”, pondera Raoni.

À espera de respostas
Dos nove casos de feminicídio registrados em 2019, três ainda não foram solucionados pela Polícia Civil. A corporação informou apenas que as investigações continuam. Para quem perdeu alguém querido, vítima desse crime e ainda não sabe o paradeiro do agressor, o sentimento é de indignação. Ytelo Gonçalves, 23 anos, é uma dessas pessoas.

Em 11 de março, a mãe dele, Cevilha Moreira dos Santos, 45, foi assassinada com uma facada pelo companheiro, Macsuel dos Santos Silva, 35. O suspeito fugiu e, até hoje, não foi encontrado. “Não temos notícias e parece que não há mobilização a respeito. Ficamos às escuras esperando que a justiça seja feita”, queixou-se o morador do Gama.

Integrante da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP-DF), a psicóloga Sara da Silva Meneses afirma que o acolhimento por meio de uma rede de proteção é essencial para alcançar as vítimas ou quem presenciou o crime e prevenir novos casos.

A educação, segundo ela, também tem papel primordial nesse sentido. “A escola é o primeiro lugar de suporte para essas pessoas. Lá, aparece o que as crianças e adolescentes têm vivenciado em casa. É necessário haver uma escola, familiares e profissionais de saúde que apoiem essas vítimas para que elas se sintam encorajadas a denunciar”, pondera Sara.

A psicóloga explica que o atendimento de pessoas que perderam familiares em decorrência de crimes como feminicídio pode exigir intervenções em momentos de crise. Por isso, ela lembra que o Sistema Único de Saúde (SUS) conta com vários setores para dar apoio a mulheres e parentes de vítimas, e para tratar agressores. “Precisamos pensar no suporte afetivo, manter a rotina da pessoa, e não se pode pensar na permanência dessa pessoa no local onde tudo aconteceu”, assinala.

(*) Jéssica Eufrásio – Correio Braziliense – Foto: Hugo Barreto-Ilustração: Blog - Google


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