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Três mulheres que amam a vida catando esperanças numa noite de samba


Três mulheres que amam a vida catando esperanças numa noite de samba

Crônicas urbanas, crônicas de afeto e do viver - Conceição Freitas)

Mêrces Parente é uma mulher da vida. Aos 67 anos, ela ferve como uma adolescente, se indigna como uma estudante ativista, canta e dança como uma porta-bandeira. Na sexta-feira passada (26/07/2019), todas essas Mercês esperavam o intérprete da Mangueira, Marquinho Art’Samba, no barracão do Círculo Operário do Cruzeiro. Esperavam mesmo era o “Brasil, meu nego, deixa eu te contar a história que a história não conta…”.

Jamelinha é o diminutivo feminino de Jamelão, o lendário intérprete dos sambas da Mangueira. Como Mercês, como eu, ela também é uma mulher da vida. Só que ainda mais da vida do que nós, tamanha a ansiedade e o entusiasmo com que esperava pelo samba campeão do Carnaval que lavou nossa alma machucada e desalentada.

Jamelinha, 52 anos, é filha de seu Teodoro, do bumba meu boi de Sobradinho, homem elegante e tinhoso, patrimônio da cultura popular brasileira. Na certidão de nascimento, ela se chama Tamatatíua Rosa Freire, nome que o pai escolheu em tributo a uma índia do Amazonas que, segundo leu numa revista, enfrentou sozinha uma onça que havia atacado o marido. Jacy e Jacyra, irmãs de Jamelinha, também estavam no barracão que se vestiu de verde e rosa na sexta passada.

Estávamos em Brasília, coladas ao Plano Piloto, numa cidade-satélite de classe média, média alta, mas ali era um subúrbio do Rio de Janeiro, do samba, da Mangueira. Um homem de terno branco, camisa verde e gravata rosa, negras lindas vestidas de lantejoulas, de franjas em verde e rosa, de roupas coladas e turbantes coloridos. Exceto Mercês e eu, e duas senhorinhas muito bem-vestidas, que tiraram muitas fotos com os sambistas, exceto nós quatro e mais um ou outro, todos ali pareciam se conhecer. E havia mais de 200 pessoas, por certo. Como se fosse um samba de fundo de quintal, e era. Tudo modesto, tudo de verdade, tudo bem brasileiro.

Jamelinha é mangueirense roxa, embora verde e rosa. Os 10 filhos de seu Teodoro e de dona Maria Sena cresceram no boi. Jamelinha compunha e cantava as toadas para a dança que o pai, maranhense, trouxe para Brasília no começo da década de 1960. Virou compositora de escola de samba, do Bola Preta de Sobradinho e da Acadêmicos da Asa Norte.
Seu Teodoro morreu há sete anos, mas não morreu. As três filhas que estavam no Círculo Operário do Cruzeiro na sexta passada expandiam a cultura popular brasileira do boi para o samba, do samba para a sala de aula, da sala de aula para a vida.

Professora da rede pública, Jamelinha pesquisou a preservação da cultura popular em Sobradinho no projeto de fim de curso de graduação em História. Na pós-graduação lato sensu, estudou a participação das mulheres no boi desde 1963. Até então, elas eram invisíveis na festa, embora tivessem atuação decisiva na organização, na feitura das roupas, na composição das toadas, nas danças.

O ingresso custava R$ 15 para três atrações, um cadinho da Mangueira, a Dhi Ribeiro e o Kanela de Cobra. Quinze reais! (A entrada para Sandy e Júnior vai de R$ 70 a R$ 2.500, no mercado paralelo).
Mercês, Jamelinha e eu estávamos no Brasil onde R$ 15 valem muito mais que R$ 2.500. Mercês saiu leve que nem uma porta-bandeira: “Foi uma noite de clarões acendendo esperanças”. Jamelinha subiu ao palco, cantou e sambou com o Marquinho da Mangueira: “Estou encantada até agora”, ela me disse ontem, numa mensagem cheia de emojis felizes. É um Brasil que não está no retrato, um Brasil de Dandaras, Jamelinhas e Mercês.

Por Conceição Freitas – Fotos: Arquivo/Pessoal – Metrópoles


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