Delegado Rafael Sampaio, Presidente da Associação Nacional
de Delegados de Polícia Judiciária (ADPJ)
Pelo projeto de abuso de autoridade aprovado pelo
Congresso, pedir a instauração de investigação contra pessoa mesmo sem indícios
de prática de crime pode resultar em pena de seis meses a dois anos de
detenção. Isso vai deixar delegados com medo de instaurar inquéritos mesmo
quando houver evidências de crimes?
Como tantos dispositivos da nova lei de autoridade,
esse nos causa preocupação. Nos parece atécnico, posto que muitas vezes nós
instauramos inquérito sem indiciamento, mas para apurar o fato. Interessa à
Polícia Civil apurar o fato, a materialidade, a sua autoria e as circunstâncias
em que foi praticado.
Estender a investigação de forma injustificada pode
resultar em pena de seis meses a dois anos de detenção. Quem vai dizer se foi
ou não injustificado, até porque algumas investigações podem levar à inocência
de alguns suspeitos…
Na realidade, a investigação sempre se estende com
autorização judicial. A sistemática impõe que a autoridade policial sempre
requeira ao juiz um novo prazo para a continuidade das diligências. Então, esse
dispositivo vai afetar mais o Judiciário e o Ministério Público para que se
manifestem sempre sobre a continuidade da investigação.
No caso de juízes, decretar medida de privação da
liberdade de forma expressamente contrária às situações previstas em lei passa
a ser crime com pena de um a quatro anos de detenção. Isso não é subjetivo?
Juízes vão pensar mil vezes antes de decretar prisões, principalmente quando o
alvo for alguém com poder econômico e político?
Assim como tantos outros dispositivos dessa lei, há
um subjetivismo e uma incerteza muito grandes sobre os conceitos que giram em
torno dos elementos nos crimes. Isso gera muita insegurança jurídica. Não é
interessante para a persecução penal, visto que pode fazer com que os
servidores percam o ímpeto na atuação. Na verdade, ao Estado interessa que os
fatos sejam elucidados e a Justiça seja satisfeita.
Com o vazamento de conversas pessoais de
procuradores da Lava-Jato e do ex-juiz Sérgio Moro e mais essa medida para
conter investigações, acabou o combate à corrupção no país?
Dizer que acabou o combate à corrupção nos parece
exagero, mas, sem dúvida, nós vamos ter forças, aí falo da Polícia, com menos
ímpeto, considerando que haverá insegurança jurídica muito grande e sempre que
houver uma dúvida sobre a legitimidade do ato, não vamos praticá-lo. Isso faz
com que percamos capacidade operacional. Entendemos que os excessos devem ser
apurados, devem ser combatidos, mas não colocando o servidor no fio da navalha.
Para as forças policiais, é um duro golpe e há uma grande preocupação na
segurança jurídica para a atuação policial.
Acha que o presidente Jair Bolsonaro veta? Quais
pontos?
Vamos procurar a Presidência da República e
solicitar que o presidente, de acordo com a nota técnica que elaboraremos, vete
pontos dessa norma. Se ele vai vetar ou não, ainda não sabemos. Mas
consideramos que há alguns pontos que causam muita insegurança jurídica, como o
uso da algema, condução coercitiva e até mesmo essa execução de condução de
prisão ou de busca e apreensão sem a situação de flagrante delito e/ou mandado
judicial. Isso porque prima face a situação pode parecer aos executores da
condução uma situação flagrancial e quando se chega à delegacia de polícia,
observarmos que não há essa situação. Podem ocorrer equívocos. Não tem como
prima face nós garantirmos, até toda a análise probatória, se houve ilegalidade
ou não naquela apreensão, naquela prisão. Então, isso gera insegurança jurídica
muito grande, que deve ser combatida, sob pena de tornar a polícia
necessariamente omissa.
Se o presidente não vetar, como fica a situação
política do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, contrário à
lei de abuso de autoridade?
Creio que é preciso separar a situação política do
próprio governo. Até mesmo pelos posicionamentos do governo, deve haver vetos.
Acreditamos que o ministro continua firme no cargo.
Ana Maria Campos – Coluna “Eixo Capital” – Foto:
Ana Rayssa/CB/D.A.Press – Correio Braziliense
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