Até escolas que rejeitaram projeto serão militarizadas. Alegando que as
votações têm apenas caráter consultivo, o governador Ibaneis Rocha afirma que
vai implementar gestão compartilhada com a Secretaria de Segurança nos dois
colégios onde a comunidade decidiu não aceitar modelo
*Por Ana Viriato » Sarah Peres
Entrada do Centro de Ensino Gisno, na Asa Norte: 57,66% dos eleitores
votaram contra a gestão compartilhada, proposta pela Secretaria de Educação
Centro Educacional 1 do Itapoã: com 67% dos votos favoráveis, foi uma
das três unidades de ensino que decidiram adotar a militarização
O governador Ibaneis Rocha (MDB) decidiu ignorar o resultado das
consultas públicas no sábado a professores, pais e alunos de cinco escolas
sobre a adesão à gestão compartilhada com a Polícia Militar e implementar o
modelo mesmo nas unidades em que a proposta foi rejeitada. O Centro de Ensino
Fundamental (CEF) 407 de Samambaia e o Gisno, na Asa Norte, disseram “não” ao
projeto, enquanto o Centro Educacional (CED) 1 do Itapoã, o CEF 1 do Núcleo Bandeirante
e o CEF 19 de Taguatinga optaram pela mudança. O Sindicato dos Professores do
DF (Sinpro-DF) e deputados distritais da oposição estudam recorrer à Justiça
para barrar a medida.
"(A
eleição) Foi uma forma de envolver a sociedade no debate. Mas a decisão está
tomada. Só não vou implementar a gestão compartilhada nessas escolas se houver
decisão judicial contrária" Ibaneis Rocha, governador
O chefe do Palácio do Buriti afirmou que a decisão de militarizar as
cinco escolas baseia-se em estudos do governo. “Pelas nossas análises, a gestão
compartilhada atende melhor a sociedade. Os indicadores mostram a necessidade
do modelo. Além disso, a maioria dos pais e alunos dessas unidades votaram
favoravelmente. Quem votou contra foi justamente a parcela que não quer o bem
das escolas”, disse, sem dizer quem são essas pessoas.
Ibaneis alegou que as votações têm apenas caráter consultivo e, não,
vinculante. “Foi uma forma de envolver a sociedade no debate. Mas a decisão
está tomada. Só não vou implementar a gestão compartilhada nessas escolas se
houver decisão judicial contrária”, assegurou. O governador deve definir o
cronograma da entrada de militares nos centros de ensino hoje, em reunião com o
secretário de Educação, Rafael Parente.
Diretor do CEF 407 de Samambaia, Rodrigo Soares afirmou que “conversará
com a equipe e professores sobre a situação para firmar um posicionamento”.
“Sei que o governador quer o melhor para as escolas e tem o apoio dos pais dos
alunos”, pontuou.
O Correio tentou contato com Isley Marth, diretor do Gisno, mas não
obteve retorno. No início deste mês, ele protagonizou uma polêmica em meio à
discussão sobre a militarização. A Secretaria de Educação recebeu denúncias de
que Isley e o Sinpro-DF teriam suspendido aulas para orientar os alunos a
votarem contra o projeto.
Resultados: Nas escolas que rejeitaram a proposta, as votações foram apertadas. No
CEF 407 de Samambaia, 77,55% dos profissionais negaram o modelo. Entre pais e
estudantes, 60,32% disseram “sim” à militarização. O placar final registrou
58,49% dos votos válidos da comunidade escolar contra a mudança. No Gisno, 67%
dos professores, assistentes e temporários e 54,7% dos alunos e responsáveis
posicionaram-se pela rejeição da gestão compartilhada. No agregado, 57,66%
barraram o projeto.
No caso do Gisno, haverá conferência do quórum de votantes do segmento
pais, responsáveis e estudantes, hoje. É necessário que 10% deles tenham
participado. No entanto, a lista de pessoas aptas a votar não foi feita no
modelo para pleito. Se os pais têm mais de um filho na escola, por exemplo,
podem ter figurado mais de uma vez na lista, enquanto o correto para aferição
do quórum é constar apenas uma vez.
Apesar da divisão de opiniões, as votações ocorreram com tranquilidade.
O estudante Bruno Teixeira, 17 anos, cursa o 1º ano do ensino médio no Gisno e
acredita que a militarização traz mais segurança para a comunidade escolar.
“Aqui na instituição, ocorrem furtos constantes que não são solucionados. Esse
ano, levaram a minha carteira, por exemplo. Ou seja, falta mais disciplina e
controle. Isso é oferecido com a presença de militares em uma instituição”,
realçou.
Na contramão, Hilary Fehelberg, 18, acredita que as regras instituídas
na militarização colocarão em xeque a possibilidade de debate e a identidade
dos alunos. “Estudei em um colégio militar em 2013 e, a minha experiência, não
foi a melhor. Para mim, eles tentam criar soldados, não pessoas que veem um
espaço livre para a reflexão. Também não posso deixar de frisar as normas
quanto a cabelo e vestimenta. Isso vai contra a diretrizes base da educação,
que garantem a pluralidade de ideias e o direito da diversidade étnico-racial.
Nós temos o direito de usarmos o cabelo, as roupas e a maquiagem que
quisermos”, defendeu a estudante do 3º ano do ensino médio.
No último dia 10, o Centro Educacional Condomínio Estância III, em
Planaltina foi consultado e aderiu à gestão compartilhada. Considerando os
quatro primeiros colégios incluídos no programa, o DF conta com 10 escolas
militarizadas. A intenção do governo é que, a cada ano, 10 novos colégios
passem pela mudança.
“Postura autoritária”: A decisão de Ibaneis Rocha provocou críticas do Sinpro-DF e de
parlamentares. Rosilene Corrêa, diretora da entidade, afirmou que a postura do
chefe do Executivo “é uma demonstração de autoritarismo”. “A Lei de Gestão
Democrática estabelece a soberania das posições da comunidade escolar. E, ainda
que essa legislação não existisse, seria ao menos razoável que o governador
ouvisse as pessoas envolvidas no processo. As pessoas que o elegeram não têm
que comungar com 100% do pensamento dele”, argumentou.
Em nota enviada à imprensa, o distrital Fábio Félix (PSol) defendeu o
respeito à democracia escolar. “Trata-se de uma atitude ilegal e que ataca
diretamente a autonomia dos docentes, diretores, estudantes e responsáveis que
disseram não ao modelo. Fica evidente o desespero do governador ao constatar
que, aos poucos, o modelo vendido como salvação da educação pública está sendo
desmontado”, criticou.
Leandro Grass (Rede) adiantou que estudará as medidas cabíveis para
barrar a decisão. “O governo fez um pacto com a sociedade e o desrespeitará.
Ibaneis e a Secretaria de Educação não podem decidir tudo de forma unilateral.
Esperávamos respeito ao resultado das votações”, declarou.
Vice-presidente regional da União Brasileira dos Estudantes
Secundaristas (Ubes), Marcelo Acácio declarou que a entidade estuda a
realização de um ato em protesto à decisão do governador. “Desde o início,
houve falhas no diálogo, uma que vez que a militarização foi prevista em uma Portaria.
O que vemos é que a voz dos estudantes, pais e professores não tem valor”,
afirmou. O tema será discutido em audiência pública sobre a Lei de Gestão
Democrática na Câmara Legislativa, na próxima quinta-feira.
Resultados: Centro Educacional Gisno, Asa Norte; A favor da
gestão compartilhada: 42,33%; Contra a gestão compartilhada: 57,66%. Centro de Ensino Fundamental 19 de Taguatinga; A favor
da gestão compartilhada: 70,79%. Contra a gestão compartilhada: 29,21%. Centro de Ensino Fundamental
407 de Samambaia; A favor da gestão compartilhada:
41,38%; Contra a gestão compartilhada: 58,49%. Centro de Ensino Fundamental 1 do Núcleo Bandeirante; A
favor da gestão compartilhada: 53,97%; Contra a gestão compartilhada:
47,03%. Centro Educacional 1 do Itapoã; A favor da gestão
compartilhada: 67%; Contra a gestão compartilhada: 33%
»Regras: Com o convênio firmado entre as Secretarias de
Educação e de Segurança Pública, as unidades de ensino terão acrescidos aos
nomes o termo Colégio da Polícia Militar e serão submetidas à gestão
compartilhada. »Cada unidade escolar deve receber de 20 a 25 militares –
PMs ou bombeiros que estão na reserva ou sob restrição médica; » A
Secretaria de Educação continua responsável pela parte pedagógica, enquanto os
militares ficam com a gestão de aspectos disciplinares, administrativos e das
atividades de contraturno. » As escolas seguirão as Diretrizes
Curriculares da Educação da rede. Contudo, PMs ministrarão disciplinas
relativas à cultura cívico-militar, como ética e cidadania, musicalização,
esportes e ordem unida; » Os alunos receberão uniformes diferenciados,
produzidos pela Fábrica Social; » Meninas deverão usar coques e meninos,
cabelo curto; » Os responsáveis poderão acompanhar o dia a dia dos
estudantes na escola por meio de um aplicativo, que irá informá-los sobre a
frequência dos alunos, os horários de entrada e saída, o comportamento e o
desempenho escolar.
(*) Ana Viriato - Sarah Peres - Fotos: Ed Alves/C;B/D.A.Press
- Sarah Peres/CB/D.A.Press – Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press – Correio
Braziliense
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EDUCAÇÃO