Festa para a anciã
do quadradinho. Com desenvolvimento em torno da tradição religiosa e da
atividade agropecuária, Planaltina nasceu e, hoje, comemora 160 anos. No
entanto, o surgimento das primeiras comunidades na região data de 1811, com a
inauguração de uma igreja em homenagem a São Sebastião
*Por Jéssica Eufrásio
Ainda que seja a região administrativa de número
seis, Planaltina é a cidade mais antiga do Distrito Federal. Enquanto a área da
capital federal sequer havia sido delimitada, a então vila, conhecida como
Mestre d’Armas, desenvolveu-se em torno da fé e da agropecuária. Esse centro
urbano, dividido entre o DF e Goiás, cresceu e completa 160 anos hoje. A data,
no entanto, representa o dia em que o vilarejo foi transformado em distrito de
paz. O povoado, que cresceu em torno da Igreja de São Sebastião e guarda reflexos
do século 19 a 40 quilômetros da modernidade brasiliense, tem, na verdade, 208
anos.
A região nasceu
após um período em que tropas de bandeirantes percorriam o interior do país em
busca de pedras preciosas. Essas expedições ocorreram, principalmente, durante
a primeira metade do século 18. A busca por ouro e esmeraldas guiava esses
grupos e marcou o início da história goiana até meados do século 20. A
atividade mineradora favoreceu a ocupação de cidades como Formosa e Luziânia,
então Santa Luzia. Contudo, a pecuária e a agricultura favoreceram a fixação
desses grupos na região.
Com a decadência
da economia no século 19 e o fim da febre do ouro na Província de Goiás, as
transações comerciais se enfraquecem, a circulação monetária diminui, mas a agricultura
de subsistência e a pecuária ganham força. Aliada a isso, Planaltina surge em
meio a uma “febre de fé”. “Tratava-se de uma comunidade espalhada, que
trabalhava na fazenda e tinha autonomia. Não havia grandes comércios. A vila de
Mestre d’Armas surge daí. Mas esse grupo de fazendeiros teve um problema com
uma doença. Como fazem para superá-la? Prontificam-se a criar uma pequena
capela caso se curem”, explica o historiador do Arquivo Público do Distrito
Federal (ArPDF) Elias Manoel da Silva.
Em 20 de janeiro
de 1811 — após o fim da epidemia e durante uma missa de ação de graças —, a
comunidade entrega as terras para construção da igreja ao vigário de Santa
Luzia, como forma de pagar a promessa. A capela é erguida em homenagem a São
Sebastião. A ocasião configura, historicamente, a data oficial do nascimento do
Arraial de São Sebastião de Mestre d’Armas, atual Planaltina. Com a criação do
patrimônio ao santo — distrito urbano que surge ao redor de um território doado
para uma igreja —, cresce o aglomerado de comércios e pequenas cidades em
terrenos alugados pela capela.
Uma lei de 19 de
agosto de 1859 transforma a vila de Mestre d’Armas em distrito de paz. Cem anos
depois, pouco menos de um ano para a inauguração de Brasília, há uma festa em
comemoração ao centenário da cidade. Para Elias Manoel, confundir as datas
trata-se de um equívoco. “É um erro histórico compreensível. Quando se
construiu Brasília, a referência era essa (lei). Em 1959, houve uma festa para
celebrar os 100 anos do distrito de paz. Mas, para o surgimento do núcleo
urbano (da atual Planaltina), consideramos 1811, com a doação de terras por
fazendeiros locais para a construção da igreja”, completa o pesquisador.
Futura capital: A Constituição
Federal de 1891 — primeira da República — previa a reserva de uma área de 14,4
mil quilômetros quadrados no Planalto Central onde, futuramente, ficaria a
capital do país. Em 1882, a Comissão Exploradora do Planalto Central, conhecida
como Missão Cruls e liderada pelo astrônomo belga Louis Ferdinand Cruls, esteve
no Planalto Central para delimitar os vértices que, hoje, marcam o DF.
A pedra
fundamental que indica essa região foi instalada em 1922, em Planaltina. A
cidade, no entanto, existia há mais de seis décadas. A partir da construção de
Brasília, em 1956, o estilo de vida da cidade ganhou novos contornos. Mesmo com
os traços deixados por Oscar Niemeyer e Lucio Costa perto dali, a arquitetura
de Planaltina, marcada por casarões de adobe e o ar de cidade pacata,
manteve-se durante muitos anos.
Nascido em
Goiânia, o arquiteto Salviano Guimarães, 76 anos, cresceu na casa do avô,
Salviano Monteiro Guimarães, cuja casa tornou-se o museu da cidade e cujo nome
batiza a praça do Centro Histórico. Depois de passar anos estudando no Rio de
Janeiro — e em outros países, como a Argélia, onde foi pupilo de Oscar Niemeyer
— em 1975, ele voltou para a capital federal. Tornou-se professor da
Universidade de Brasília (UnB), mudou-se para Planaltina e, hoje, além de ser
proprietário de uma fazenda na cidade, é dono de uma casa vizinha ao museu,
onde, por coincidência, cresceu a mulher dele, a professora universitária
aposentada Maria Alice Guimarães, 74.
O casarão de adobe
comprado pelo casal foi restaurado, mas mantém as características originais. Do
mesmo modo que a história de Planaltina se entrelaça com a de Brasília, a de
Salviano Guimarães se mistura a das duas cidades. “Tenho uma relação de amor
com Planaltina. É a terra de meus pais, de meus avós. É onde me sinto bem. E é
uma cidade que tem vida cultural”, ressalta.
Os empresários
Manoel Davi Ramos Filho, 74, e a mulher dele, Maria Oneida Marques, 66,
deixaram o município de Monte Carmelo (MG) para adotar a região administrativa
como lar. Há cerca de 50 anos, eles se mudaram para a cidade na tentativa de
ganhar a vida. A escolha foi fácil. Manoel tem parentes em Planaltina,
onde acabaram ficando. Hoje, donos de uma loja de itens variados aberta há 30
anos, na Avenida Marechal Deodoro, eles falam sobre a abertura de Planaltina
para o comércio. “Minas Gerais é boa para morar, mas não para ganhar dinheiro.
Foi difícil no início. Como éramos de fora, ninguém confiava. A gente tem de
ser artista”, relata Manoel Davi.
Com dois filhos e
três netos, eles reconhecem a importância da cidade, mas lamentam a falta de
atenção por parte do governo para a solução de problemas. “Não penso em me
mudar daqui. Mas ainda falta os governantes fazerem mais. Aqui é uma cidade
histórica. Tenho esperança de que eles façam melhoras por aqui e e olhem mais
para o povo, para que Planaltina possa evoluir”, cobra Maria Oneida.
"Tenho atuado com o
objetivo de dar mais visibilidade para a cultura daqui, porque é muito rica. É
a cidade do meu coração, que me acolheu" Rozeli Costa, 55, artesã
Cultura
"Tenho uma relação de amor
com Planaltina. É a terra de meus pais, de meus avós. É onde me sinto bem. E é
uma cidade que tem vida cultural" Salviano Guimarães, 76 anos, arquiteto,
aluno de Oscar Niemeyer
Até hoje, o setor agropecuário movimenta a economia
de Planaltina. A cidade ficou em primeiro lugar entre as regiões
administrativas do DF como a que mais produziu feijão, soja, pimentão, laranja,
limão, maracujá, banana, leite, carne de frango, ovos e mel, em 2018, segundo
dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal
(Emater-DF). Mesmo assim, é o lado religioso que torna a cidade um atrativo
para milhões de fiéis todos os anos, especialmente durante as folias e a famosa
encenação da Via-Sacra, no Morro da Capelinha.
A particularidade de pulsar cultura não deixou as
veias da cidade, onde centenas de atores, artesãos, pintores e outros artistas
surgiram. Próximo à praça do Centro Histórico, onde a vida passa sem pressa,
mora a artista Rozeli Costa, 55. De família católica e com o dom da arte — como
ela mesma diz — a artesã conseguiu transformar o ofício da costura, exercido
pela mãe, em um trabalho reconhecido, principalmente, durante a Festa do Divino
Espírito Santo, celebrada em junho.
Desde 2006, Rozeli se dedica à produção de
bandeiras para o evento anual ou para encomendas. Cinco anos depois, a artista
expandiu a forma de trabalhar e passou a produzir estandartes. Ela diz que a
paixão pela cidade para onde mudou-se aos 15 anos torna-se cada vez mais forte.
“Comecei a trabalhar com as bandeiras por influência do passado, da infância.
Tenho atuado com o objetivo de dar mais visibilidade para a cultura daqui,
porque é muito rica”, ressalta Rozeli. “O que eu puder fazer em nome de
Planaltina, eu faço. A cidade tem um espírito de confraternização. É a cidade
do meu coração, que me acolheu”, completa.
Sócia-fundadora da Associação dos Amigos do Centro
Histórico de Planaltina (AACHP), Simone dos Santos Macedo explica que a força
da cultura regional tem capacidade de transformar a imagem da cidade. Ela
acrescenta que atrativos tradicionais se mantêm em alta, ao mesmo tempo em que
novas atividades ganham destaque. “Temos feito um trabalho com o viés de tirar
Planaltina da imagem de cidade da periferia norte (do DF) e violenta. Fora a
parte mais antiga, temos movimentos mais modernos. Há o Salão Mestre d’Armas,
de artes contemporâneas; uma galera do rap e do grafite. Todos esses movimentos
têm vindo com bastante força”, destaca.
Além disso, Simone menciona a resistência do Centro
Histórico da cidade, a preservação ambiental na Estação de Águas Emendadas e o
sincretismo religioso do Vale do Amanhecer. Ela cita a perda de casarões,
mas comenta que a “goianidade” não se perdeu. “O primeiro tesouro que a cidade
guarda é o Centro Histórico, que insiste em se manter de pé. Ainda é possível
chegar à praça dele e sentir que você está em uma cidade do interior,
diferentemente de uma de concreto, certinha, como Brasília. As pessoas ainda se
encontram na praça. E esse patrimônio cultural também é símbolo da história de
Brasília”, finaliza Simone.
Programe-se : Hoje; Sessão
solene em comemoração ao aniversário de Planaltina; Local: Centro
Educacional Delta; Horário: 19h. 23 de agosto: Samuzinho; Local: Praça do Estudante; Horário:
das 8h às 13h. 23 a 25 de agosto. Cruzada
Evangelística: Local: Estacionamento Funções. 24 de
agosto: Copa Planaltina de Fisiculturismo; Local: Complexo
Cultural; Horário: 16h. 25 de agosto: 1º
Encontro de 2 e 4 Rodas; Local: Restaurante Comunitário; Horário: das
9h às 18h. 27 e 28 de agosto; Festival de
Curta-Metragem: Local: Centro Cultural Delta. 31 de
agosto; Encontro de Família; Local: Praça da Estância
- Escola Classe 16 e CEI; Horário: das 8h às 12h.
(*) Jéssica Eufrásio - Fotos: Vinícius Cardoso
Vieira/CB/D.A.Press - Correio Braziliense
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EVENTOS