"Desde que ela desapareceu, na sexta-feira, não paramos de
procurar. Era uma pessoa tranquila, linda, estudiosa e dedicada. Infelizmente,
a encontraram morta. Era como se fosse da família" Paulo de Sá, pastor da
igreja frequentada por Letícia
*Por Alan Rios - Jéssica Eufrásio - Walder
Galvão
Jovem dedicada e batalhadora. A advogada de 26 anos assassinada em
Planaltina era casada, tinha um filho de 3 anos e prestava assessoria jurídica
no Ministério da Educação. Há seis meses, passou em concurso do Ministério
Público da União e aguardava ser chamada
Evangélica, Letícia Sousa Curado de Melo, 26 anos, era conhecida pela
fé, pela determinação e pela dedicação aos estudos. Em 2018, ela havia passado
no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e começou a estudar para
concursos. Neste ano, estava no que a família considerou “a melhor fase da
vida”. Ela morava com o marido, Kaio Fonseca Curado de Melo, 26, e com o filho
do casal, de 3 anos, em Arapoanga, bairro de Planaltina. Também era funcionária
terceirizada no Ministério da Educação, onde prestava assessoria jurídica.
Em fevereiro, a advogada foi aprovada no concurso público do Ministério
Público da União (MPU) para o cargo de analista e aguardava ser convocada. Em
junho, passou no processo seletivo para estudar na Fundação Escola Superior do
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). No último dia 5,
ela começou a frequentar as aulas do curso de pós-graduação em ordem jurídica e
MPDFT, destinado a quem deseja ingressar na carreira de promotor público.
As aulas programadas para a noite de ontem foram canceladas em virtude
do assassinato. “A Fundação e toda a nossa comunidade acadêmica se unem em
oração aos familiares e amigos de Letícia Sousa Curado. Nossos corações estão
em luto com a confirmação da morte de nossa querida aluna. Lembraremos dela
como uma mulher determinada, estudante dedicada, colega presente. Uma jovem
repleta de força de vontade e que tinha toda a vida pela frente, mas que
infelizmente foi ceifada por conta da violência”, comunicou a instituição de
ensino.
Luto:Por meio de nota oficial, o MEC também lamentou a morte da jovem. O
órgão informou que “presta solidariedade e apoio à família da vítima, amigos e
colegas de trabalho”. “O ministro da Educação, Abraham Weintraub, considera o
crime bárbaro e inaceitável e confia no trabalho das forças policiais e do
Poder Judiciário para que o culpado seja punido”, acrescenta o texto.
A seccional distrital da OAB também publicou nota lamentando a morte da
advogada. A entidade informou que, desde sexta-feira, quando começaram as
investigações, concentrou esforços para auxiliar na solução do caso e oferecer
apoio à família. A entidade informou, ainda, que acompanhará o processo na
Justiça. “(A OAB/DF) Informa que nomeará advogadas para atuarem como
assistentes da acusação durante o julgamento do crime, respeitando todos os
preceitos legais, com o objetivo que se chegue ao deslinde do caso com a
punição das pessoas que praticaram a conduta criminosa”, ressalta a nota.
Buscas: Na manhã de ontem, cerca de 30 pessoas percorreram
a área de matagal do Vale do Amanhecer em buscas de pistas que pudessem levar
ao paradeiro de Letícia. Pastor da igreja que a advogada frequentava havia três
anos e colaborador nas buscas, Paulo de Sá, 61, lamentou a morte da advogada.
“Desde que ela desapareceu, na sexta-feira, não paramos de procurar. Era uma
pessoa tranquila, linda, estudiosa e dedicada. Infelizmente, a encontraram
morta. Era como se fosse da família”, comentou.
Após receberem a notícia da morte, a maior parte do grupo seguiu para a
delegacia na tentativa de consolar os familiares de Letícia. Tios e primos
estavam desde a manhã e a tarde de ontem na porta da 31ª DP (Planaltina) em
busca de novidades sobre o caso. “Não dá para acreditar que isso aconteceu. O
importante, agora, é preservar a família”, concluiu o pastor Paulo.
Ser mulher é estar sob risco: por Fabriziane Zapata, juíza titular
do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Circunscrição
do Riacho Fundo e coordenadora do Núcleo Judicial da Mulher
No Brasil, desde 2015, a lei penal pune o crime de feminicídio, que
consiste em matar “a mulher por razões da condição de sexo feminino”. Segundo o
Código Penal, há razões da condição de sexo feminino “quando o crime envolve
violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de
mulher”. É feminicídio não apenas o caso em que vítima e seu algoz mantiveram
alguma relação afetiva, mas também quando os fatos criminosos evidentemente
demonstram que a “condição” de mulher foi decisiva para seu cometimento. Ser
mulher é, infelizmente, estar constantemente sob o risco de sofrer violências,
por toda a vida, desde criança até idosa, em todas as classes sociais e em
todas as raças.
Atualmente, cifras assustadoras (e vergonhosas) apontam o Brasil como o
quinto país do mundo que mais mata as suas mulheres. E, por isso, precisamos
falar sobre gênero, sobre as relações profundamente desiguais de poder entre
homens e mulheres. Afinal, o que faz um homem acreditar que ele pode eliminar a
vida de uma mulher quando ela se recusa a manter relação sexual com ele (ou
quando se recusa a um beijo, ou a um abraço, ou a qualquer ato lascivo) ou
quando ela se recusa a permanecer no relacionamento (aqui, a famosa frase “se
não for minha, não vai ser de mais ninguém”)?
Incentiva-se que meninos, desde muito cedo, sejam agressivos e que
mostrem que são homens (“homem não chora”, “homem não leva desaforo para casa”,
“vira homem!”). Na adolescência, ou mesmo antes dela, meninos são encorajados,
e até mesmo obrigados, a mostrarem toda sua virilidade (“já tem namorada?”,
“pegou quantas?”, “esse vai ser um garanhão!”). Além dos comentários mais
“inocentes” de familiares e amigos, ainda temos que nos atentar para
publicidades que reforçam os estereótipos de gênero, mostrando a mulher como um
corpo a ser consumido, em última análise, uma coisa. E se as mulheres são
apresentadas a todo tempo como coisas (umas mais valiosas, outras menos), a
partir do momento em que não servem mais, podem ser descartadas.
Por outro lado, paremos de julgar a vítima mulher. Afinal, a culpa pela
morte da mulher não é da “saia curta”, ou do seu “belo corpo”, ou porque ela
estava “andando sozinha na rua”. Ela foi morta porque existe uma cultura
machista que legitima a posição de superioridade de homens, perpetuando
relações violentas entre os sexos.
Não se trata de negar as diferenças entre homens e mulheres, mas de
afastar as ditas “masculinidades tóxicas”, a busca para se provar “macho” a
todo momento – estimulando violência, fechamento emocional, homofobia e
obsessão com dinheiro, sexo e poder.
Precisamos urgentemente de um movimento consciente de toda a sociedade
(homens e mulheres) para a educação de meninos e meninas, ensinando e
mostrando, no dia a dia, que têm os mesmos direitos e oportunidades (equidade
de gênero) e que merecem respeito. Somente através da educação, nas famílias,
nas escolas, nos meios de comunicação, que poderemos mudar esta cultura tão
nefasta que adoece todo o corpo social, e causa tanta indignação, frustração,
impotência, tristeza e sofrimento.
Correio Braziliense