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A arquiteta que nasceu com a cidade na cidade que nasceu com ela

A arquiteta que nasceu com a cidade na cidade que nasceu com ela. Maria Elisa Costa fez 85 anos dias atrás. Está tão presente no mundo virtual que poderia ter 25. Ninguém defende Brasília mais do que ela. (*Por Conceição Freitas)

Tem gente que está tão presente na vida da gente, e por tanto tempo, que parece não ter idade. Leva em si a eternidade. Uma dessas gentes é Maria Elisa Costa, carioca, arquiteta, inquieta internauta que na semana passada completou 85 anos. Quem acompanha o perfil dela nas redes sociais dirá que tem 25 ou 40, ou 50, ou mesmo 85, por que não?

Na contagem dos brasilienses apaixonados por Brasília, Maria Elisa tem pouco mais de 60, a idade em que ela nasceu para a cidade que nasceu com ela. Ou mais de 100, tamanha a defesa que faz da capital. Até pouco tempo, participava de todos os conselhos de defesa da cidade.

Na intensa vida virtual, Maria Elisa não trata só de pai, Brasília, arquitetura, política, meio ambiente e todos os demais assuntos que estremecem o Brasil e o mundo. Ela nos traz de volta o Brasil dos anos 1950 e 1960, de Tom e Vinicius, com quem conviveu – e não apenas com eles. Música, navios, família, artes plásticas, paisagismo, pequenos textos autorais.

De vez em quando, rememora as muitas viagens que fez, desde aquela, ainda bem menina, em 1938, quando Lucio Costa, Oscar Niemeyer, mulheres e filhos foram para Nova York. Os dois eram as estrelas da arquitetura moderna que o mundo estava começando a descobrir.

Maria Elisa mora um andar acima do lugar onde o pai inventou Brasília, num terraço do penúltimo prédio do Leblon. O apartamento, por si só, deveria ser tombado pelo patrimônio. Foi doutor Lucio quem o projetou, deitando a varanda para o mar como se o tempo todo o morador estivesse flutuando sobre o azul. Exceto um ou outro detalhe desimportante, tudo está como o pai quis e construiu. Até a louça de Macau, de que ele tanto se orgulhava, está lá
Os brasilienses, os brasileiros, a arquitetura e o urbanismo somos devedores de Maria Elisa, dívida que nunca poderemos pagar. Não fosse ela e o intenso amor pelo pai, muito do que Lucio Costa projetou, riscou, rabiscou, desenhou, pensou, escreveu e sonhou teria se reduzido a meia dúzia de livros, outra meia dúzia de estudos anteriores à morte dele, textos esparsos, entrevistas, cartas a jornais, alguns vídeos e um filme: O Risco, de Geraldo Motta Filho.

Lucio Costa era um escrevinhador compulsivo. Guardava papéis como quem tira a memória do lado de dentro. Recibos, bilhetes de viagem, comprovantes e papéis de carta de hotéis… até uma embalagem de cigarro se transformava num improvável diário. Com o tempo, livros, revistas, cartas, fotografias foram se aproximando da poltrona de doutor Lucio, até sobrar apenas o espaço do móvel e do corpo. Tudo era parte dele, como quem quer ficar, mas sabe que tem de partir. 

Maria Elisa percebeu isso e, desde a morte do pai, foi garimpando (a palavra nem é garimpar, porque tudo ali é ouro), foi ordenando, pouco a pouco, os milhares de papéis que hoje compõem a Casa de Lucio Costa, que, embora tenha esse nome, não tem sede física. Foi ela também quem ordenou, editou e traduziu do inglês e do francês os textos que compõem a biografia do pai, Registro de Uma Vivência, uma elegia ao humanismo.
Muito bom seria se o apartamento em que Maria Elisa mora pudesse ser teletransportado para o site, e pode, deveria. Conhecer aquele lugar é um modo de habitar, por instantes que seja, o tempo e o espaço em que Lucio viveu e inventou Brasília.

Brasília está em Maria Elisa não como herança, mas como existência quase física. A filha mais velha de Lucio Costa esteve ao lado do pai até, sem que o soubesse, em alguns dos instantes fundadores da cidade. Estava com ele na viagem de navio a Nova York, quando o arquiteto começa a esboçar o seu projeto de nova capital. E estava com Lucio no apartamento do Leblon, enquanto ele, silenciosa e solitariamente, inventava uma cidade. Foi a ela que ele mostrou, pela primeira vez, o esboço da cidade (“Era um rabisco e pulsava”, diria Drummond). 

Nenhum outro brasileiro tem no corpo e na memória o sentido original de Brasília. Viva Maria Elisa!


*Por Conceição Freitas – Fotos: Vinícius Santa Rosa - Metrópoles


1 Comentários

  1. Amei seu comentário. Relembrei certas fases. Sempre saudade. Beijos, Teresa.

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