Crônica para uma amiga que se cansou do vazio da
sedução virtual. Essas meninas estão a cada dia mais espertas, mais valentes,
mais comprometidas com a luta política, e menos dispostas a suportar o vazio - (*Por Conceição Freitas)
Uma amiga, na faixa etária entre 30/40 anos, talentosa, linda, vivendo a vida e querendo viver mais, me pede pra escrever uma crônica sobre o amor – é comigo mesma. Ela me diz que no mundo onde vive está todo mundo feliz da vida – com a quantidade de likes ou mensagens dos crushs, dos atuais, dos ex, dos conhecidos e dos a conhecer. Uma roda-viva de estimulações mútuas nas quais o gozo se realiza apenas como promessa.
É a versão digital da brincadeira do passa-anel, só que o anel não fica na mão de ninguém.
Uma amiga, na faixa etária entre 30/40 anos, talentosa, linda, vivendo a vida e querendo viver mais, me pede pra escrever uma crônica sobre o amor – é comigo mesma. Ela me diz que no mundo onde vive está todo mundo feliz da vida – com a quantidade de likes ou mensagens dos crushs, dos atuais, dos ex, dos conhecidos e dos a conhecer. Uma roda-viva de estimulações mútuas nas quais o gozo se realiza apenas como promessa.
É a versão digital da brincadeira do passa-anel, só que o anel não fica na mão de ninguém.
(Foi brincando de
passa-anel que descobri o corpo-erótico, o menino-masculino, a menina-feminina,
o jogo da sedução. Para quem não conhece, é uma brincadeira dos
pré-adolescentes do meu tempo. Meninos e meninas numa roda, de mãos coladas em
modo de prece, levemente entreabertas e postas diante do corpo. Alguém no meio
da roda tem um anel guardado entre as mãos e vai depositá-lo dentro das
mãos-cofrinho de um dos participantes, de modo que ninguém perceba – só os
dois, como segredos de namorados. Um terceiro tentará adivinhar com quem está o
anel.)
Foi desse modo que eu,
e imagino que muitos e muitas da minha geração e de anteriores, conheci o jogo
da sedução e descobri a diferença sexual ou, para ser contemporânea, o desejo
pelo outro ou pela outra.
O passa-anel dos homens
e das mulheres desse terrível tempo é um jogo sem fim, sem segredos, sem
vencedor e sem decepções, é um jogo que prefere a excitação imediata, fugaz e
vazia à escolha e à frustração. O anel não cai no cofrinho de ninguém, mas todos
têm a sensação de que por um breve instante o entreaberto de um tocou o
entreaberto do outro. E como ninguém quer correr o risco de ficar com o anel,
lidar com o anel, se frustrar com o anel, perder tempo como anel, se apaixonar
pelo anel, ser traído pelo anel, sofrer pra caramba com a perda do anel, tudo
termina onde começou – na sutil promessa de que o anel um dia pousará
docilmente entre as palmas da mão, num movimento delicado, palpitante e
secreto, como é o começo do amor.
Dias atrás, vi numa rede social:
Essas meninas estão a cada dia mais espertas, mais
valentes, mais comprometidas com a luta, e menos dispostas a suportar o vazio
do anel que não caiu no cofrinho das mãos postas quase em súplica.
Noutro dia, uma moça compartilhou um texto de
jornalismo científico: “A ciência diz que estar bêbado ou apaixonado é
basicamente a mesma coisa”. E comentava: “Tá valendo mais beber msm”.
O cientista aí de cima nunca deve ter se apaixonado
porque o amor não nos deixa bêbados, nos deixa alucinados. Nunca provei drogas
pesadas, mas imagino sensação semelhante à do LSD, do ópio, da heroína, dos
chás alucinógenos dos índios.
Deve haver por aí algum estudo científico para
medir a diferença entre paixão e amor, outra bobagem de quem nunca sentou na
calçada e chorou choro de pedra. Buscar essa diferença é querer mensurar o
imensurável. É querer entrar no jogo achando que tem o controle do que vai
acontecer, de até onde quer ir.
O amor não é mole, não. Ou como diz Nelson
Rodrigues, o amor não deixa sobreviventes. Mas, como diz Guimarães Rosa, na
pele de Riobaldo: o amor é a gente querendo achar o que é da gente.
A sensação de o anel tocando a palma da mão vale
toda uma vida. Dizem que os alucinógenos produzem uma excitação imediata,
fugaz, intensa e, por tudo isso, inesquecível. Quem provou quer repetir a
experiência sucessivamente. Só que ela pode ser mortal, como o amor.
Por Conceição Freitas – Foto/Arte: Stephanie Arca –
Metrópoles
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