Roberval
Belinati: O nosso limite é a lei Desembargador do TJDFT
Assuntos ligados ao Judiciário têm tomado boa parte
das discussões políticas deste ano. Novas legislações, decisões controversas e
polêmicas do poder são tópicos debatidos por especialistas, como Roberval
Belinati. Com 30 anos de carreira, entre atuações como juiz do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) e desembargador, Belinati foi
entrevistado pelo programa CB.Poder — parceria do Correio com a TV Brasília, e
comentou temas como a Lei de Abuso de Autoridade, o julgamento de Adriana
Villela e a decisão do ex-presidente Lula de rejeitar a progressão do regime
prisional. Confira a entrevista completa no vídeo abaixo:
Que avaliação o senhor faz da Lei de Abuso de
Autoridade e o que pode mudar no Judiciário quando ela entrar em vigor? Acredito que essa nova lei está deixando os agentes
públicos com mais cautela, mas não é nenhuma novidade. A lei velha, de 1975,
que foi afinada pelo ex-presidente Castelo Branco, esteve em vigor até poucos
dias e trazia praticamente tudo que a nova lei está mencionando. Nós, da
magistratura, não estamos temendo nenhuma novidade. O que caracteriza o crime
de abuso é a má-fé do agente público. Se um juiz determina prisão ilegal de
alguém, agindo de má-fé, sabe que vai responder. Por exemplo, alguém representa
ou denuncia dizendo que o juiz decretou prisão de um inocente, para fazer
alguma maldade. A vítima desse abuso pode representar. O Ministério Público vai
avaliar a conduta do juiz, saber as circunstâncias do ato, da decisão, como ele
decretou a prisão... se chegar à conclusão de que ele quis prejudicar a pessoa,
vai oferecer uma denúncia no próprio Poder Judiciário. Então, o juiz vai avaliar
a conduta do colega para apurar a imputação. Trabalhamos com cautela e nosso
limite é a lei. Quem ultrapassar responderá pela lei de abuso.
Semana passada foi encerrado o julgamento de
Adriana Villela, condenada a 67 anos de prisão no Tribunal de Júri. Ela saiu
livre do julgamento. O que leva a liberdade de uma pessoa depois de um caso
como esse? Existe uma jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal (STF) dizendo que o réu que responde em liberdade tem o direito de
aguardar o trâmite julgado em liberdade até a decisão do segundo grau. Ela
ficou 10 anos em liberdade, foi condenada e saiu do júri sem ser presa,
algemada, porque está amparada pela jurisprudência em vigor. Não havia nenhum
fato novo para decretar a prisão dela. Agora ela vai aguardar a segunda
instância em liberdade. Não havendo nenhuma mudança na jurisprudência do
Supremo, ela poderá ficar em liberdade até que o tribunal examine o recurso.
Por isso, sou a favor do pacote anticrime do ministro Sérgio Moro, que defende
a prisão após a condenação do Tribunal de Júri, que é soberano. Foi condenado é
cadeia, vai cumprir a pena a partir do julgamento.
Ela foi condenada a 67 anos de prisão, mas quanto
tempo ela ficará presa de fato? E por que esse julgamento foi tão longo? Usando a matemática, vai cumprir em torno de 40%,
se não houver mudança dessa pena. O Ministério Público está querendo aumentar
para 90 anos, dizendo que a pena deveria ser somada pelas três mortes e pelo
furto. O julgamento foi longo porque ela tinha bons advogados que recorreram,
lutaram, apresentaram todos os recursos que puderam. Houve divergência na
primeira turma, um colega entendeu que ela era inocente. Foi para a Câmara
Criminal, que entendeu que havia indícios suficientes de autoria e
materialidade. Ou seja, ela tinha um bom advogado que fez um bom trabalho.
Todos somos iguais perante a lei, mas um advogado nesse nível luta muito mais
ao favor da pessoa. Um pobre coitado não vai ter um advogado que interpõe todos
os recursos possíveis. É uma realidade que todo mundo conhece no Brasil.
O senhor sempre recebeu bem advogados, o Ministério
Público, é uma pessoa de fácil acesso. Dentro desse seu perfil, analisando as
conversas vazadas que mostram uma relação do ex-juiz Sérgio Moro com
procuradores da força-tarefa de Curitiba, viu excesso? Algo fora do normal? Li todas as publicações dos vazamentos dos
diálogos. Não vi nenhum diálogo que comprometesse a imparcialidade do ministro
Sérgio Moro. Eu não anularia nenhum julgamento. Mas houve prejuízo moral, ficou
feio para ele e para o pessoal da Lava-Jato divulgar que, nos bastidores,
estavam conversando, combinando sobre provas. Não ficou bonito. Todo mundo sabe
disso. Mas nada que comprometesse a lisura dos julgamentos.
O ex-procurador Rodrigo Janot passou por aquela
polêmica dizendo que queria matar o ministro Gilmar Mendes. Por fim, o
governador Ibaneis pediu a cassação da carteira da OAB de Jantot. O senhor acha
que essa mão foi pesada demais ou tem que ser cassada mesmo? Acho que toda autoridade, qualquer advogado, pode
pedir ao tribunal de ética da OAB uma investigação da conduta do advogado para
dizer se tem ou não condições morais para continuar exercendo a profissão.
Porque, quando se fala de um advogado que comete uma ação errada, está se
falando da OAB também. Então, o tribunal de ética pode examinar. Também
quiseram cassar a carteira do Joaquim Barbosa, mas não foi cassada. E nós temos
vários exemplos. Se houve mão pesada ou não, depende da avaliação do governador
Ibaneis.
Lula teria direito a progredir deregime para prisão
semiaberta, mas não quer. Ele pode fazer isso? Pode ser obrigado a sair da
cadeia? Já vi duas posições na doutrina. Alguns juristas
acreditam que a pena deve ser progredida, e isso é uma etapa do cumprimento da
pena, sem perguntar se a pessoa aceita ou não. Essa corrente entende que é
obrigação. A outra diz que é um direito, é um benefício que pode ser recusado.
Entendo que ele tenha direito de recusar. Tivemos o precedente da Suzane Louise
Von Richthofen que recusou, e o Tribunal de Justiça de São Paulo, a Vara de
Execução, concordou. Só não pode recusar quando termina a pena. A penitenciária
não é hotel de cinco estrelas, o Estado gasta R$ 2.500 por mês para cada preso.
É muito dinheiro. (Vídeo)
Por Alan
Rios – CB.Poder – Foto: Vinny CB/D.A.Press - Correio Braziliense