Pontes que cruzam o Lago Paranoá são repletas de histórias; conheça
algumas. Por elas trafegam diariamente 274 mil veículos, muitas se
transformaram em cartões-postais da cidade e agora muitas necessitam de cuidado
e investimentos. Conheça um pouco das histórias e personagens dessas
construções que ornamentam o Lago Paranoá
*Por Bruna Lima
Sobre as terras vermelhas e um pequeno vilarejo desocupado, o cerrado
virou lago, em 1959, a partir das águas represadas do rio Paranoá. Dois anos
mais tarde, a travessia pelo braço do Córrego Bananal foi inaugurada. A Ponte
do Bragueto permanece sendo o eixo de escoamento do trânsito da área central de
Brasília à Saída Norte. Entre uma margem e outra do Lago Paranoá, hoje são seis
pontes que possibilitam o fluxo diário de mais de 274 mil veículos.
Com o projeto da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), o
primeiro acesso sobre as águas ao Lago Paranoá foi construído pela empresa
Bragueto. À época, era comum encontrar placas com o nome das construtoras, o
que acabava servindo como um identificador da obra. Há quem diga que o nome é
uma homenagem a um operário pioneiro da cidade. De uma forma ou outra, este é o
nome oficial registrado para a construção que, com a recente ampliação do Trevo
de Triagem Norte, ganhou duas ramificações: a ponte Leste e a Oeste. Mesmo
sendo a primogênita e filha única durante 14 anos, não se atribui a ela o
título de “primeira ponte”.
A referência de pioneirismo fica a cargo da Ponte das Garças. A
quantidade de pássaros que pousavam nas estruturas deu nome à passagem. O que
poucos sabem é que Ponte das Garças é apenas um apelido, já que o nome oficial
é Ponte Presidente Médici, uma homenagem ao general-presidente, que exerceu
mandato entre 30 de outubro de 1969 e 15 de março de 1974.
Fim do isolamento: (Nicolas Behr: beleza poética e turística das pontes brasilienses) - Por desembocar no Centro Comercial Gilberto Salomão,
a travessia de 300m de comprimento e 18m de largura também ficou conhecida como
Ponte Gilberto Salomão ou do Gilberto, para os mais íntimos. É assim que o
advogado José Cupertino, 64 anos, até hoje se refere ao local. Morador de
Brasília desde 1961 e frequentador do Lago Sul, antes mesmo da conexão entre as
duas margens, ele conta que os encontros com os amigos que moravam do outro
lado das águas ficaram mais rotineiros. “Era uma necessidade antiga dos
moradores que viviam isolados. A única entrada viável acontecia pelo balão do
aeroporto, conhecido como ‘Bambolê da Dona Sarah’. Era um local muito bonito,
ajardinado, mas também relativamente perigoso por ser um ponto de rachas
(corrida de carros)”, lembra.
Além de comodidade, o acesso também trouxe valorização imobiliária para
o Lago Sul. “Os lotes eram repassados a preços simbólicos. A especulação
imobiliária só cresceu depois que se viabilizou a passagem”, afirma Cupertino.
A obra durou pouco mais de seis meses, sendo inaugurada em 14 de janeiro de
1974. Segundo o engenheiro projetista Walmor Zeredo, 85 anos, se trata de uma
construção simples e objetiva, pensada para cumprir o desejo do então governador,
Hélio Prates, de concluir o mandato sendo o responsável pela construção da
primeira travessia a beneficiar os moradores do Lago Sul.
“A Ponte Costa e Silva já estava em construção, mas acabou interrompida
(temporariamente). Como o problema estava difícil de resolver, a solução do
governador foi fazer uma nova ponte. Topei. Foi uma correria para inaugurar,
uma aventura fantástica”, conta Walmor.
Em todas as estruturas sobre o Lago, há um dedo de Walmor, que tem mais
de 200 obras entre pontes e viadutos, somente na capital. Ele acompanhou a construção
da Terceira Ponte e é dele o cálculo do Trevo de Triagem Norte, que inclui as
duas novas pontes paralelas à do Bragueto. “Na Segunda Ponte, eu fiz a reforma.
Antes só existiam duas faixas, uma de ida e outra, de volta. Acrescentamos uma
pista e fizemos as barreiras com pré-moldado, uma novidade à época”,
acrescenta.
Oscar: A ponte que abriu o rol de construções sobre as águas, em 1973,
para ligar a Avenida das Nações à Península Sul, antigamente era conhecida como
Ponte do Oscar. Isso porque foi projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, seis
anos antes de sair do papel. “A ponte deve apenas pousar na superfície como uma
andorinha tocando a água”, escreveu o criador de Brasília. Tornar realidade a
idealização não foi uma tarefa fácil. Por anos, ficou paralisada, sendo
concluída somente em 1976.
A obra se tornou não apenas um marco da arquitetura, mas um feito
histórico. A complexidade da construção transpassa o nível das estruturas —
formada por um vão central de 200 metros e outros dois laterais de 100 metros,
cada — e recai sobre a identificação. Batizada pelo criador como Ponte
Monumental, mais tarde virou Ponte Costa e Silva, segundo presidente da
ditadura militar. O período em que governou ficou conhecido como “anos de
chumbo”, pela censura e repressão aos opositores.
Em 2012, um coletivo de arte urbana fez uma modificação na placa e
rebatizou a ponte de Bezerra da Silva, um sambista pernambucano. A ação visava
chamar a atenção para a homenagem de um presidente não eleito democraticamente
e responsável pela instauração do AI-5.
Em 2015, o nome foi oficialmente trocado para Honestino Guimarães, líder
estudantil morto durante o regime militar. A Justiça, no entanto, revogou a
lei. A mais recente intervenção quanto à nomenclatura da ponte faz jus ao palco
democrático que se tornou a arquitetura. Um grupo de feministas fixou uma faixa
em tributo à Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada em 14 de
julho de 2018, após sair de um debate com jovens negras, na Lapa (RJ).
Reflexão: O conjunto da obra, com os aspectos políticos, artísticos e
naturais, é o que faz da Segunda Ponte — mais uma das nomenclaturas atribuídas
ao local — a que mais inspira o poeta Nicolas Behr. “É a mais charmosa delas.
Me provoca um sentimento estético que inspira e é, de fato, monumental,
totalmente harmônica com Brasília, diferente da ponte JK, que, na minha
opinião, compete com a cidade, acaba sendo metida demais”, brinca.
Inaugurada em 2002, a Ponte Juscelino Kubitschek, também conhecida como
Ponte JK ou Terceira Ponte, também fez o exagero refletir nos cifrões. A
estrutura de 1,2 quilômetro de comprimento e 40 metros de altura ostenta o
título de mais bela ponte do mundo — o projeto de Alexandre Chan recebeu o
prêmio Gustave Lindenthal Medal na Conferência Internacional de Pontes, em 2003
— e chegou a custar R$ 186 milhões, quase cinco vezes mais do que a estimativa
inicial. Pela acusação de desvio de dinheiro público destinado à área de saúde
do DF, a passagem também foi ironicamente chamada como de Ponte dos Remédios, à
época das denúncias do Ministério Público.
“Não deixa de ter a importância turística e funcional nem de embelezar a
capital aos olhos de muitos”, pondera Nicolas Behr. Para o poeta, há apenas um
problema que assola todas as pontes. “Ainda temos uma ditadura. Ela que afasta
o olhar mais poético e que, muitas vezes, é a única solução devido à falta de
alternativas de mobilidade urbana. Vivemos a ditadura do trânsito e não tem
ponte que sustente.”
Intervenção: Os 12 artigos, 10 parágrafos e sete itens do Ato
Institucional nº 5 davam ao presidente, à época o general Costa e Silva,
poderes para cassar mandatos eletivos, suspender direitos políticos, demitir ou
aposentar juízes e outros funcionários públicos, suspender habeas corpus em
crimes contra a segurança nacional, legislar por decreto e julgar crimes políticos
em tribunais militares.
Necessidade de manutenção: A queda do viaduto no Eixão Sul, em fevereiro
de 2018, acendeu o alerta sobre os riscos e necessidades de intervenções em
outras obras. As pontes do Bragueto, Costa e Silva e das Garças entraram no rol
das 12 estruturas que deveriam passar por reparos urgentes, segundo relatório
do Tribunal de Contas do DF.
Em junho, outras duas travessias (Leste e Oeste) na Saída Norte
substituíram completamente o trânsito da Ponte do Bragueto, construção que
apresentava buracos, erosões, rachaduras e infiltrações. As pontes paralelas
fazem parte das obras do Trevo de Triagem Norte, rebatizado, por meio de
decreto, como Complexo Joaquim Roriz, em setembro de 2018.
A remodelação da Ponte do Bragueto, iniciada em junho, é a última fase
da obra do complexo, que inclui, ainda, a implantação de pistas marginais,
ciclovia e 13 viadutos. De acordo com o Departamento de Estradas de Rodagem
(DER-DF), a previsão para a finalização das obras é março de 2020.
Os reparos e manutenções das outras três passagens sobre o Lago Paranoá
são de responsabilidade da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap). A
primeira a passar por intervenções foi a Ponte das Garças.
Em março de 2018, a empresa efetuou trabalhos de recuperação dos
guarda-corpos, laje do canteiro central, drenagem e capa asfáltica.
Recentemente, foram realizadas vistorias com inspeção subaquática, quando se
constatou que seria preciso fazer manutenções corretivas e preventivas nos
pilares centrais. “A Novacap está desenvolvendo projeto básico de recuperação
estrutural para contratação de obra com elaboração de projeto executivo, a ser
finalizado até 2020”, informa, por meio de nota oficial.
Quanto à Ponte Costa e Silva, estudos também apontaram a necessidade de
manutenções, além de revitalização do guarda-corpo, iluminação e do
revestimento asfáltico. A licitação para executar as demandas deve ser aberta
entre outubro e dezembro e está estimada em R$ 10 milhões.
A Ponte JK também passará por reforço, recuperação estrutural e
revitalização, incluindo repintura dos arcos e recapeamento asfáltico. O
processo licitatório, no entanto, foi interrompido no ano passado e, por isso,
o projeto passa por uma atualização orçamentária. A estimativa é que o novo
edital seja liberado em outubro, com estimativa de gastar R$ 30 milhões com as
obras.
(*) Bruna Lima – Fotos: Breno Fortes/CB/D.A Press) -
Arquivo Público do Distrito Federal/Divulgação) Acácio Pinheiro – Correio Braziliense