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É difícil não gostar


É difícil não gostar

*Por Humberto Rezende

Não gosto de futebol. Se for para ser sincero, sou obrigado a admitir que não aprecio o esporte mais popular da Terra. Há muitas evidências: praticamente, não assisto a nenhum jogo do meu time — escolhido por influência do meu pai —; quando ouço um nome como Bruno Henrique não sei se estão falando de um atleta ou de uma dupla sertaneja; e só me animo mesmo com o jogo quando chega a Copa do Mundo e me transformo naquela tia que perdeu os primeiros capítulos da novela e fica perturbando os outros com incessantes “E esse aí, quem é?”.

Os motivos para o desgosto são vários. Um jogo de futebol, convenhamos, demora. E fica muito tempo sem acontecer nada! E quando não demora a acontecer, e um time faz gol logo no começo, aí é que lasca tudo. Vira uma tal de um “na retranca” e o outro com “dificuldade de criar” que o troço se torna mais tedioso que Brasília nos anos 1960.

Além disso, tem os torcedores, né? Parece que comentar a simples derrota do time do coração é o mesmo que ofender a mãe, o pai e os avós do sujeito, que vira um monstro em milésimos de segundo. Ver torcedor brigando com torcedor, amigo mandando amigo praquele lugar e aquele bando de grito racista e homofóbico que continua existindo nos estádios me afasta ainda mais do futebol.

Mas aí o Flamengo chega à final da Libertadores, depois de 38 anos. E eu começo a sentir uma coisa estranha, que há muito tempo não experimentava: vontade de ver um jogo de futebol que não é da Copa do Mundo. Pela primeira vez em 13 anos de relacionamento, viro para o meu amor e digo que, sábado à tarde, quero ficar em casa para ver futebol. Ela topa e fica comigo, e até torce para o Mengão, o tal do time que meu pai me convenceu ser o melhor quando eu era garoto.

O jogo começa e toda a minha impressão negativa começa a voltar. O River faz 1 x 0 depois de um erro tosco da defesa do Flamengo e nada (na-da!) mais acontece. “Pra que fui ver isso?”, começo a me perguntar, lamentando a depressão em que metade do país está prestes a cair caso a derrota rubro-negra se confirme. E, então, quando tudo está perdido, o garoto com nome de dupla sertaneja faz uma jogada linda e coloca a bola na área para um sujeito com sobrenome espanhol cruzar para Gabigol, Gabi Gol, Cabe Gol, não sei, empatar o jogo.

“Goooooool!” O grito sai espontaneamente, forte e meio fino, sem me dar tempo de pensar se estou sendo ridículo ou não. Estou claramente emocionado com o gol do Flamengo e, pouco depois, muito entusiasmado com um segundo gol. E muito feliz de ter ficado em casa para assistir a um jogo de futebol.

Então me lembro de uma noite, quando tinha 8 anos, e fiquei acordado até mais tarde para ver a final de 81 com meu irmão e meu pai. E me lembro de alguém do Flamengo fazendo um gol e meu pai levantando do sofá e gritando e jogando a almofada para cima. Eu abraçando meu irmão, os dois gritando também. E minha mãe chegando na sala, com cara de brava porque foi acordada com nossos gritos, mas logo sorrindo ao ver a felicidade de todo mundo.

E aí eu entendo que é muito difícil não gostar do futebol. E já nem sei se não gosto de futebol. Acho que, na verdade, eu amo futebol.

(*) Humberto Rezende – Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google


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