Tá tudo liberado?
Agora que ficou mais fácil um camelo passar pelo
fundo de uma agulha do que um ladrão dos cofres públicos ser preso no Brasil, a
pergunta que não quer calar: ainda faz sentido esse tipo de crime ser julgado
em primeira, segunda e até terceira instância? Ora, se as decisões desses
magistrados de nada valem diante da suprema presunção de inocência dos bandidos
de colarinho-branco e do infindável arsenal de recursos à disposição das bancas
advocatícias, não seria melhor esse tipo de processo começar a ser julgado
diretamente pelo STF?
Mais: agora que o trabalho da Lava-Jato, maior
operação de combate à corrupção de que se tem notícia no mundo, corre o risco
de se tornar inútil, não seria melhor desativá-la, uma vez que de nada valerão
investigações, denúncias, inquéritos e julgamentos da força-tarefa? Outra
pergunta que não quer calar: se funcionários do BC e da Receita estão
proibidos, salvo com autorização judicial, de alertar o Ministério Público
sobre movimentações suspeitas dos inocentes bandidos do colarinho-branco, não é
melhor poupar os servidores desse vexaminoso constrangimento?
Por um breve momento, quando o então juiz Sérgio
Moro, procuradores, policiais federais e órgãos de inteligência começaram, de
forma implacável, a desbaratar esquemas de corrupção, julgar e colocar na cadeia
bandidos até então intocáveis, a população aplaudiu e passou a acreditar na
Justiça. As veias abertas da ladroagem, expostas por investigações e confissões
de participantes da orgia criminosa, assombraram o Brasil e o mundo pela
magnitude da maracutaia e desfaçatez das almas mais honestas do país. Só da
Petrobras, estima-se, desviaram mais de R$ 40 bilhões.
Com o avanço das investigações da Lava-Jato, ficou
evidente que roubar era a regra do jogo no Brasil. A corrupção se entranhou de
forma sistêmica na máquina pública. Onde quer que houvesse algum dinheiro a ser
surrupiado, lá estava uma quadrilha a raspar o tacho. Roubaram até os trocados
do lanche das criancinhas. A lista de excelências que acabou atrás das grades
parecia não ter fim. Dirceu, Cunha, Cabral, Gim, Geddel, Pezão, Palocci, donos
de empreiteiras, Lula...
Agora, como num passe de mágica, as excelências
começam a deixar a prisão. Será que ainda existe o risco de algum bandido,
mesmo condenado em três instâncias, ser preso por assalto aos cofres públicos?
Sinceramente, o risco é quase zero. Quer dizer que está tudo liberado outra
vez? Bem, no Congresso e nas ruas, ainda há vozes que se insurgem e tentam
aprovar emenda à Constituição para acabar com a farra. Mas é missão quase
impossível. Afinal, o que há de parlamentares na mira da Lava-Jato...
Pior é ver essa turma deixando a prisão e fazendo de conta que nada tem a ver com a crise que afundou o país neste abismo de lama, com milhões de desempregados, do qual ainda não conseguimos sair. Somos, oficialmente, o país da impunidade.
Por
Plácido Fernandes Vieira – Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog-Google
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JUSTIÇA