A Torre de TV não é a Torre Eiffel. É mais bela e
da nossa aldeia. É a torre de Lucio Costa, lembrança afetiva da irmã
parisiense. Quando se veste de Natal, vira uma constelação de estrelas e de
sonhos, (*Por Conceição Freitas)
A única vez que fui a Paris,
o carro passou rente ao pé da Torre Eiffel.
Levei um baita susto. Aquele volume fabuloso de aço me humilhou e irritou. Como
uma torre podia ser mais bela que a de Lucio Costa? O Tejo, afinal, é mais belo
que o rio que corre pela minha aldeia. Mas não é o rio que corre pela minha
aldeia.
A torre de Lucio Costa é 107
metros menor e 78 anos mais nova que a de Gustave Eiffel. As duas têm
parentesco tecnológico e afetivo. Construída para a Exposição Universal de
1889, em comemoração aos 100 anos da Revolução Francesa, a
Eiffel quis exibir ao mundo o avanço da tecnologia de construção em metal e a
velocidade da produção industrial. Seria provisória, como a exposição; se
transformou no monumento com entrada paga mais visitado do mundo.
A torre brasiliense é uma lembrança afetiva da
torre parisiense. Lucio Costa revela, em Registro de uma vivência que Brasília
tem filiação intelectual francesa. O arquiteto passou quase toda a infância,
até o começo da adolescência, na Europa. Nasceu em Toulon, na França, mas foi registrado como brasileiro, por ser
filho de brasileiros que voltariam a morar no Brasil.
Se poucos sabem que a Torre de TV, o mais majestoso
mirante da cidade, é obra de Lucio Costa, são menos ainda os que sabem de quem
foram os cálculos da estrutura de concreto armado que sustenta a árvore de aço
– do engenheiro Joaquim Cardozo, um dos mais respeitados poetas modernos
brasileiros, responsável por manter de pé boa parte das obras de Oscar Niemeyer
(as duas cúpulas do Congresso, entre elas). O projeto da estrutura metálica foi
do engenheiro Paulo Rodrigues Fragoso.
Uma torre de aço espichada no canteiro do Eixo
Monumental pode parecer a cereja do bolo Brasília, uma ostentação desnecessária
para uma cidade tão concisa. A torre são muitas: é um mirante de onde todos
podem perceber o lirismo de uma cidade aparentemente cartesiana; é “um elemento
plástico, integrado na composição geral”, escreve Lucio Costa no item 10
do projeto de plano-piloto para a nova capital do Brasil.
A torre de Lucio é a quarta estrutura mais alta do
Brasil – só perde para uma torre de observação na Floresta Amazônica, para as
torres da linha de transmissão de energia entre Tucuruí-Manaus-Macapá e para a
Torre da Rádio Gaúcha, em Guaíba (RS). Ela fica ainda mais alta que as demais
porque está a 1.120 metros acima do nível do mar.
Houve, também, a intenção de orientar a
(desnorteada) alma brasiliense, de interromper o imenso vazio entre a terra e o
céu, atraindo o olhar humano para duas construções verticais que se miram em
linha reta, uma erguida a leste (as duas torres do Congresso Nacional) e a
outra, a oeste. Como se Lucio Costa não quisesse nos deixar tão desorientados
com a imensidão do céu e das terras inchadas do Planalto Central. Mais ainda, a
Torre é um contraponto para a percepção das escalas do Plano Piloto. Um farol
em mar aberto, que tudo vê e que é visto por todos.
Se era pra ter uma torre, que ela tivesse função
prática. E se tornou a antena de transmissão dos sinais de rádio e tevê, e, por
algum tempo, lugar de onde as pessoas pulavam para fugir das insuportáveis
dores do viver. Até que se ergueu um guarda-corpo para interromper as
sucessivas tragédias.
A torre de Gustave é toda em aço; a de Lucio, tem
uma base de concreto armado, três pilotis em forma de U. O arquiteto brasileiro
casou o concreto armado com o metal, duas técnicas fundantes da arquitetura do
século XX, como bem disse o historiador de arquitetura Yves Bruand.
A torre de TV está na alma brasiliense. Capital
Inicial soube dar sentido à estrutura de treliça metálica: “As ruas têm cheiro
de gasolina e óleo diesel/Por toda a platafooorma, toda a platafoorma/Por toda
a plataforma, você não vê a torreeeee”.
Era preciso ver a torre, ver o corpo de aço que
aponta para o céu e que está ao mesmo tempo firmemente sustentado na terra. A
torre está a oeste, mas é um norte. Cintilada das cores da natividade, é um
norte que nos oferece um nascedouro de sonhos.
(*) Por Conceição Freitas – Fotos: Reprodução - Metrópoles