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Obrigado, José Aparecido


Obrigado, José Aparecido

*Por  Silvestre Gorgulho 

José Aparecido de Oliveira (1929-2007) foi um sonhador que realizava. Nunca se fez tanto, em tão pouco tempo, para honrar a dignidade cultural, cívica e social de Brasília, desde quando José Aparecido de Oliveira deixou o Ministério da Cultura, em 5 de maio de 1985, para assumir, no dia 9, o governo do Distrito Federal. É bom lembrar: o governo de Brasília foi o único cargo de primeiro escalão que o presidente eleito Tancredo Neves não havia preenchido. E foi o primeiro cargo do alto escalão da livre escolha do então presidente José Sarney. Zé Aparecido foi governador por três anos e quatro meses (9/5/85 a 19/9/88), tempo para ousar, romper privilégios e revolucionar na gestão da Capital da Esperança.

Vivi intensamente o governo Aparecido, como amigo e secretário de Comunicação. Zé Aparecido era perfeccionista contumaz. Quantas vezes o vi irritado diante do ritmo paralisante da máquina burocrática, que adia a reimplantação de soluções efetivas já adotadas. Foi um governador que mergulhou firme nos problemas estruturais de Brasília. Iniciou de forma definitiva a despoluição do Lago Paranoá, começou a construção de Samambaia e fez uma guerra sem fim contra o retalhamento do solo federativo. Iniciou os estudos para a construção do metrô.

Com a moral de um governante de mãos limpas, pôde convocar a iniciativa privada para construção de monumentos públicos. Estão todos aí: o Panteão da Pátria, o Teatro Amador, o Espaço Oscar Niemeyer, o Espaço Lucio Costa, a Casa do Cantador (em Ceilândia), e o Museu da Memória dos Povos Indígenas. Disse convocou, não contratou. A verdade é que Zé Apareci do permitiu que a miragem do terceiro milênio batesse à porta do Palácio do Buriti. Deu asas a Brasília para alçar voo generoso sobre a própria comunidade. Sobre o Brasil e o mundo.

É muita coisa para recordar. Foi ele quem presidiu, em 1986, as primeiras eleições de Brasília. Foi ele quem abriu as cidades-satélites, então de costas para o Plano Piloto, para as celebridades brasileiras como Fernanda Montenegro, Milton Nascimento, Fafá de Belém, Chico Buarque, Sérgio Ricardo. O Teatro Bolshoi adentrou o Brasil, pela primeira vez, por Brasília. Foi no seu governo que houve a primeira apresentação pública da Sinfonia da Alvorada com o próprio Tom Jobim.

Muitas são as lembranças, mas uma não dá para esquecer: foi Aparecido que trouxe de volta os artistas construtores. Oscar Niemeyer trabalhava numa sala ao lado do seu gabinete. Lucio Costa trouxe colaboração fundamental: o projeto Brasília Revisitada. Burle Marx voltou com um novo olhar sobre a vegetação do cerrado, concebendo novos santuários.

O Jardim Botânico de Brasília nasceu, também, de sua força vanguardista, ao convocar o príncipe herdeiro Pedro Carlos de Orleans e Bragança para fazer o projeto e implantá-lo. É muita coisa para lembrar. Mas, como jornalista, quero reverenciar a memória do ex-governador, ex-embaixador e ex-ministro com a primeira frase que ele me disse quando, na noite de 3 de maio de 1985, adentrei seu apartamento, ao lado de Cantídia Soares. Ele me disse: “Silvestre, o presidente José Sarney me convidou para ser o governador de Brasília. Duas coisas: quero você como meu secretário de Comunicação e me faça, urgente, um relatório sucinto e honesto sobre o Caso Mário Eugênio. Crime misterioso não terá lugar mais em Brasília”. Fiz o relatório. Mário Eugênio – jornalista do Correio Braziliense e da Rádio Planalto — havia sido assassinado brutalmente em 11 de novembro de 1984.

No dia 27 de julho, portanto, 76 dias após assumir o governo de Brasília, eu próprio assinava uma nota oficial do GDF elucidando o caso. A determinação do governador, a transparência de suas ações e a volta da democracia fizeram valer a verdade e a justiça sobre um dos mais bárbaros crimes de Brasília. Zé Aparecido era uma máquina de confraternização. Era o “José de Todos os Amigos” como diz o livro que José Eduardo Barbosa fez por ocasião de seu aniversário, em 17 de fevereiro de 1972. Mais bem definindo, pedindo licença ao Ziraldo: “Zé Aparecido era um cheque ao portador”.

Por iniciativa do presidente José Sarney e de vários amigos, o cinéfilo Adhemar Oliveira abriu a sala VIP do cinema do Casa Park para a Sessão Especial do filme-documentário José Aparecido de Oliveira — o maior mineiro do mundo, direção de Mário Lúcio Brandão Filho e Gustavo Brandão, realização da Trade Produção. O filme teve exibição hors concours no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro – 2019. Depois do filme, o jornalista Petrônio Souza Gonçalves lançou o livro José Aparecido de Oliveira – o melhor mineiro do mundo, coletânea de 19 textos sobre o ex-governador de Brasília.

Ao plantar a ideia de Brasília Tombada, Zé Aparecido colheu sua maior obra: Brasília Patrimônio Cultural da Humanidade, em 7 de dezembro de 1987. Ganhou de Darcy Ribeiro uma frase galáctica: “Zé Aparecido, você fincou uma lança na Lua!” E, do inventor de Brasília, ganhou este bilhete genial, quando construiu no coração da Praça dos Três Poderes o Espaço Lucio Costa: “Dr. José Aparecido de Oliveira, mais uma vez obrigado por ter dado continuidade à iniciativa do Oscar. Assim, quando já estiver farto de estar morto, continuarei vivo na praça que chamei de Três Poderes nesta cidade que inventei”. Tempo bom quando o mundo era de sonhadores que realizavam. E de realizadores que sonhavam.

(*) Silvestre Gorgulho, Jornalista – Fotos/Ilustração: Blog - Google


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