A banca
da árvore, um ponto luminoso na história de Brasília. Um dos jornaleiros mais
antigos da cidade, Lourivaldo Marques, 81 anos, segue incansável na profissão
há quase seis décadas
Assim que
montou sua banca de revistas e jornais nas proximidades da quadra modelo, 308
Sul, em fevereiro de 1960, bem próximo à Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, a
rotina de Lourivaldo Marques passou a ser uma só. Todos os dias,
depois do almoço, pegava sua lambreta modelo DL e ia buscar as publicações no
Aeroporto de Brasília.
O
material chegava do Rio de Janeiro, num avião DC3, lá pelas 15h, quase 16h.
Naquele final de 1961, quando o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz
Gallotti, um cliente fiel, por sinal, lhe perguntou se seu exemplar de O Globo
já tinha chegado, a resposta foi curta e direta: não. “Eu já tinha trocado
minha lambreta por um Candango 2 (DKW-Vemag), e naquele dia, perdi a chave do
carro.
Quinze
minutos depois, ele me liga de volta avisando que haviam achado uma chave e que
a notícia saiu na televisão”, lembra o jornaleiro. “Brasília tinha tão pouco
assunto e tão pouca gente que uma coisa pequena como essa virou notícia”, ri.
Hoje com 81 anos, seu Lourivaldo, como é conhecido na quadra, tem muitas
histórias para contar e orgulho de ser um dos primeiros donos de bancas do
Plano Piloto.
O
pioneiro, nascido em Irecê, Bahia, chegou no coração do Brasil motivado por um
sonho e, antes de vender notícia, comercializava laranja e pequenos brindes
pelas ruas quase desertas da cidade. Entre eles, uma flama com os
dizeres: “Eu fui a Brasília e não me esqueci de você”. “Essa flama
marcou muito, a frase é linda”, conta.
“Sonhei
com Brasília, igual Dom Bosco sonhou. No meu sonho eu via aqueles gigantes
virando terra, não sabia o que era. Porque eu nunca tinha visto um trator”, detalha.
A primeira banca, de madeira, ficava exatamente onde hoje fica a Galeteria
Gaúcha, da 108 Sul. Lourivaldo conseguiu o estabelecimento depois de uma
proposta inusitada feita ao então chefe da redação do jornal O Globo. “Cheguei
para o seu Rubens e disse: ‘Já sei trabalhar, escolhi um ponto e preciso de um
sócio’. Ele então apertou minha mão e disse: ‘muito prazer, sócio’”, recorda.
“Aonde passa um fio com energia ou rede de esgoto por aqui eu sei, porque vi a
cidade sendo erguida”, orgulha-se.
Selada a
sociedade, agora era tocar o negócio fincado em novo endereço, desde o final de
1961, 108 Sul, bem do lado do Bloco A. Amante da poesia desde a adolescência e
da natureza dos tempos de guri no interior baiano, o dono da banca teve a ideia
de plantar, em 63, duas árvores próximas à banca, agora com estrutura metálica.
A relação de amizade entre os três perdura até hoje, passados 56 anos.
“Portal é
energia - Passe aqui todos os dias - Faça três pedidos com alegria - E realize sua
magia”
Selada a
sociedade, agora era tocar o negócio fincado em novo endereço, desde o final de
1961, 108 Sul, bem do lado do Bloco A. Amante da poesia desde a adolescência e
da natureza dos tempos de guri no interior baiano, o dono da banca teve a ideia
de plantar, em 63, duas árvores próximas à banca, agora com estrutura metálica.
A relação de amizade entre os três perdura até hoje, passados 56 anos.
“Plantei
pensando que estava longe da banca, daí aumentei o espaço aqui e elas ficaram
mais perto ainda”, diverte-se, explicando a proximidade dos dois gigantes figos
italianos tratados como filhos. Rola até beijinho diário. “Passei o verão
molhando elas, daí quando veio as águas, elas se firmaram. Quando começaram a
crescer, as protegi. Tem um lugar que batizei com o rosto dela e vou lá beijar.
Elas tomam conta da minha banca”, conta o guardião das plantas.
Reza a lenda,
que a passagem formada entre os dois ramificados e robustos troncos das
gigantes árvores, cravados na entrada da 108 Sul, tem poderes mágicos. Nada de
teletransportagem para mundos sobrenaturais, cheio de elfos, fadas, rainhas,
reis e castelos. A mensagem é mais simples e filosófica, que seu Lourival
resume em versos tocantes. “Portal é energia/Passe aqui todos os dias/Faça três
pedidos com alegria/E realize sua magia”, sintetiza. Ponto de cultura.
O carinho que a comunidade da quadra 108 Sul tem
por seu Lourivaldo e sua banca é imenso. Aliás, o prestígio do jornaleiro, que
trabalha de segunda a segunda, das 7h30 às 20h, ultrapassa as fronteiras do
setor, atendendo fregueses de outras partes da cidade.
Sempre foi assim, desde os primórdios do negócio,
quando a clientela fazia fila e pegava senha para comprar jornal. “No começo eu
quase não tinha concorrência e tinha poucas quadras por aqui, atendia o DF
inteiro”, admite. “Tem uma banca há poucos metros do nosso bloco, na 309 Sul,
mas fazemos questão de vir aqui, Seu Lourivaldo é conhecido de todo mundo”,
confessa o casal de aposentado Cláudio e Jadna Mattos.
Aliás, foi por conta de uma dessas palavras
codificadas, que um dia, no auge da censura militar, nos anos 60, o Serviço
Nacional de Inteligência (SNI), cismou com um dos compradores de sua banca, o
de número MR8.
O departamento de informação achava que era uma
alusão ao grupo guerrilheiro de nome homônimo, naquela altura do campeonato, em
atuação na Guerrilha do Araguaia. O nome do grupo, Movimento Revolucionário 8
de Outubro, era uma homenagem ao líder revolucionário argentino, Ernesto “Che”
Guevara, morto naquela data.
“Naquela época eu já pensava de forma moderna,
nível de informática”, fala, sem nenhuma modéstia. “De repente, os militares
começaram a me olhar torto. Imagina, eu? ”, brinca.
Muito do charme do espaço se deve aos eventos
culturais realizado ali para promover a venda de jornal e unir a comunidade.
Por isso, o nome, “Banca da Cultura”. O primeiro encontro do gênero aconteceria
em 1965, com ajuda de um estudante local.
A ideia era simples, mas eficiente. Bastava comprar
um livro e levar um jornal. Deu certo. De lá para cá, promoções do gênero não
pararam mais. De vinho, a locação de filmes, de tudo um pouco foi tentado para
alavancar os negócios e estreitar os laços com a clientela. E aparecia cada
freguês…
“Um dia
quem veio aqui foi o presidente Figueiredo (o último do regime militar), também
já vieram Tancredo Neves e até Marco Maciel”. Vieram porque, de certa forma, eu
fazia gincanas e eles tinham que trazer as crianças para brincar”, revela.
“Estamos aqui há muitos anos.
O
Lourivaldo é parte da nossa história, a importância cultural dele aqui para a
Asa Sul é imensa”, agradece o músico Marcelo Linhos. Vizinha do empresário, na
308 Sul, a jornalista Conceição Freitas resume assim a atuação do colega de
trabalho: “Ele nasceu para o que é, como naquele documentário das irmãs cegas A
Pessoa é Para o que Nasce [2005].
Ele é o
empreendedor, muito antes de o empreendedorismo virar uma tática perversa do
neoliberalismo. Comerciante antigo, com todo o talento para o ofício.
Incansável, está sempre olhando adiante, tentando perceber para onde o mundo
vai. Admirável”.
Galeria de Fotos: https://bit.ly/37qYVZN
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Lúcio
Flávio - Fotos: Lúcio Bernardo - Agência Brasília
São pessoas como o Seu Lourivaldo Marques que fazem de Brasília um lugar lindo de se morar!!!
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