"Muita gente diz que sabe até
quando pode beber, mas isso é falácia. Bebendo pouco, naquele dia, você pode
estar com alguma alteração no organismo, e a bebida pode cair diferente. O
melhor é não dirigir se for beber. E, se for beber, não dirigir" Fabrícia Gouveia,
que perdeu o marido e a sogra em acidente provocado por motorista embriagado.
*Por Caroline Cintra – Jéssica Eufrásio
Carnaval, sim. Beber e
dirigir, não. No mês da folia, equipes do Detran, do DER e da
Polícia Militar reforçam o trabalho de conscientização e autuação de quem
dirige sob efeito de álcool. No último fim de semana, blitzes flagraram 244
pessoas nessa condição
Em tempos de carnaval, além da fantasia e do
entusiasmo, a empatia não pode ficar de fora da festa. Nas pistas, contudo, o
sentimento está em falta. Os números do último fim de semana não mascaram o
fato de que o brasiliense precisa ser mais responsável ao volante: 244 pessoas
foram flagradas dirigindo sob efeito de álcool, entre sexta-feira e domingo.
Para quem não se conscientizou sobre os riscos, vale colocar na ponta do lápis
o quanto a conduta irregular pode pesar no orçamento.
Para começar, a multa custa R$ 2,9 mil (veja
Consequências). Se o veículo for guinchado para o depósito, o preço mínimo do
deslocamento é de R$ 261, com diária de R$ 38,50, para um carro popular. Além
disso, o automóvel só é liberado após o proprietário pagar todas as pendências,
inclusive multas e taxas em atraso. Assim, a decisão de guiar alcoolizado pode
custar, no mínimo, R$ 3,2 mil. Isso se não houver consequências mais graves,
como danos materiais ou a morte de alguém.
A preocupação sobre o perigo da direção associada ao consumo de bebidas sempre esteve presente na família da revisora Fabrícia Gouveia, 50 anos. Mas a falta de conscientização de outros motoristas resultou na morte do marido, Ricardo Clemente Cayres, e da sogra, Cleusa Maria Cayres. Os dois não resistiram a um acidente na L4 Sul, em 2017. Um dos veículos que participava de um racha atingiu o carro em que estavam mãe e filho. O condutor que provocou o acidente estava alcoolizado.
O caso tramita na Justiça. Enquanto isso, Fabrícia
tornou-se ainda mais engajada na tarefa de falar sobre o tema com amigos e
parentes. “Muita gente diz que sabe até quando pode beber, mas isso é falácia.
Bebendo pouco, naquele dia, você pode estar com alguma alteração no organismo,
e a bebida pode cair diferente. O melhor é não dirigir se for beber. E, se for
beber, não dirigir”, alerta. “Não tem cabimento o argumento de uma pessoa
beber, dirigir e não ter a intenção de matar. Quem ingere álcool sabe as
implicações que isso tem.”
Fabrícia lamenta que essa prática seja socialmente
aceitável. “É muito complicado você ver uma pessoa que você ama como assassina.
Mas, quando bebemos, nos tornamos potenciais assassinos. Nada funciona depois
que a grande perda aconteceu”, opina. “Em um crime de trânsito, você tem dois
papéis: ou é vítima, ou é culpado. E um aviso que deixo é de que as pessoas não
devem desistir da Justiça. Precisamos acreditar, porque é isso que abre
precedentes para que as coisas mudem”, completa a revisora.
Fiscalização: O período de carnaval é um dos que apresentam mais
registros de acidentes, segundo o Departamento de Trânsito (Detran). Nas
operações do último fim de semana, apenas o órgão flagrou 62 condutores por
alcoolemia (presença de álcool no sangue). “Estamos realizando operações
simultâneas em todas as regiões administrativas diariamente. Nos eventos
carnavalescos, o intuito é ajudar na fluidez do trânsito e tirar de circulação
quem bebe e assume o volante”, afirma o diretor de Policiamento e Fiscalização
de Trânsito da autarquia, Francisco Saraiva.
O diretor de Educação de Trânsito do Detran,
Marcelo Granja, reforça que, nas ações próximas aos blocos, os agentes repassam
dicas aos foliões. “As principais orientações são para que as pessoas estejam
com roupas claras, para que sejam vistas; andem nas calçadas; procurem as
faixas de pedestre; olhem para os dois lados; e andem com segurança”,
recomenda. Segundo Marcelo, a maioria sabe que álcool e direção não combinam,
mas assume o risco. “Existem pessoas que vão com o intuito de não beber ou de
que vão beber socialmente. Não crie expectativa de que você estará no local e
não vai ingerir nada. O problema não é desviar da blitz. O problema é não
conseguir desviar do acidente”, explica.
Morador de Sobradinho, o estudante de engenharia
mecatrônica Caio Moreira, 25 anos, é apaixonado por carnaval. Ele conta que,
para ter uma experiência positiva com os amigos e evitar colocar a vida de
outras pessoas em perigo, ele opta pelo transporte por aplicativo ou público
sempre que vai beber. No último fim de semana, em um bloco de rua no Plano
Piloto, não foi diferente: deixou o carro em casa. “Prefiro não arriscar.
Sempre saímos em grupo, porque a volta para casa fica mais tranquila. A gente
tem esse cuidado para evitar problemas para nós e para os outros que estão se
divertindo”, diz o universitário.
Aprendizado: Neste mês, o Departamento de Estradas de Rodagem
(DER) intensificou os trabalhos de educação e fiscalização, inclusive em bares.
“Prezamos pelas vidas dos motoristas que trafegam nas vias do DF e pensando
nesse zelo é que colocamos nossos agentes tanto educando quanto fiscalizando,
para tornarmos o trânsito o mais seguro possível, principalmente nesse período
em que muitos se esquecem das regras de trânsito”, destaca o diretor-geral do
órgão, Fauzi Nacfur Júnior.
Para o contador Hugo (nome fictício), 38, o
aprendizado sobre o perigo de dirigir embriagado chegou na forma de acidente de
trânsito. Na véspera do carnaval do ano passado, ele encontrou alguns amigos em
um bar da Asa Sul. Ao sair do local, por volta das 23h, decidiu ir para casa,
no Guará 2, dirigindo. No meio do caminho, dormiu e bateu o carro em um poste,
próximo ao Riacho Fundo 1. “Sempre tive controle e sabia de meus limites. Tanto
que, mesmo bebendo, eu era o amigo da vez do grupo. Mas o que pensei que seria
impossível aconteceu comigo”, lamenta.
Depois do episódio, Hugo nunca mais se arriscou a
pegar o carro depois de beber. “Muita gente acaba aprendendo. Outras, não.
Hoje, sempre tem de ter o amigo da vez de verdade, que não bebe. Precisei
passar por uma dessas para me conscientizar. Graças a Deus, estou aqui para
contar a história e, melhor, não feri ninguém. Foi um grande livramento”,
conta. No acidente, Hugo ficou com as pernas presas nas ferragens. Depois
disso, os dois membros ficaram com marcas. “São do aprendizado e do milagre que
vivi”, avalia.
(*) Caroline Cintra – Jéssica Eufrásio - Correio Braziliense
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