Beleza preservada.
Há 30 anos Brasília foi inscrita no Livro de Tombo Histórico do Iphan.
Iniciativa busca preservar as formas originais da cidade projetada por Oscar
Niemeyer e Lucio Costa
*Por Caroline Cintra - Juliana Andrade
Uma
cidade planejada, um museu a céu aberto, uma região monumental. Há 30 anos, em
14 de março de 1990, Brasília era inscrita no Livro de Tombo Histórico do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Três anos
antes, a cidade foi declarada como Patrimônio Mundial na Unesco — primeira
cidade moderna a receber o título. Assim, é preservada a história da capital
por meio dos projetos arquitetônicos e urbanísticos de Oscar Niemeyer e de
Lucio Costa, que saíram do papel nos anos 1960 e, hoje, além de orgulharem os
brasilienses, atraem turistas de todas as partes do mundo.
Brasília
é a maior área urbana tombada, segundo o superintendente do Iphan no Distrito
Federal, Saulo Santos Diniz. Ao todo, são 112,25 quilômetros quadrados de
tombamento e 28 bens protegidos pelo instituto. Entre eles, a Igreja Nossa
Senhora de Fátima, o Palácio do Itamaraty, Congresso Nacional e a Catedral.
“Brasília foi desenhada por Lucio Costa em quatro escalas importantes:
monumental, gregária, bucólica e residencial. Quando a gente trata de 112
quilômetros, a nossa responsabilidade é muito grande. Brasília é uma cidade
diferenciada, e a gente precisa preservar essa cidade”, destaca o
superintendente.
Com o tombamento, o desenho do
Plano Piloto não pode ser desfeito ou refeito. Isso inclui os padrões das
superquadras idealizadas por Lucio Costa. “Na Asa Norte e Asa Sul, os prédios
não podem passar de seis andares, os pilotis devem estar livres para circulação
e as áreas comerciais precisam respeitar os espaços, não podem invadir a
calçada ou as áreas verdes”, detalha o professor de geografia da Universidade
de Brasília (UnB) Fábio Goulart. Para ele, além de preservar o modelo original
da cidade, o tombamento ainda contribui para a preservação do meio ambiente,
pois mantém as áreas verdes.
"São propriedades privadas,
mas de livre circulação, ou seja, reconhecemos que é um problema para a
segurança dos moradores, porque podem aparecer pessoas em situação de rua e se
instalar aqui, outros podem sujar, bagunçar. O que a gente pode fazer nesse
caso?" Fernando Bassit, prefeito da 308 Sul.
"Tem
os pontos positivos aqui, pela beleza natural, a conservação. A gente só
gostaria que não tivesse tanto empecilho. É importante preservar, mas não
podemos deixar nossa casa feia" Nair Everton, prefeita da 108 Sul
Garagens: Quem mora nas asas do avião (ou da borboleta), destaca o privilégio de
se viver em um espaço assim, mas também cita os desafios. “Eu acho muito bom a
quadra ser tombada, pois isso é memória para nós, mas têm algumas intervenções
que não interferem no modelo. Por exemplo, precisamos de mais vagas de
estacionamento, então deveriam autorizar fazer garagens subterrâneas, onde é
estacionamento”, comenta o engenheiro civil Edmundo Peres, 70 anos, morador da
108 Sul.
Do outro lado,
na 308 Sul, há garagens no subsolo. O prefeito da quadra, Fernando Bassit
Costa, 60, conta que a ideia de Niemeyer e de Lucio Costa era deixar o chão
livre para as pessoas. Para ele, o tombamento da região é importante, mas
defende a necessidade de atualizações no plano urbanístico. O destaque vai para
os pilotis. “São propriedades privadas, mas de livre circulação, ou seja,
reconhecemos que é um problema para a segurança dos moradores, porque podem
aparecer pessoas em situação de rua e se instalar aqui, outros podem sujar,
bagunçar. O que a gente pode fazer nesse caso?”, questiona.
Apesar dos
conflitos, Fernando enche-se de orgulho da quadra onde mora desde os 2 anos de
idade. “Esse núcleo histórico precisa ser preservado. Agora, cabe ao governo
ter iniciativa de ouvir nossas solicitações e investir em educação patrimonial
dos moradores”, diz.
A prefeita da
108 Sul, Nair Everton de Sá, 63, compartilha desse mesmo sentimento. Defensora
do tombamento, junto aos moradores da quadra, está em busca de autorização para
reformas e revitalização na área. “Tem os pontos positivos aqui, pela beleza
natural, a conservação. A gente só gostaria que não tivesse tanto empecilho. É
importante preservar, mas não podemos deixar nossa casa feia. Aqui, os
moradores têm opiniões divididas. Uns querem algo mais moderno, outros preferem
manter”, completa.
Conscientização: Diante das posições divergentes, Saulo Diniz, superintendente do Iphan,
ressalta que o tombamento busca preservar a cidade para as futuras gerações.
“As pessoas confundem tombamento com engessamento, a gente é a favor do
desenvolvimento, mas desenvolvimento sustentável. Imagina se a cidade não fosse
tombada, como seria?”, destaca.
Para
conscientizar a população e os governantes sobre a importância dos cuidados com
as áreas tombadas, o instituto lançou este mês ações que envolvem os dirigentes
e os moradores de Brasília. “Em fevereiro, nós fizemos um termo de cooperação
técnica com a Secretaria de Educação para capacitar os professores do quarto ao
quinto ano da rede pública com educação patrimonial e lançamos a campanha
Brasília para os 60 anos, uma ação de conscientização da importância da
manutenção preventiva pelos gestores”, destaca o superintendente do Iphan.
De acordo com ele, faltam políticas de manutenção
preventiva. “Se eu pudesse dar uma nota, de zero a 10, daria cinco”, diz. No
lançamento da campanha, o Iphan entregou um relatório com alguns pontos que
precisam de atenção na Praça dos Três Poderes. O mesmo deve acontecer com
outros monumentos, como o Palácio da Justiça, o Itamaraty e a Catedral
Metropolitana de Brasília. Após a visita dos profissionais, os dirigentes
deverão entregar um plano de ação para o instituto.
O modelo: Escala
Monumental — Onde se concentram as principais atividades administrativas
federais e locais. Escala Residencial — Tem como base o Eixo
Rodoviário e ao longe as Unidades de Vizinhança, com as superquadras.
Escala Gregária — Área central do Plano Piloto, que inclui os setores
bancários, hoteleiros, de diversão, entre outros. Escala Bucólica — Áreas
livres e arborizadas (Fonte: Iphan)
(*) Caroline
Cintra - Juliana Andrade - Fotos: Zuleika de Souza/CB/D.A.Press - Correio
Braziliense
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