COM O CORONA, O SHOW ACABA?
Por Victor
Dornas
O Coronavírus já gerou
um prejuízo em escala globalizada imensurável. Dezenas de bilhões? Centenas?
Como saber? Eventos tradicionalíssimos, filmes custeados com fortunas tendo
suas agendas comprometidas e, o pior de tudo, milhares de pessoas nos deixando
mais cedo do que deveriam. Eu aqui, em minha pequenez usual, só queria mesmo
poder ter assistido à apresentação do Edu Falaschi que ocorreria neta noite de
sexta, 13 de março, no Teatro Unip. Como já se esperava, contudo, recebi o
aviso do estorno em meu cartão de crédito ontem já bem tarde da noite.
A cultura, na verdade,
há tempos vem se pronunciando sobre tudo isso, ainda que não sobre o Corona,
especificamente. Uma das supostas coincidências foi a premiação inusitada,
justo neste ano de 2020, pela Academia do Oscar, ao filme “Parasita”, que trata
da situação insalubre de incontáveis famílias orientais em um regime de governo
autoritário num mundo, tecnologicamente, mais ou menos globalizado. O filme vem
sido elogiado há tempos e não precisou, logicamente, de uma pandemia para
despertar interesse no público. Entretanto, diante do avanço deste novo vírus,
muitos, talvez, entendam com ainda mais imersão, as críticas pontuadas com
maestria na obra dirigida por Bong Joon-ho.
Este tal COV
pertencente à família de vírus já estudada desde os anos 60 e, como sabido,
deixa tristeza por onde passa, em maior ou menor grau. Somos notificados por
nossos celulares de última geração a todo instante sobre eventos
tradicionalíssimos, realizados há décadas, e agora, diante da pandemia, são
cancelados com ineditismo. O confinamento imposto por medidas assecuratórias do
governo, que busca fazer o seu papel malgrado a insatisfação daqueles que
acreditam saber de alternativas melhores, também serve para deixar o clima mais
tenso.
Uma reflexão otimista,
que se faz imperiosa nessas horas, é a seguinte: frequentemente nos esquecemos
que quase tudo que alcançamos de verdadeiramente glorioso decorreu dos piores
contextos. Na literatura, Dostoiévski foi moldado desde cedo pela opressão do
Czar Nicolau I e, enquanto confinado em um presídio, continuou escrevendo de
modo profícuo. Oscar Wilde, preso por sodomia em uma Inglaterra relutante,
escreveu a célebre obra “De Profundis” num quartinho de cinco metros quadrados.
No campo das inovações, quantas foram as soluções criadas em ambiente hostil
que remodelaram o curso da humanidade? A própria internet, que
utilizo agora para divulgar este texto, adveio da corrida bélica por
tecnologias. O coronavírus tende a ser derrotado em breve pela criação de uma
vacina. Países como Israel já anunciam avanços otimistas nesse teor. As
consequências, porém, não nos deixarão tão cedo. Para alguns, que perderam seus
entes queridos, jamais.
Em se tratando de um
episódio que tende a ser logo preterido por qualquer outro tema de momento,
findo o ínterim de preocupação na ausência de uma vacina, não dá para asseverar
que este evento será determinante para o surgimento de grandes obras de art. Como
vimos, a crise, o sofrimento, tendem a ser terrenos férteis para a ousadia
humana, mas, tais acontecimentos demandam um certo tempo. Na velocidade das
coisas de hoje, um vírus com potencial de macular a economia global não
consegue ser assunto por muito tempo. Pandemia, quadros viróticos, tudo isso
aliás está um tanto demódé. Não se faz mais filmes sobre isso com
tanta repercussão como em outrora. Parasita foi premiado por ir além disso. Por
sair da ficção possível, do mal global causado por um vírus, para enfatizar uma
realidade contumaz que nos assola desde sempre, ou seja, daqueles que vivem
numa eterna pandemia.
Com o Corona, o show
acaba? Sim, sem dúvida. Já acabou. Mas a arte continua tentando sobreviver por
aparelhos num mundo cada vez mais frenético, sedento por novidades e
indiferente com os antigos males de sempre. O Corona já despertou fora de moda.
O diretor Bong Joon-ho não sabia. Mas seu filme profetizou uma triste realidade. Tanto literal, imposta pelo corona vírus, quanto não tão literal assim, imposta pelos anseios e ambições humanas, nem sempre tão previsíveis.
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