PROVOCADO OU NÃO, JÔ SOARES AINDA TEM ALGO A DIZER
Por Victor Dornas
- “O que é a vida?”
Antônio Abujamra teve a resposta derradeira quando nos deixou em 2015, após
quase 15 anos tocando com irreverência sua catarse particular em forma de
entrevista no quadro “Provocações”, exibido pela Rede Cultura e hoje com farto
acervo disponível no canal homônimo no Youtube. No ano passado, o famoso
apresentador Marcelo Tas então resolveu bancar a ousadia de reanimar o
programa, de alguma forma, buscando imprimir algo que ali lembrasse das tais
provocações. A diferença entre os dois a meu ver se evidencia primeiramente na
questão do ensaio. Abujamra não ensaiava tanto as perguntas, pois a ideia do
quadro era buscar uma verdade oculta através do improviso numa fala
intimidatória pormenorizada por pontuais acolhimentos sarcásticos. Em sua última
apresentação antes de falecer, Abu disse pela última vez a sua célebre fala de
ode ao senso crítico e social: “Provocações! Quatorze anos no ar,
caminhando no incerto e idolatrando a dúvida. Agora, no ano 15. Este programa
pode não ser uma janela aberta para o mundo, mas é certamente um periscópio
sobre o oceano do social. Provocações!! Meu Deus do Céu!! (...)”
Já o Tas, ainda que
pareça uma persona mais insegura e comportada, com ares impolutos, pode não
provocar ninguém, porém sendo carinhoso ele convida o entrevistado a ser quem
ele quer ser. Uma proposta diferente, uma proposta oposta que estranhamente
ostenta uma mesma alcunha. Abujamra, nos moldes “gestálticos”, mostrava o
oposto, ou quem o convidado não queria ser. Tas com o seu jeito contido também
nos oferece ótimas entrevistas, como foi o caso da mais recente delas em que
finge provocar o Jô mas acaba mesmo é acolhendo-o, como de praxe. Talvez o
próprio Abujamra tivesse dificuldade em desconstruir as projeções de ego de
alguém como o Jô, que conhece o jogo da Tv e brinca com o carisma como poucos.
Muitos sempre quiseram ver uma entrevista do Jô com o Abujamra, porém no novo
Provocações a ideia era apenas matar a saudade dos fãs assíduos que, como eu,
durante tantos anos não foram pra cama sem o gordo. Jô ainda está afiado,
lúcido e por isso faz ainda mais falta. A entrevista aborda questões políticas
que, a meu ver, são de menor importância uma vez que a política de um modo
geral jáestá demasiadamente inflada. Destaquei algumas frases ditas no programa
que, a meu ver dispensam comentários e que me cativaram mais.
Tas: - “Jô, você é
feliz?”
Jô: “Muito. Muitos
dias. Não sempre pois ninguém está sempre feliz. Se você está sempre feliz,
você não é feliz e sim um idiota.”
Tas: “Jô, você sente falta
do programa de entrevista diário na Tv?”
Jô: “Nem um pouco. Eu
acho que consegui fazer a minha carreira no período correto. Quando acabei o
meu programa, a Tv estava praticamente em decadência. Não no mal sentido, mas
no sentido histórico. A competição hoje em dia, quando se quer anunciar um
protudo. Veja aí na sua mesa (referindo-se ao Tas). É a internet.”
Tas: “José Eugênio, o
que é a vida?”
Jô: “Sei lá. Não
faço a mínima ideia. Ela tem que ser vivida e sou fundamentalmente contra o
suicídio pois ele é a ausência total do humor. O cara que ainda tem um
pouquinho de humor não se mata. Você se imagina ajoelhado com a cabeça dentro
do forno? Você começa a rir e levanta! Sou fundamentalmente contra o suicídio.
Não se deve ter o direito de escolher a hora da morte”.
Para os dispostos a
ignorarem ao menos por alguns minutos as celeumas políticas cotidianas,
recomendo que assistam a entrevista e busquem entender o Jô como representação
viva de uma era da comunicação brasileira que talvez não volte jamais. O Jô é
de um tempo onde a Tv era espetáculo. A congregação diante da telinha era um
evento familiar, uma condicionante dos assuntos do dia a dia. Se a moda de hoje
é vangloriar figuras diversas que são trocadas minuto a minuto, talvez seja
interessante ouvir também alguém que é de uma época onde todos sabiam quem
estava falando, quem detinha o tal engajamento social. Uma época romantizada
que, em virtude do monopólio da fala, tinha seus defeitos e suas vantagens.
Artistas de renome não se acostumaram com a crítica feroz de seu público, por
exemplo, mas também contavam com uma plateia mais honesta, uma vez que estes
não contavam com o anonimato da telinha virtual.
Aprendi muito com o Jô
entrevistador, tive a oportunidade de rir muito também com o Jô comediante. Ao
vivo, inclusive, quando certa vez ele lotou a Villa Lobos num espetáculo onde
nos manteve entretido por duas horas usando apenas com uma cadeia. Sem
floreios, no humor bruto. Um tipo raro de humorista que sabe criar personagens.
Um tipo que é sempre sofisticado.
Adoro o Jô. Abujamra é insubstituível. Faz uma falta enorme. O Jô também será. Ele é de uma simplicidade única.
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