Falta a
tinta certa na caneta presidencial.
Por Victor Dornas
A estratégia usada pelo governo brasileiro para convencer o
máximo de pessoas possíveis a retornarem suas atividades a despeito do trauma
causado pela pandemia é de que os governos do ocidente teriam errado ao
adotarem um confinamento não efetivo. O presidente encontrou nas teses do político
e toxicologista Osmar Terra, ex-filiado ao Partido Comunista do Brasil, a sua
convicção conveniente. Para ele, a quarentena não apenas é ineficaz, mas também
pode piorar os quadros de contágio. Além disso, o ex-ministro acha a pandemia será
naturalmente contida pela assimilação dos índices de contágio.
De fato, no
início do susto em razão do surto do vírus houveram previsões no mínimo exageradas,
conforme citei em meu artigo sobre cientificismo e que hoje servem de ensejo
para o negacionismo. Ambos se alimentam. A pandemia de covid19 não apresenta a
ameaça observadas em outros episódios históricos catastróficos análogos, em
termos de letalidade. O maior problema do coronavírus é deprimir o sistema de
saúde e, com isso, milhares de pessoas padecem por falta de unidade de terapia
intensiva.
Além disso, o governo frequentemente se dirige aos menos
favorecidos, uma vez que as ditas elites possuem prerrogativas evidentes e
podem, inclusive, manter muitos de seus ofícios por meio do trabalho em “home office”.
Ocorre que essa mesma elite também quer o retorno do proletário sendo que ela
própria não depende de anuência estatal para seguir em isolamento.
O presidente
se digladia com seu próprio ministro da saúde por questões diversas, contudo o
principal é que Henrique Mandetta não aceita anuir ao embate institucional que Bolsonaro
quer travar ao forçar um decreto que determine o fim da quarentena. Ele precisa
de um ministro que esteja alinhado aos seus interesses, porém encontra como
obstáculo a legitimação incontestável do mesmo, não apenas diante de autoridades
diversas, mas também pela maioria da população.
Em meio a esse pandemônio o governo se esqueceu do mercado.
“- Alô, Sr. Presidente, aqui é o mercado, tudo bem?
- É o seguinte. Eu não me submeto a ninguém, “talquêi”?”
É natural que pessoas como Jair Bolsonaro, que se acostumaram a
torrar o erário, não entendam direito como o mercado funciona. O mercado é o ânimo volitivo, o indomável. Bolsonaro pode obrigar um shopping inteiro a voltar ao
serviço, porém não pode compelir uma única pessoa a ir lá com o intuito de
consumir qualquer coisa. No mercado se seduz.
Por
isso, um presidente verdadeiramente liberal estaria mais preocupado em cuidar
do emocional de seu povo do que tentar moldá-lo através de decreto.
Por isso
vemos com tanta frequência no discurso do Trump, uma figura ríspida contumaz,
um tom ameno, integralista, convidativo. O estadunidense sabe como essas coisas
funcionam. No Brasil, um dos países com um dos piores ambientes de negócio do
planeta, as coisas parecem ser diferentes. Aqui, opta-se pela força.
O cidadão
é obrigado a consumir de empresas que distorcem regras de mercado com lobby no
congresso. Mas ainda aqui, num quadro extremo como esse, só existem duas formas
de convencer as pessoas a voltarem a consumir normalmente. A primeira delas é a vacina. A segunda é com jeitinho.
Ninguém é dono do mercado. É o pouco de liberdade que nos
resta.
Victor Dornas – Colunista do Blog do Chiquinho Dornas Foto/Ilustração: Blog-Google