Diego Batista mora em Ceilândia e teme a pressão
sobre o sistema de saúde: "É um problema que não se resolve da noite para
o dia"
Alerta aceso nas cidades periféricas. Especialistas avaliam que é preciso olhar atento
para a disseminação do novo coronavírus nas regiões mais carentes do DF e para
os índices de letalidade. Ceilândia, Sol Nascente, Estrutural e Riacho Fundo 1
exigem atenção para o problema
Cinco das oito regiões administrativas com maior
percentual de letalidade por coronavírus, segundo dados da Secretaria de Saúde,
estão enquadradas como de média/baixa renda ou baixa renda, na classificação
mais recente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan).
Apesar de a incidência de casos ser mais significativa nas áreas com alto poder
econômico, as mortes não seguem, até então, um padrão. Na avaliação de
especialistas, o volume de dados do DF é baixo para cravar que a situação de
vulnerabilidade social na capital está relacionada diretamente aos óbitos, mas
é preciso se manter alerta para evitar que os danos da Covid-19 sejam mais
drásticos para essa faixa populacional.
O diretor científico da Sociedade de Infectologia
do Distrito Federal, José David Urbaez, é cauteloso ao analisar os dados, mas
ressalta que o problema pode ser constatado em outras regiões, como a cidade de
São Paulo. “Em áreas de vulnerabilidade social, é previsível que nós tenhamos
acesso mais difícil ao sistema de saúde e é possível que tenhamos mais
letalidade. A pandemia escancara a desigualdade social no Brasil, e isso poderá
se refletir em taxas de letalidade muito maiores do que nas áreas de maior
renda”, analisa.
Ele destaca como fator de preocupação a proposta de
reabertura da maioria das atividades comerciais a partir de 3 de maio, como
pretende o GDF. Na avaliação dele, isso pode aumentar a movimentação do vírus.
“Com o distanciamento social, não se permitiu a circulação muito elevada do
vírus nas áreas de classe média e alta, por onde ele entrou aqui, para a
periferia porque essas pessoas estavam separadas de maneira eficaz. Assim que
reabrir esse fluxo, vai trazer de novo todos esses trabalhadores para as áreas
em que há mais incidência do vírus”, explica. Ele destaca que a quebra do
isolamento aumenta não só o volume de casos, mas também a letalidade.
Números: A maior taxa de letalidade,
segundo o boletim da Secretaria de Saúde de 27 abril, é do Riacho Fundo 1. De
oito casos registrados na região, dois levaram a mortes. O segundo maior índice
percentual está na Estrutural, uma das áreas mais carentes do DF, onde houve 10
infectados e uma morte.
Para especialistas, é necessário analisar os
números com visão ampla, que não observe somente o cenário atual da relação entre
os serviços de saúde e as cidades mais afastadas da área central de Brasília,
como explica Eliana Bicudo, infectologista do Hospital Home. “Hoje, o acesso
aos hospitais não é um problema. Estamos conseguindo atender às demandas do
coronavírus. Mas temos um histórico de problemas de acesso ao serviço público.
Quando olhamos para trás, percebemos pacientes com diabetes, hipertensão, asma
e outras doenças sem o tratamento necessário, o que piora os quadros”,
ressalta.
A médica considera que o índice de letalidade é um
problema causado por vários motivos, e os aspectos sociais devem ser levados em
consideração. “Temos de levar em conta, por exemplo, a forma com que foi feito
o isolamento. Ele foi mais adequado nas áreas centrais, mas, nas regiões
periféricas, temos mais pessoas morando na mesma casa, ambientes menores e uma
boa parte da população que precisa sair de casa, porque, se não, não come
amanhã”, lembra. Nesses casos, Eliana reforça que o uso de máscaras deve ser
reforçado, assim como manter as etiquetas respiratórias e higienização das
mãos. “Acredito que vamos observar um aumento de casos na população de cidades
distantes do Plano Piloto, mas a letalidade é fruto de situações complexas, que
precisam ser trabalhadas”, considera.
O secretário de Saúde, Francisco Araújo Filho,
comentou a incidência da Covid-19 nas periferias e as ações do GDF para
combatê-la, na entrevista coletiva mais recente promovida pela pasta. “Nós
temos uma programação e um planejamento pautados nos resultados. Cada local desses
tem hospital, tem unidade de Saúde da Família e alguns têm UPAs”, afirmou. “A
nossa estratégia é fortalecer a rede. Termos sempre número maior de leitos do
que pessoas internadas para que a gente dê essa segurança para a população”,
acrescentou.
Cuidados: Uma cidade que preocupa pelo
grande número de habitantes e fluxo constante de pessoas é Ceilândia, que,
somada à região administrativa de Sol Nascente, registra 54 infecções pela
Covid-19 e quatro óbitos. Morador do local desde que nasceu, Diego Batista, 26
anos, diz que o crescimento da cidade causa impacto de difíceis soluções no
sistema de saúde. “Acho que a saúde pública como um todo nunca funcionou da
forma que era esperada, até por conta da demanda, que é de gente daqui, do
Entorno e de outros lugares. Vejo esforços do governo, mas é um problema que
não se resolve da noite para o dia. São coisas que vêm de anos atrás”, comenta
o consultor de recursos humanos.
Essa é uma preocupação que se une a outros medos
constantes para Diego. “Pensei que não chegaria ao que se transformou hoje, de
parar tudo e a gente precisar se reinventar. Tenho pessoas do grupo de risco em
casa, e a minha noiva está na linha de frente, trabalhando na área de saúde”,
conta. Diego vê o caso da região como complexo, mas acredita que a
conscientização é um dos primeiros caminhos para evitar o crescimento de casos
e mortes na região. “Ceilândia é um dos locais em que as pessoas mais estão
sofrendo, por causa da renda, que faz com que boa parte da população precise
continuar trabalhando, e, talvez, porque muitos demoraram para perceber o
perigo do vírus. Temos de tomar os maiores cuidados possíveis. Coisas que
parecem até exagero para quem não entende a gravidade, mas são necessárias”,
acredita.
DF chega a 1.384 casos: O Distrito Federal registrou ontem 1.384
casos confirmados do novo coronavírus, de acordo com dados do GDF. O número de
óbitos se manteve em 28 e há, até agora, 791 recuperados. Há 39 pacientes
hospitalizados, 34 deles em unidades de terapia intensivas (UTIs). A maior
parte dos casos — 383 — está concentrada na faixa etária de 30 a 39 anos, o que
representa 27,67% do total. Dos 1.384 casos, 145 foram detectados por meio dos
exames rápidos, usados para testagem em massa da população.
Palavra de
especialista. “Variáveis importantes”~~“É
bem nítido que existe uma diferença grande entre o número de casos registrados
no Plano Piloto e no Riacho Fundo 1, por exemplo. Isso compromete a medida da
letalidade. Do ponto de vista matemático, a Lei dos Grande Números, um famoso
resultado matemático, estabelece que à medida que repetimos um experimento nos
aproximamos das verdadeiras probabilidades dos eventos associados a ele. Um
forma simples de pensar a respeito é a seguinte: se você joga uma moeda poucas
vezes, digamos cinco, pode ser que saia uma vez cara e quatro vezes coroa.
Portanto, precisamos monitorar com paciência o número de casos em cada região
administrativa. Existem vários fatores que devemos considerar. É possível que
variáveis importantes possam ter influência na estimativa de letalidade do novo
coronavírus em diferentes regiões, como PIB, clima, estratégias contra a
disseminação, proporção de habitantes em situação de risco, capacidade de
atendimento do sistema de saúde, subnotificações etc.” (Jhames
Matos Sampaio, professor e pesquisador do Departamento de Estatística da UnB)
(*) Alan Rios – Alexandre de Paula – Correio Braziliense