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COVID: O SOBREVIVENTE MAIS VELHO DO MUNDO (*Coluna Victor Dornas)



“Nós todos pensamos: Ele já tem 103 anos! Quais as chances dele sair dessa?”

Disse Jamie Yutze em relato emocionado ao jornal Washington Post, sobre o momento em que a família soube da contaminação de William “Bill” Lapschies pelo “coronavírus” no início de março.

Por Victor Dornas (Agradecimento: Eduardo Bueno – Buenas Ideias)

Em 1918, um surto do vírus Influenza iniciado no estado do Kansas, Estados Unidos, logo transformou-se numa pandemia (termo usado para epidemias disseminadas globalmente) e vitimou milhões de pessoas. Frequentemente se lê que os óbitos variaram entre 20 e 50 milhões de pessoas. A razão para uma discrepância tão brutal de aferição é que os métodos usados na época eram muito atrasados. A gripe ficou conhecida como espanhola em virtude da publicação de jornais espanhóis, ou seja, era tudo tão rudimentar que se cogita que o número de mortes pode ter chegado a 100 milhões sem que isso tenha sido devidamente registrado.

No Brasil, a contaminação começou com a chegada de um paquete inglês em Recife chamado SS Demerara. Outras embarcações, como por exemplo o navio Piauí da divisão naval brasileira, também aportaram transportando infectados, contudo, em número muito menor do que o Demerara. O resultado da falta de controle no porto resultou na morte de 35 mil brasileiros. As medidas adotadas na contenção de proliferação virótica da época eram basicamente as mesmas de hoje na pandemia de sars-cov-2. Isolamento, fechamento de casas de espetáculo e proibição de aglomerações. Em 10 de outubro o diretor geral de saúde pública Carlos Seidl, reuniu-se com a imprensa para defender a tese negacionista de que a gripe era inofensiva.

Bill Lapschies é testemunha viva da pandemia da gripe espanhola.

1939. Num mundo ainda bastante ressentido com o liberalismo econômico contrastado pela crise de 29 havia os seguintes atores políticos: Francisco Franco, caudilho espanhol. António Salazar, estadista nacionalista português. Josef Stalin, genocida comunista russo. Adolf Hitler, genocida nazista austríaco. Benito Mussolini, fascista italiano. Getúlio Vargas, ditador populista brasileiro. Graças a Osvaldo Aranha, a união das repúblicas pan-americanas rompeu relações com os países do eixo e, assim, o Brasil se aliava ao polo democrático da guerra, junto com os Estados Unidos sob o discurso de evitar o que o comunismo havia feito na Rússia. Em represália, a Alemanha nazista ataca 36 submarinos brasileiros no ano de 1942. Nossa participação, de todo o modo, no conflito mundial que resultou na morte de mais de 85 milhões de pessoas, como é sabido, foi de menor relevância, contudo observamos alguns avanços no debate político.

Bill Lapschies é veterano da segunda guerra mundial.

Agora estamos novamente num momento de crise. O vírus, embora de compleição frágil, ataca os sistemas de saúde pela grande demanda por UTIs e deixa vítimas que padecem por falta de tratamento. Milhares delas. Os conflitos geopolíticos são mais sofisticados, uma vez que até as ditaduras dependem de um bom marketing para exportar seus produtos. Os conflitos bélicos ainda acontecem, porém mais difíceis de serem compreendidos. Tudo é mais complicado, exceto na simplicidade daquele que simboliza a esperança. Em todos esses momentos de crise houveram inúmeros exemplos de glorificação da humanidade. 

Enfermeiras que se sacrificaram, pais de família que morreram em nome de líderes populistas, multidões de civis arrasadas por bombas nucleares. A era da internet, contudo, nos proporciona algo bastante importante e, de certo modo, incisivo nas resoluções de conflito que é a profusão da verdade. Na época da gripe espanhola ou das guerras mundiais, talvez nós não soubéssemos da existência de um Bill Lapschies, pois as informações, como bens dos mais valiosos, raramente circulavam sem o crivo de autoridades e estavam restritas pelas limitações tecnológicas daquele tempo. Embora fosse possível que algum jornal conseguisse driblar todos os obstáculos e noticiar algo do tipo. 

Nesses momentos de crise, nós nos esquecemos um pouco do significado de ser humano. Hoje as vítimas do vírus são tratadas como números, estatísticas. Em redes sociais, e até mesmo por parte de alguns chefes de estado, são tratadas até com deboche. Exemplos como o de Lapschies, assim como a divulgação recorrente nas redes de pessoas que lutam para superar a contaminação, ajudam a transformar números frios em nomes, em pessoas reais e assim nos sensibilizamos para resolvermos adotando soluções mais justas. Antes de debatermos a questão, aliás, reservemos também algum tempo para chorar pelas vítimas.

Lapschies esse ano comemorará o aniversário de 104 anos com poucas pessoas em decorrência da quarentena, entretanto, simbolizará, de certo, a esperança de milhares ou quem sabe milhões de internautas que serão de alguma forma informados acerca do homem mais velho que se curou de coronavírus.

Ele definitivamente não está só. Longe disso.



(*) Victor Dornas – Colunista do Blog do Chiquinho Dornas Foto/Ilustração: Blog-Google 

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