Estado de defesa e
estado de sítio
Em tempos
nebulosos, aconselha-se visitar a Constituição da República para
familiarizar-se com os mecanismos concebidos pelo constituinte, os quais visam
a defender o Estado e as instituições democráticas.
A Constituição
Federal prevê dois poderosos e excepcionais regimes: o estado de defesa
(art.136) e o estado de sítio (arts.137/139), sob cujo império normas
constitucionais disciplinam e limitam o exercício de poder extravagante e
inibem o gozo pleno de direitos e liberdades públicas e individuais.
Importa dizer
que inexiste o estado de calamidade pública! Calamidade pública é um dos
requisitos para a decretação do estado de defesa. Calamidade pública é estado
natural; estado de defesa, instrumento político-constitucional.
O estado de
defesa e o estado de sítio se decretam para preservar a integralidade do
Estado, em conformidade com seu modelo constitucional, e, necessariamente,
devem defender as instituições democráticas, mesmo em situações anômalas.
Compete ao
presidente da República decretar o estado de defesa, ouvidos o Conselho da
República e o Conselho de Defesa Nacional.
A decretação
do estado de defesa visa preservar ou, prontamente, restabelecer, em locais
restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social, ameaçadas por grave
e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes
proporções na natureza.
Cuida-se de
anomalia constitucional, tolerada, porém, pela Constituição Federal, sob regime
extravagante dentro do qual se admite a adoção de medidas coercitivas, que
autorizam restrições aos direitos de reunião, sigilo de correspondência, sigilo
de comunicação telegráfica e telefônica.
Coercitivamente,
legitima-se, ainda, a ocupação e o uso temporário de bens e serviços públicos,
na hipótese de calamidade pública.
O estado de
defesa se limita, no máximo, a trinta dias, prazo prorrogável por igual
período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação.
Exige-se que,
decretado o estado de defesa, o Presidente da República, em 24 horas, submeta o
ato, com a respectiva justificação, ao Congresso Nacional, que decidirá por
maioria absoluta, no prazo de dez dias.
Durante o estado
de defesa, a prisão por crime contra o estado será comunicada, imediatamente,
ao juiz competente; a prisão ou a detenção de qualquer pessoa não poderá ser
superior a dez dias, salvo se autorizada pelo Poder Judiciário.
A decretação
do estado de sítio depende de autorização do Congresso Nacional, após
solicitação do Presidente da República, já consultados o Conselho da República
e o Conselho de Defesa Nacional.
São as
seguintes as hipóteses que comportam a decretação do estado de sítio: comoção
grave de repercussão nacional; ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia
de medida tomada durante o estado de defesa; declaração de estado de guerra; e
resposta a agressão armada estrangeira.
No decreto de
estado de sítio, serão inseridas disposições relativas: à duração; às normas
necessárias à sua execução e as garantias constitucionais que ficaram
sobrestadas.
Compete ao
Presidente da República nomear o executor das medidas específicas e as áreas
abrangidas.
Na vigência do
estado de sítio decretado com fundamento em comoção grave de repercussão
nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada
durante o estado de defesa, só poderão ser tomadas contra as pessoas as
seguintes medidas: obrigação de permanência em localidade determinada; detenção
em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;
restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das
comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa,
radiodifusão e televisão, na forma da lei; suspensão da liberdade de reunião;
busca e apreensão em domicílio; intervenção nas empresas de serviços públicos;
requisição de bens.
Jamais a
decretação do estado de defesa ou do estado de sítio se presta para afundar a
democracia ou corromper a dignidade da pessoa humana, mas para afirmá-las como
condições essenciais ao cumprimento dos mais caros princípios e valores
constitucionais.
As
instituições nacionais não submergem apenas porque, transitoriamente, há uma
excepcionalidade, que não pode aterrorizar a cidadania, mediante a adoção de
medidas que se afastam, por completo, das mínimas garantias constitucionais,
exceto quanto àquelas que, constitucionalmente, podem ser suspensas.
São medidas
constitucionais para socorrer um momento de anormalidade institucional ou
natural, razão por que não se prestam a governos, independentemente do matiz
ideológico, que têm dificuldades em conviver com a democracia, na plenitude dos
valores que expressa como condição inalienável.
O estado de defesa
e o estado de sítio não foram concebidos pelo constituinte para defender
governos, estimular tiranos disfarçados de democratas, aquartelar ditadores,
mas para defender, exatamente, as instituições democráticas e evitar que o
Estado sucumba nas mãos de minorias, armadas de ódios e ressentimentos contra
os valores da civilidade e da cidadania.
Não são
instrumento para servir ao governo, mas ao Estado e às instituições
democráticas, malgrado a excepcionalidade de medidas que podem ser decretadas
temporariamente.
O problema é o
mau uso das medidas constitucionais, com abuso de poder ou desvio de
finalidade, típico de governantes autoritários, que não se conformam com a
adversidade das ideias nem com a separação da competência dos Poderes da
República.
Daí
transformar uma medida transitória em definitiva basta vacilar...
Correio
Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google
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JUSTIÇA