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O CHICAGO KID NÃO QUER PAGAR OS 600 REAIS (*Victor Dornas)


Por Victor Dornas

O crescimento medíocre da nossa economia observado desde meados dos anos 90 provocou um contraste entre o Brasil e o mundo. O problema não era apenas crescer pouco e sim crescer pouco enquanto os emergentes cresciam e se desenvolviam muito mais depressa. O resultados foi a sucessão de retrações históricas e a queda do PIB na gestão Dilma que só seria compreensível numa situação de total calamidade pública, tal qual a atual. 

Com isso, iniciou-se um debate infértil de simplificações vulgares de questões econômicas que teve como resultado a seguinte constatação: Bastaria deprimir a máquina pública para voltarmos a crescer e, assim, elegemos um presidente ancorado num economista versado na escola econômica de Chicago. Um bufão que, durante a campanha, disse na Globo News que teria como intenção privatizar as mais de trezentas estatais brasileiras. O mercado, como sabido, é sempre festivo e foi atrás. Na prática, entretanto, o que se viu foi uma falácia acerca da reforma previdenciária que embora fosse inegavelmente urgente, não representaria entrada de caixa, como divulgou-se aos afoitos de plantão. 

Se alguém está jogando dinheiro fora e deixa de fazê-lo, não significa que passou a lucrar ou produzir mais. Significa, apenas, que deixou de jogar dinheiro fora, mas não se pode negar os efeitos de tê-lo feito por tanto tempo como se, doravante, fosse disposta ali uma reserva pronta pra ser usada em algo útil como se pensava.
Então as projeções antes da pandemia permaneciam num crescimento pífio, com retração em diversos setores produtivos como vem sendo a praxe desde sempre. 

O político quer assinar a obra e precisa de caixa para investir. Ele quer mostrar serviço ao povo, mesmo sabendo que o sistema de pagamento de dívida brasileira consome 100 % do erário em despesas obrigatórias. Guedes tem um grande mérito nisso tudo, entretanto. Como todo bom sujeito de negócios, apostador frio e calculista, ele soube manter a pose, mesmo desesperado com o que aprendeu em sua primeira experiência de gestão pública. Desesperado e ciente de que estaria amarrado ainda que seu presidente tivesse maior traquejo político no jogo de cartas com o congresso. 

Guedes não contava com uma pandemia, no entanto. Vislumbrou-se diante da ascensão supostamente disruptiva de popularidade de Jair Bolsonaro, mas ignorou aquilo que a maioria ignorou. Bolsonaro subiu agarrado num discurso populista antipetista, mas também não tinha experiência de gestão e prometeu fantasias liberais que nenhum liberal de verdade compreenderia uma vez que o Liberalismo parte do debate exaustivo e não da concentração de poder milagrosa. 

Guedes acreditou, todavia, que um congresso acuado aprovaria com presteza suas reivindicações e caso não o fizesse, ele poderia apontar os culpados. Num país acostumado com um quadro de depressão econômica severa que se arrasta há quase uma década, ele teria ali um álibi para protelar e, a despeito do crescimento que continuaria irrisório, se basearia em índices de confiança de mercado uma vez que a moeda depreciada atrairia investidores, além de avanços pontuais em legislações arcaicas que facilitariam a contratação. O vírus, contudo, trouxe à baila questões muito antigas. Questões que expuseram com impiedade a fragilidade do seu discurso liberal destoante da realidade. O Chicago Boy, agora, além de não ter caixa, deve responder por erros de seus predecessores. Isso significa ter que responder o motivo do país não crescer. A razão principal.

Enquanto o ministro preparava suas desculpas, surge mais uma incumbência. Pagar 600 reais para uma massa de pessoas que permanecerão improdutivas durante o período da pandemia. Coisa de socialista? Não senhor! Milton Friedman não deixaria escapar uma situação tão recorrente na história da humanidade e talvez em momentos assim as escolas mais antagônicas se aproximem. Mas o problema de Guedes não é ideológico. Ele está furioso e por vezes perde a pose, como por exemplo, ao classificar que domésticas não teriam direito de gastar no exterior. Todos sabem o que ele quis dizer, mas a forma como se diz revela uma angústia de quem precisa lidar com o descontrole diário e manter a pose de que está tudo bem. Ele se permite momentos de crueldade de fala como terapia para descarregar a insatisfação de assumir a inevitabilidade da falha. E agora os 600 reais. Ele não quer pagar os 600 reais. O Congresso sabe disso e agiliza todo o processo, uma vez que está aliado com as recomendações internacionais nesta pandemia. E Guedes continua no querendo pagar. Ele está furioso pois quer pressionar as pessoas a voltarem ao seu cotidiano. A doméstica, a massa de manobra, ele precisa dela. 

Engana-se bastante uma parte da mídia que crê que Guedes sumiu do cenário nesta crise. Ao contrário, está mais ativo do que nunca nos bastidores e boa parte das asneiras que o presidente profere tem fulcro em sua namoradinha do Posto Ipiranga. Agora Guedes diz que precisa de uma PEC para liberar o dinheiro e ainda carece dirimir questões legais pois não sabe de onde tirará o dinheiro e não quer incorrer em crime fiscal. Balela. Ele não quer pagar. Mas pagará provavelmente em breve. Pois apesar de tudo, quem detém o poder da canetada ainda é Bolsonaro e Bolsonaro age de acordo com aquilo que lê no celular, seja lá onde for. Ele se conduz, dependendo do humor, por notícias, falatórios, fofocas, uma vez que não é um gestor. Guedes terá que pagar. Mas continuará cada vez mais e mais nervoso. E mais nervoso ainda por ter que manter a pose.

Um Chicago Kid jamais admite a derrota e seu desespero tem como freio um presidente caótico.

*) Victor Dornas – Colunista do Blog do Chiquinho Dornas – Foto/Ilustração: Blog-Google


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