Extra! Extra!
Após desmarcar um churrasco comemorativo, Bolsonaro
diz que, mais uma vez, era tudo invenção da mídia. Que nunca houve pretensão de churrasco algum!
O
presidente não pode, entretanto, dizer que, diante do quadro de mais de dez mil mortos
pelo resfriadinho, a sua postura impensável como chefe de estado de não prestar as
devidas condolências também seria invenção da tal mídia golpista...
Por Victor Dornas
A mídia brasileira sempre foi alvo da política de situação.
Isso não a exime de falhas, por óbvio. Editoriais seguem seus interesses,
jornalistas não raramente demonstram incipiência em temas, ou até negligenciam
fatos para corroborar narrativas. O poder da informação, ainda mais num contexto
onde eleições são decididas em redes virtuais, está sempre sob suspeita.
Ainda assim, é um padrão de governantes no Brasil se defenderem arguindo incapacidade de
governar em virtude de perseguição midiática. Tudo que se diz sobre a Folha de
São Paulo hoje, veículo que estimula o jornalismo opinativo e por isso prestigia uma certa dose de subjetivismo, é bastante parecido com o que era
dito sobre este mesmo veículo durante os governos petistas, tanto por parte das figuras políticas como
também de seus apoiadores mais fervorosos.
Bolsonaro sabe que seu governo não sobreviveria longe de rixas.
Então embora tenha mobilizado seus apoiadores a elegerem Rodrigo Maia
como presidente do parlamento, depois fez dele seu maior algoz de ocasião.
Fez isso também com
ministros de estado, vide o caso do falecido Bebianno, Luiz Henrique
Mandetta e Sérgio Moro. Acostumou-se a festejar o fato alegado de que está num Western e
precisa, a todo momento, indicar qual é o seu alvo da vez.
Um dos desaforos prediletos
nesse bang-bang presidencial são os jornalistas que, diariamente, por dever de ofício se prestam ao ridículo de
ouvi-lo em sua saída matinal do palácio, cercado de aduladores que ficam mugindo feito bobos de circo a cada palavra proferida por seu mito. Na perspectiva
de mundo bolsonaresca, isso se chama liberdade de imprensa, ou até mesmo debate político.
Assim, Bolsonaro deixou o Golden Shower de lado para usar sua
conta do Twitter como divulgação de dados que, segundo ele próprio, a imprensa
não mostra.
As informações mais frequentes são as obras e pavimentações chanceladas
pela pasta de Tarcísio de Freitas e também a conquista de aprovações no congresso,
edição de medidas provisórias e aquisição de aparelhos para combater a covid,
bem como emissão de subsídio. De fato, é inegável que a mídia não divulga boas
ações do governo, por razões diversas, dentre elas o entendimento editorial sobre
aquilo que mais vende ou cativa leitores. Porém, o próprio governo não reconhece
que muitos desses dados supostamente positivos merecem críticas e não são positivos
como se divulga. O que Bolsonaro não quer é essa crítica. Eis a verdade.
Conforme reitero nessa coluna, Bolsonaro acumula aposentadorias
desde os trintas anos. Hoje ele aufere mensalmente mais de 30 mil reais como
aposentado. Terá direito a mais 30 por ter sido presidente, em caráter
vitalício. Colocou a filharada inteira na política e nenhum deles jamais abriu
mão de qualquer benefício indecorosamente permitido por lei, ao contrário de inimigos políticos, os tais comunistas do MBL, que abriram mão de privilégios previdenciários.
O eleitor que
ainda apoia o governo e quer sustentar que tudo isso não é passível de crítica, é direito de opinião, contudo não cabe adjetivar uma figura dessa como sendo nova política. Bolsonaro, em verdade, é
uma figura mimada pelo sistema que ele jura combater, como todo populista que
aparece no jogo político.
E sendo uma criatura birrenta, o presidente é incapaz de se compadecer.
O bom cristão, conservador nos costumes, que ajoelhou-se perante Edir Macedo, é incapaz de prestar condolências à nação. Não se compadece pelos
mortos, não consegue mostrar na face o patriotismo que alega ter.
É incapaz de
chorar pela morte de desconhecidos. Não se permite sentir o que diz.
O presidente é uma criatura do sistema.
Foi moldado pelo sistema.
Vive como um rei em virtude do sistema.
E quer convencer o povo de que luta
contra este mesmo sistema.
Bem-vindo, caro leitor, ao populismo tipo chavista.
Victor Dornas – Colunista do Blog do Chiquinho Dornas
Ilustração: Google