O conflito interminável entre o presidente Bolsonaro e jornalistas aguerridos ajuda a vender
bastante jornal, contudo não resolve nada nos conflitos diários amargados por
aqueles que vivem no mundo real.
Uma ideia mais propositiva talvez fosse uma carteirinha de exame recente destinada a profissionais liberais para convencer sua clientela de que o serviço é mais seguro.
Por Victor Dornas
A guerra protagonizada entre o presidente Bolsonaro e a mídia
teve mais um episódio vexaminoso. Nelson Teich, o ainda ministro da saúde, numa coletiva gravada em vídeo,
foi surpreendido quando um dos jornalistas o informou sobre uma ampliação de
serviços essenciais para manicures e academias esportivas. Trata-se de um decreto presidencial que busca contornar o
freio aplicado pelo Supremo que entende que Bolsonaro não pode interferir na
decisão de reabertura do comércio que compete aos governadores.
O problema, nobre leitor, é que o presidente resolveu não
informar o próprio ministro sobre isso. Trata-se, de certo, de um movimento hostil
para forçar uma demissão, haja vista que Bolsonaro quer Osmar Terra na pasta,
aquele que acredita que o isolamento é maléfico e publica suas ideias
científicas via Twitter.
Teich, perplexo, então ficou lá com cara de tacho!
Jornalistas focados na crise enxergam mais uma oportunidade de
detonar o governo, porém não percebem que, num momento de pandemia, as críticas
destrutivas não podem suplantar as construtivas e por mais que o governo
federal trate sua gestão como uma novela mexicana e coloque em risco a vida de
brasileiros, fato este que, sem dúvida alguma merece ser amplamente noticiado,
não se pode esquecer de fomentar também ideias propositivas que também salvam
vidas e não apenas tratar a realidade como um seriado político da Netflix.
Nesse episódio em especial, embora a forma que Bolsonaro
tenha optado resulte em mais um espetáculo trágico institucional, existe um
fulcro de boa intenção em sua ação pois cada dia que se passa nesse
semi-lockdown implementado no Brasil, os pequenos empresários, já massacrados
por políticas autoritárias que inibem a produção, sofrem tanto quanto os
enfermos que são internados em virtude da covid, por ver seus projetos de vida desmoronando
e por saberem que não terão o incentivo devido.
O jornalista, muitas vezes residindo no luxo de um bairro
cobiçado, perde um pouco a mão e não percebe que, por mais desastrada e desonesta que seja a maneira como
Bolsonaro conduz essa crise da covid, que há de fato um descaso principalmente de
congressistas que assistem de camarote a insurgência do caos que eles próprios construíram
na sina interminável do Legislativo.
Agora parece que tudo de errado é culpa do
governo federal, o bode expiatório que tem, de fato, vocação para assumir os
problemas alheios desnecessariamente por ser uma indústria de crises.
Ao invés de nos focarmos apenas no negativo, poderíamos ao
invés disso tentar imaginar uma saída para o problema de pequenos empresários no
ramo da estética, uma das profissões que Bolsonaro tenta desastrosamente ajudar.
Uma ideia seria, por exemplo, talvez fosse estabelecer uma meta de testagem
para profissionais desse tipo, isto é, uma espécie de carteirinha que ateste um
exame recente para que o mesmo pudesse convencer sua clientela da utilidade do
serviço sem contar apenas com uma imposição governamental que não surta efeitos
práticos. Bolsonaro faz um agrado para essas classes de pequenos empresários,
objetivando formar nichos de votos, mas não se compromete em garantir a viabilidade
daquilo que diz querer ajudar.
Uma coisa é permitir que o empresário trabalhe,
outra coisa tão importante quanto é conceder subsídios inteligentes que ajudem
no que mais importa.
O mercado não funciona de um modo tão simples como a imposição normativa objetivada por uma lei ou decreto. A clientela
deve ser convencida, com o jeito certo, de que precisa daquele serviço. Ainda
que essa ideia de uma carteira que ateste exame recente não seja viável, outras
ideias podem ser debatidas, tanto por autoridades como também pela mídia. O
circo dos horrores que se tornou a assessoria de comunicação do presidente,
hoje comandada por um dos filhos, de fato prende atenção. Tudo que é
escandaloso prende atenção.
Mas resolver alguma coisa, é outra história.
O jornalismo político brasileiro acostumou-se com a
comodidade de apontar defeitos, uma vez que estamos no paraíso dos defeitos de
gestão. Mas parece não lidar direito com a responsabilidade cívica do
jornalista em promover debates que provoquem efeitos construtivos.
As manicures do DF se organizam para pedir ao governador uma
anuência em relação ao modo Bolsonaro de agir, mas elas devem saber que, acima
de tudo, Bolsonaro não é o melhor publicitário para viabilizar seus negócios.
Elas precisam de boas ideias e de bons congressistas.
No Brasil de hoje, se nota uma disposição egoísta em apenas fomentar
o caos.
Victor Dornas – Colunista do Blog do Chiquinho Dornas