Extra! Extra!
A mais nova etapa da celeuma institucional brasileira é marcada
por discussões acerca do tal ativismo judicial. O personagem principal? Um eterno juiz
destemido que se contorce na letra da lei. E ele está quase dizendo: "I am the law!"
Por Victor Dornas
A nomeação de um confrade para o comando da Polícia Federal é
um problema político, afinal, por algum motivo, o presidente resolveu se
desobrigar das promessas de campanha. Do ponto de vista jurídico, entretanto, a
discussão é um tanto mais complexa. Se Alexandre Ramagem não pode chefiar a
polícia, ele também não poderia chefiar a Agência Brasileira de Informação, cargo
que ocupa desde julho do ano passado. Trata-se de um quadro abrangente do funcionalismo.
A verdade fatídica é que o princípio geral constitucional de impessoalidade
da Administração Pública é um dos mais negligenciados, inclusive pela vigência
de inúmeras leis que permitem contratação comissionada em funções que evidentemente
carecem de um processo rigoroso de nomeação. Se Bolsonaro não pode nomear
amigo sob o pretexto de influência política num órgão que já é notoriamente
politizado, a própria indicação de Alexandre de Moraes para o cargo vitalício de
ministro do Supremo também estaria prejudicada.
Acaso seguíssemos o
regramento à risca, isto é, com estrita impessoalidade, na letra da lei, o Estado brasileiro
como um todo seria disfuncional.
Essa assimetria seletiva do Supremo em barrar indicações
decorre, portanto, da politização, do calor do momento. Bolsonaro é oficialmente
investigado pela delação de Moro, contudo, não é essa a justificativa
apresentada por Moraes em sua decisão supostamente abusiva. O próprio presidente
tem proferido falas que abrem margem a investigações sobre possíveis crimes, mas
que reservados, por hora, ao terreno da investigação, não provocam efeito
algum. São ilações.
Qual seria o motivo político dessa mão pesada contra
Bolsonaro? Sérgio Moro.
Moro é o típico caso de político que mesmo enquanto trajava a toga despertava o ranço de qualquer positivista. Em suas ações, Moro
por vezes demonstra um certo desprezo por leis que em sua visão não possuem
razão de ser.
Nos quadrinhos, a geração dos anos 80 conhece bem a figura
nada carismática do Juiz Dredd. Trata-se de um personagem que vive num futuro distópico
e reúne em si mesmo a atribuição estatal de investigar, julgar e executar. Um autêntico
leviatã ambulante que porta armamento pesado e personaliza o caos da bandidagem.
Muito inspirador, porém incompatível com aquilo que chamamos de democracia.
Moro obviamente não é Dredd, mas mostra semelhanças e uma diferença brutal.
Dredd é um positivista, autorizado pela lei vigente de seu universo, a tocar o caos. Moro também quer tocar o caos, mas quer legislar antes disso.
Do ponto de vista bolsonaresco, Moro foi um herói quando anuiu
publicamente ao vazamento de um grampo presidencial, fato que numa democracia deveria gerar represálias severas. Agora que o alvo é Bolsonaro, todavia, a clientela clama por respeito ao direito constitucional. Ora, ora. Pau que bate em Chico também bate em Francisco. Mas já que agora interessa, politicamente,
vez que Moro dinamitou o governo numa única fala, a ideia é retratá-lo como contumaz insubordinado.
Nos quadrinhos, Dredd também age assim. Numa batida só ele empilha
dezenas de uma vez. Bolsonaro sempre quis personificar a imagem do combate ao
crime, porém seu desgosto é ter de aceitar ser retratado como um paspalho pela
mídia enquanto aquele que deveria ser seu mero preposto tem agora aspirações faraônicas. Moro agora quer ser Dredd. Por isso foi à Veja dizer que jamais viu empenho de
Bolsonaro na empreitada de repressão ao crime.
Moro quis aprovar o polêmico pacote anti-crimes
que daria aos policiais o poder discricionário de decidir acerca da vida de
pessoas de maneira mais "dreddiana". Uma vantagem em algum contexto, de certo, mas
também uma ameaça em muitos outros, e por isso despertou o ódio de liberais. Se é que ainda existem no Brasil.
Bolsonaro, na época, achou fofo!
Não se empenhou quase nada na discussão no congresso, pois sendo cria da casa, ele sabia que Moro se afogaria
sozinho. O congresso barraria tudo.
Mas Bolsonaro não conhece quadrinhos, não é verdade leitor?
Não notou, de bobo que é, que, aos
poucos, despertava a fúria de um eterno juiz que, tal qual Dredd, tem como mote
de vida o combate real ao crime organizado.
Enquanto Jair Bolsonaro berrava como parlamentar que não aprovou nenhum projeto que seja, Moro mandava centenas de
traficantes pro xilindró.
Perceba, amigo leitor, que Bolsonaro é como um leitor de gibi
que quer ser um herói, mas acaba frustrado e deflagrado em sua própria
debilidade, ou seja, com o real. Moro, por sua vez, é o tal herói, com todas as
suas nuances polêmicas, seus defeitos, porém, reconhecido como tal. Bolsonaro quis fazer do herói o seu vassalo político. Como nossa democracia assimilará um justiceiro é o que
veremos nos capítulos seguintes. Os melhores heróis são os mais controversos. Vejam o exemplo
do Batman, por exemplo. Um sujeito bastante atormentado que infringe a lei, repleto de
paranoias, contrastes e, por isso, é amado.
O Gibi “Dredd à brasileira” pode estar só
começando em pinceladas viscerais.
Uma carnificina política se anuncia.
Uma carnificina política se anuncia.
Victor Dornas – Colunista do Blog do Chiquinho Dornas
Ilustração: DC Comics.