test banner

O “ACIDENTE” EM BEIRUTE (Coluna Victor Dornas)

 
Victor Dornas 

A palavra acidente não está relacionada, necessariamente, com a chamada força maior, ou uma força da natureza. O acidente, como é sabido, muitas vezes significa apenas algo que poderia ter sido evitado com um pouco mais de cautela. A explosão ocorrida no Líbano que ocasionou milhares de feridos e, pelo menos, 150 mortos, embora pudesse logicamente ter sido evitada, não parece, na perspectiva deste articulista, com um caso de “acidente”.

No Direito existe a figura do dolo, que muitas vezes não versa sobre aquela intenção deliberada e sim numa omissão criminosa que afasta, justamente, a ideia de “acidente”, pois o perigo admitido implica numa certa culpa e intencionalidade dos agentes envolvidos. É exatamente isso que aconteceu em Beirute a meu ver, sopesando-se alguns pontos cruciais.

Vejamos os fatos, amigo leitor. O Líbano é um país de pouco mais de apenas 6 milhões de pessoa, sendo 2 milhões residindo na capital Beirute. Como um país tão pequeno consegue conviver com uma dívida interna de 90 bilhões de dólares? Nós aqui no Brasil, um país de geografia 

A verdade é que, a despeito de nossa natureza social pacifista, nós também não temos moral para sair por aí metendo o bedelho no sistema político dos outros. Nosso parlamento, por exemplo, é formado por figuras bizarras de todo o tipo, contudo, a situação no Líbano, até pra nós, é um tanto exótica demais para se assimilar.

O Líbano é chamado de democracia parlamentarista. Algo que, “per se”, já  denota um tipo de organização moderna, provavelmente mais sofisticada do que o nosso engessado sistema presidencialista. A realidade, entretanto, é assaz distinta, por um motivo simples de definir e quase impossível de resolver. Como venho tratando em outros artigos dessa coluna, quanto mais inflamado é um sistema político por ideologias, pior ele funciona. Pois bem, no Líbano, a pluralidade religiosa não é exatamente um ecumenismo e sim uma guerra constante por poder. O Líbano é o exemplo perfeito de como a globalização de costumes pode não ser tão bela quantos muitos por aí gostam de confabular.

O parlamento libanês é cindido entre duas castas, a cristã e a muçulmana. Ocorre que dentro desses grupos há incontáveis contrastes e ramificações. Xiitas, Maronistas, Siríacos, Sunistas, dentre incontáveis outros grupos. Aí entram os grupos organizados que comandam as decisões política parlamentares, como a famosa organização paramilitar xiita Hezbollah.

Quando houve a explosão, não por acaso muitos acharam a imagem similar a uma bomba atômica. As fotografias mais famosas sobre explosões nucleares eram de bombas cujo o raio de impacto inicial era de mais ou menos 15 quilômetros, ou seja, não tanto diferente assim do que aconteceu em Beirute. A diferença em relação à bomba atômica é que o impacto inicial não é o maior dos problemas e sim as ondas de devastação por radiação que vão se alastrando e deixando um rastro irreparável. Felizmente, no caso de Beirute, o estrago não foi radioativo, sendo a explosão de materiais que não poderiam estar guardados ali.

Pelo fato das rixas religiosas nesse pequeno país de10 mil quilômetros quadrados frequentemente terminarem em assassinatos, logo quando houve explosão se imaginou que seria a retaliação por algum julgamento de membros do Hezbollah, o “partido divino”. Depois viu-se que foi só um “acidente” com aquele aspecto nuclear.

O Líbano é um laboratório social que retrata como ainda somos enraizados por questões antigas, celeumas insolúveis, e muita, muita ideologia. Um parlamento que é delimitado por grupos religiosos que se digladiam o tempo inteiro não é uma democracia parlamentarista e sim outra coisa, completamente diferente. Uma democracia não permite que tanta coisa seja mantida por baixo dos panos. 

Nós aqui no Brasil também temos esse problema de não saber direito como o erário é gerido. O brasileiro não sabe sequer o nome dos impostos que sugam mais da metade daquilo que seria, em tese, provento dele próprio. Nós também temos uma série de questões que nada tem a ver com democracia, isto é, com a transparência da gestão da coisa pública, de modo que se alguém irregularmente acomodasse um material com potencial explosivo de raio similar a uma bomba atômica, não seria exatamente um espanto.

A obscuridade da coisa pública só sobrevive à custa de muita ideologia, ou religião, ou qualquer coisa que nada tenha a ver com a matemática dos gastos e divisões de recursos.

A explosão ocorrida no Líbano não deve ser vista como um acidente e sim como uma amostra de que quanto mais nos distanciamos da democracia, mais cego ficamos, até que algo inesperado aconteça e nos enterra junto com nossas visões turvas de uma realidade fictícia.


(*) Victor Dornas - Colunista do Blog Chiquinho Dornas ,fotos ilustração: Blog-Google.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem